ILUSTRAÇÃO: OSCAR NIEMEYER_FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYER
À procura de uma cidade
Nicolas Behr | Edição 70, Julho 2012
não tente
gostar de brasília
tão rápido assim
blocos de verdade
sobrevoam
superquadras
imaginárias
superquadras
à procura
de uma cidade
*
anunciaram a utopia
mas foi brasília
que apareceu
*
o que mais
te fascina
em brasília?
a cidade ou o poder?
o céu
*
da próxima vez
que eu for
a brasília
não vou trazer
uma flor
do cerrado
pra você
vou depositá-la
no túmulo
do candango
desconhecido
*
o que não falei
sobre brasília
o tempo dirá por mim
*
todos os erros
de brasília
são meus
tolerar
outras brasílias
e explodir apenas
a cidade
onde a palavra
mágica é tabu
abracadabraxília
quero a dor
dessa cidade
pra mim
*
os candangos
foram então obrigados a morar
fora da cidade fortificada
já os brasilienses migraram
para a capital logo depois
encontrando a cidade pronta
mesmo após brasília
continuaremos desejando
viver em sociedade?
*
os candangos
pegavam na vida
sem luvas
a vida é um fio desencapado caído na rua
em noite de chuva
*
o traço do arquiteto
é superfície
pele, poste, poeta e papel
são superfícies
o subsolo da catedral
é superfície
o bloco soterrado, superfície
a solidão
da superquadra é superfície
onde nascem as raízes
é superfície
o céu de brasília,
superfície
o lago paranoá
mesmo seco é superfície
brasília é minha pele
ao avesso
profunda superfície
*
não descer do bloco
para não te cumprimentar
subir pelas escadas
pois você está no elevador
sair pela garagem
para não te ver no térreo
não levar o cachorro
pra passear
porque seu vizinho
também levou
ficar no apartamento
para não te encontrar
na padaria
*
cidade-fora-da-órbita
cidade-fora-da-cidade
cidade-fora-da-lei
muro invisível
espaço intransponível
*
já é brasília?
não
apenas
a sensação