ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2015
A medalha de Anne
Jovem matemática conhece o Rio
Luiza Miguez | Edição 107, Agosto 2015
A multidão de adolescentes se descontrolava vendo o ídolo de perto. “Artur, Artur! Olha para cá!”, gritou um garoto, colando seu rosto ao do astro para tirar um selfie. Uma coordenadora pedia em vão para que as centenas de crianças que cercavam desajeitadamente o ídolo o deixassem respirar. Uma menina suplicou nervosa: “Tia, eu só quero apertar a mão do ‘Medalha Fields’.”
Não houve sossego para Artur Avila, naquela segunda-feira de julho. O matemático carioca participava da abertura da premiação da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, a Obmep. Agraciado em 2014 com o prêmio mais prestigioso da disciplina, o “Medalha Fields” era ovacionado como astro de rock pelos 501 estudantes de todo o país que viajaram ao Rio de Janeiro para receber a medalha de ouro da competição.
Enterrada no meio da multidão, uma garota magricela aguardava sua vez de tirar a foto com o matemático. Anne Beatriz Cardoso de Sousa, de 13 anos, não entrou na disputa por Avila com os amigos, mas esperou paciente, observando o tumulto de maneira discreta. Ouviu sem perder uma vírgula o relato do pesquisador carioca, que narrava para os adolescentes sua trajetória até o prêmio Fields.
Ele também tinha 13 anos quando participou pela primeira vez de uma competição daquele tipo – à época, a Obmep, exclusiva para escolas públicas, ainda não existia; Avila disputou a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), mais antiga, que também aceita alunos de escolas particulares. Ganhou uma medalha de bronze logo na prova de estreia, e três de ouro, nas seguintes. Segundo Avila, foram essas competições que o aproximaram da disciplina e revelaram seu talento. “Eu possivelmente não seria um matemático se não fosse por isso. As questões eram mais criativas do que as do colégio, despertaram meu prazer”, disse.
Logo após participar da primeira olimpíada, Avila foi informado de que deveria ir a um endereço “esquisito” no bairro do Jardim Botânico, quase dentro da Floresta da Tijuca, para a cerimônia de premiação. Chegou a um prédio no meio do mato, uma escola da qual nunca ouvira falar. Estava pela primeira vez no Impa, o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, um dos principais centros da disciplina em todo o mundo, que organiza a OBM desde o final dos anos 90 e, desde 2005, a Obmep. Saiu de lá com uma lista de exercícios bastante complicados, e tomou gosto pela coisa. Poucos anos mais tarde, passaria a frequentar o Impa diariamente, como aluno do doutorado.
Anne ouvia atentamente o relato de Avila. Muito tímida, mal esboçou um sorriso quando o veterano passou os braços em seus ombros e a cumprimentou por ter alcançado o primeiro lugar no Nordeste e o quinto no Brasil entre os alunos da 6ª e da 7ª séries. Não só era a primeira viagem da piauiense de Capitão de Campos, como também ela nunca andara de avião. No Rio, a adolescente queria saber de duas coisas: registrar no celular fotos com matemáticos e realizar o sonho de conhecer o Impa.
O município de Capitão de Campos fica no norte do Piauí. Cortado pela BR-343, tem quase 11 mil habitantes e poucas construções com mais de um andar. Por lá não existe clube com piscina, cinema ou parque. “Não tem nada para fazer”, suspirou a jovem.
Anne mora com a avó, que é revendedora de cosméticos, e o avô, dono de um bar. Desde o anúncio da vitória na Obmep, em novembro de 2014, ela vem recebendo uma bolsa de iniciação científica do Impa. São 100 reais de ajuda de custo e também um tablet, pelo qual acompanha aulas dadas por matemáticos do instituto. Cerca de 6 500 estudantes espalhados pelos cinco cantos do país, medalhistas na olimpíada, assistem a essas videoaulas e estudam a distância com os professores do Impa.
Pequena e magrinha, Anne tem os cabelos crespos bem espessos. Como muitas outras garotas de sua idade, enfeita as unhas com adesivos de flores, corações e estrelas. Fala muito pouco e baixinho. No colégio, não é do grupo que reúne vários amigos. Senta-se colada ao professor, para evitar os colegas mais desordeiros. Em casa, fica acordada até depois da meia-noite resolvendo problemas. Frustra-se, às vezes até o choro, quando encontra alguma questão que não consegue solucionar. Diz estudar muito não só para ganhar prêmios, mas porque deseja ser pesquisadora do Impa no futuro.
Enquanto, ao lado dos outros oito medalhistas de ouro do Piauí, aguardava o momento de subir ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e receber a honraria da Obmep, a menina sacou o smartphone do bolso e apontou para si a câmera frontal do aparelho. Queria conferir o visual uma última vez.
Chegara havia pouco mais de um dia à cidade e enfiara-se nas atividades programadas pelo Impa. Show com mágico, sessão de filme, palestras com matemáticos – tudo acontecia no hotel em que os alunos estavam hospedados. Só não pôde aproveitar a piscina: um funcionário do instituto lhe havia dito que faria frio na cidade, e os trajes de banho ficaram no Piauí.
Ajeitando a blusa no corpo, preparou-se para subir ao palco do Municipal. Recebeu a honraria das mãos de Jacob Palis, um dos matemáticos mais importantes do país. Ganhou do pesquisador a medalha de ouro, um sorriso largo e dois tapinhas de incentivo, um em cada ombro. Feliz com o prêmio, a menina acabaria não visitando a sede do Impa, o local no meio do mato que tanto encantara o estreante Artur Avila. Já há algumas edições da Obmep, o instituto deixou de organizar uma visita dos premiados a suas instalações no Jardim Botânico – o fato de serem 501 jovens dificulta a operação.
A noite de Anne terminaria com um lanche no hotel e cama. De manhã, o voo de retorno ao Piauí. Bem cedo.