ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
A onda Zalszupin
O boom dos móveis do designer, nascido há cem anos
Ana Clara Costa | Edição 184, Janeiro 2022
“O primeiro Zalszupin a gente nunca esquece”, escreveu a artista plástica Adriana Varejão em uma rede social, comentando a foto da mesa recém-adquirida pela roteirista Antonia Pellegrino, sua amiga. Ter um móvel desenhado por Jorge Zalszupin, judeu-polonês que imigrou para o Brasil em 1949, não é para qualquer um. Tanto mais depois da morte do designer e arquiteto, ocorrida em agosto de 2020. Suas criações tornaram-se itens cobiçadíssimos. Nunca foram tão vendidas – e tão falsificadas.
Com a aproximação do centenário de nascimento de Zalszupin, neste ano, a procura aumentou, dentro e fora do Brasil. Em vista disso, a própria família do arquiteto passou a alertar para o risco de comprar gato por lebre. “Tem uma lista de pessoas não sérias que ganharam dinheiro às custas do meu pai se fingindo de sérias”, diz Verônica Zalszupin, filha do designer e gestora de seu acervo mobiliário. Na internet, é possível achar a mesa Pétala, uma de suas mais famosas criações, mas feita em freijó ou compensados de madeira clara – uma afronta à sofisticação do autor, que trabalhava apenas com madeiras nobres de tons mais escuros, como o jacarandá e o pau-ferro.
A plataforma internacional 1stDibs, maior site de venda de produtos vintage do mundo, tem mais de oitenta itens Zalszupin, alguns deles oferecidos por brasileiros. No site, o móvel mais caro atribuído ao arquiteto é uma mesa Guarujá de 75 mil dólares (cerca de 400 mil reais). Verônica conta que foi chamada pela 1stDibs para avalizar a procedência dos móveis, mas parou de colaborar depois que foram colocadas à venda peças de autenticidade duvidosa.
O mobiliário brasileiro produzido entre 1950 e 1960 caiu no ostracismo no final do século XX, com um retrocesso estético que resgatou as formas rebuscadas do século XIX. Com isso, muitas peças de Zalszupin, Sergio Rodrigues, Joaquim Tenreiro, Zanine Caldas, Geraldo de Barros, Percival Lafer, Jean Gillon e Giuseppe Scapinelli foram esquecidas em casas de campo, fazendas e porões.
“O design brasileiro foi uma das principais descobertas das últimas décadas”, afirma Teo Vilela Gomes, dono de um galpão com mais de 10 mil móveis que abastecem a loja Teo, de móveis vintage, em São Paulo. Ele reconhece que montar um bom acervo de móveis não é fácil. “Tem que conhecer gente” que está se desfazendo deles. Ele conta que comprou um conjunto de estantes Zalszupin da fundação da antropóloga Ruth Cardoso, ex-primeira-dama do país, pouco depois de ela morrer, em 2003. “Eu conhecia alguém na fundação e fiz uma oferta.”
A obra de Zalszupin voltou a chamar atenção depois que a arquiteta e pesquisadora Ethel Leon mostrou o trabalho dele a Etel Carmona, dona da loja de design que leva seu prenome, em São Paulo. “A Ethel nos disse: ‘Tem um designer que está com quase 80 anos, um pouco doentinho, mas teve uma produção espetacular nos anos 1950 e hoje ninguém fala mais dele. Vocês deveriam conhecer’”, recorda Lissa Carmona, filha de Etel e diretora executiva da loja.
Etel logo marcou uma conversa com Zalszupin, que havia acabado de voltar de uma temporada de quase dez anos em Paris. Foi iniciada a catalogação do mobiliário e dos desenhos do arquiteto e, pela primeira vez, seus móveis passaram a ser reeditados, com madeiras e acabamentos escolhidos por ele – mas sem o jacarandá que notabilizou sua obra, pois a extração da árvore está proibida. “Logo que a gente começou a trabalhar, ele ganhou vida nova. Começou a vir de bengala, depois não precisava mais”, afirma Lissa.
Depois, o trabalho foi assumido por Verônica Zalszupin, que guarda os desenhos do pai a sete chaves e ajuda a cuidar, com Etel e a galeria Almeida & Dale, da Casa Zalszupin, um centro cultural na residência que ele projetou em São Paulo e onde viveu por mais de seis décadas. Foi em homenagem à filha que o designer, depois de 45 anos sem fazer novos móveis em madeira, criou em 2008 a sua última peça: a poltrona Verônica, que na Etel custa a partir de 21 mil reais (dependendo do tecido escolhido). Por duas vezes, Zalszupin foi destaque de capa, com seu famoso Carrinho de Chá, na T, revista de estilo do jornal The New York Times. A peça é vendida na Etel por 39.850 reais.
Verônica conta que o pai teve tempo de testemunhar a retomada do interesse por seu trabalho, mas nunca deu muita importância a isso. “Ele era muito austero, não era vaidoso”, diz. Ela relaciona essa característica às adversidades que Zalszupin viveu depois da ascensão do nazismo. Em 1939, ele conseguiu fugir com os pais e a irmã, Ina, da Polônia para a Romênia, mas seus demais familiares e os amigos foram mortos em campos de concentração. Sua mãe insistiu em voltar à Polônia e também foi morta.
O designer rememorou todo esse périplo no livro De * pra Lua, de 2014, em que avalia ter sido contemplado pela sorte ao se mudar para o Brasil. Zalszupin veio para cá estimulado pelas imagens do edifício do Ministério da Educação e Saúde (hoje Palácio Capanema), no Rio de Janeiro, que viu numa revista francesa. Ele se encantou com as linhas modernistas do prédio projetado pela equipe da qual faziam parte Lucio Costa e Oscar Niemeyer.
O fascínio atual por Zalszupin tem sua razão de ser. Especialistas em mobiliário do século XX ressaltam as qualidades únicas do designer, como sua capacidade de imprimir curvas suaves na madeira maciça, e as inovações tecnológicas que introduziu em sua fábrica de móveis para viabilizar a produção industrial sem perder a característica artesanal das peças.
A moldagem de laminados a calor – em que a prensagem das lâminas em alta temperatura dá a plasticidade necessária para o manejo da madeira – era uma das técnicas que o diferenciava de seus contemporâneos. Graças a ela, Zalszupin conseguiu executar as curvas que tanto seduzem em seu banco Onda ou na poltrona Presidencial, dois de seus móveis mais célebres.
Muito antes que “sustentabilidade” virasse palavra da moda, ele reaproveitou sobras de jacarandá, colando os retalhos de diferentes texturas e tonalidades uns nos outros até formarem uma grande superfície. A técnica, que apelidou de “taqueamento”, se tornou sua marca registrada e foi amplamente utilizada no seu mobiliário de escritório, como nas mesas Guarujá e Guanabara.
Sua preocupação com o desperdício ia de encontro ao estilo do designer Sergio Rodrigues (1927-2014), por quem tinha grande admiração. Lissa Carmona conta que Rodrigues não compreendia por que o amigo usava pouca madeira. “O Sergio falava: ‘Eu não entendo o Jorge. Essa poltrona é uma joia, um primor, mas por que ele economiza tanto em madeira? Parece que vai quebrar’”, relembra Carmona. “E o Jorge, por sua vez, comentava: ‘O Sergio é um querido amigo, mas para que gastar tanta madeira? Não precisa. Dá para fazer com metade daquilo.’”
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