ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
Amarelar, jamais
Como atua a associação que luta por um Brasil mais colorido
Bruno Moreschi | Edição 61, Outubro 2011
Que o tom rubro do pau-brasil tenha sido dos primeiros detalhes a despertar o interesse dos colonizadores é motivo de renovado júbilo para a diretoria da Associação Pró-Cor do Brasil. “Foi uma festa quando os portugueses chegaram e perceberam que havia por aqui a avermelhada madeira tão comum na Índia”, regozijou-se o presidente Paulo Félix, após perorar com entusiasmo sobre as propriedades corantes da madeira em questão. “Definitivamente a cor está inserida na história do nosso Brasil.”
Meio milênio depois, os apaixonados pelas cores estão reunidos numa agremiação que tem o propósito de zelar pelo esplendor cromático do país. A associação dá respaldo institucional a uma causa que congrega artistas plásticos, designers e fabricantes de tintas, mas também químicos, psicólogos e tantas outras categorias que lidam com as cores em seu ofício.
A Pró-Cor, no entanto, não foi a iniciativa pioneira. Ela é herdeira da finada Associação Brasileira da Cor, ABCor, surgida em Porto Alegre, em 1998. Durante três anos, o grupo pioneiro lutou por um Brasil multicolorido. Sem recursos para se manter, definhou. Foi com a alma ainda enegrecida de luto que seus órfãos decidiram criar outra sociedade para preencher o vácuo que se abriu com o pesaroso fim da ABCor.
Para garantir o êxito do grêmio que a sucederia, seus criadores concluíram que era mais prudente trocar os verdes pampas do Rio Grande pelo cinza dos prédios da agitada São Paulo. É na avenida Paulista, nas proximidades das colunas vermelhas do Masp, que a Pró-Cor fincou suas raízes. Encontrou abrigo junto ao Sindicato da Indústria de Tintas e Vernizes do Estado de São Paulo, no 9º andar do prédio da Fiesp.
São ambiciosas as metas da Pró-Cor, devidamente protocoladas em seu estatuto, sacramentado em junho de 2006 no 4º Registro de Pessoas Jurídicas de São Paulo. Entre elas, estão “o desenvolvimento de projetos sociais para difundir a cultura da cor” no Brasil e “sensibilizar o poder público e a sociedade no sentido de instituir o ensino da cor em todos os níveis da educação”. Para esses idealistas coloridos, o mundo perfeito seria aquele em que as crianças declinassem de cor todos os tons do arco-íris com a mesma desenvoltura com que recitam a tabuada do sete.
No que dependesse dos associados, os templos de todas as religiões deveriam se espelhar na riqueza cromática das igrejas ortodoxas russas, como defendeu num artigo José Cristovan de Góes, diretor-secretário da Pró-Cor. Aos 63 anos, ele é o editor de um portal de notícias sobre cores, muito popular entre seus pares.
Góes frisou a abnegação dos sócios e da diretoria: “Não recebemos nenhuma remuneração para trabalhar na associação.” Pelo contrário, os sócios precisam pagar uma semestralidade de 120 reais, empenhada para manter a associação em funcionamento e custear eventos. Na sua visão, o desafio maior da Pró-Cor é agregar os amantes das cores. “A verdade é que somos ainda muito desunidos.”
Em setembro do ano passado, a diretoria da associação prestigiou um seminário internacional sobre cores promovido num hotel paulistano. Naquela época, eles buscavam alguém de pulso firme disposto a ocupar a vice-presidência da Pró-Cor. Encantaram-se com a fala da professora Paula Csillag, da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Sua capacidade de articulação e sua inquestionável paixão pelas cores faziam dela uma candidata natural ao cargo. Paula aceitou de pronto o convite recebido, que ela encarou como uma missão.
Já nos primeiros meses de gestão, a vice-presidente aproveitou suas aulas para catequizar os alunos e engrossar as fileiras da Pró-Cor. Quando fez seu primeiro discurso de convencimento, nove pupilos levantaram as mãos e se dispuseram a atuar em defesa da causa cromática no Brasil – mais interessados, quem sabe, em ampliar seu leque de amizades coloridas. Foi assim que a Pró-Cor finalmente atingiu a marca de trinta filiados, que mantém até hoje.
Acima de Paula na hierarquia, o presidente Paulo Félix é a autoridade maior do assunto no Brasil. Formado em química pela Mackenzie e com doutorado em educação física e esporte pela USP, ele é o autor de um respeitado estudo cromático chamado “Amarelão no esporte”. Nesse trabalho, investigou por que os brasileiros usam o verbo “amarelar” para designar a atitude daqueles que deixam de fazer algo por medo. O químico examinou a variação do tom da tez de diversos atletas brasileiros que treinavam para as Olimpíadas de Pequim. Logo constatou que suas peles ficavam amareladas por causa de um tipo de estresse comum entre esportistas que almejam em excesso vencer uma competição. O estudo valeu a Félix a notoriedade entre os colegas por ter decifrado um dos mistérios do amarelo.
Os diretores da Pró-Cor defendem seus ideais com afinco, mas basta uma pergunta para que se esvaia sua convicção. Quem ousar lhes indagar qual é sua cor favorita será recebido com uma indecisão que beira o constrangimento. O diretor-secretário Góes titubeou. Numa possível tentativa de bajular seu superior, acabou por responder que se trata do amarelo. “Por estar associado à riqueza”, justificou-se, pouco convincente. A vice-presidente saiu pela tangente num relativismo professoral: “Depende da circunstância. Tenho uma cor favorita para o esmalte, outra para o carro, e assim por diante.” Do presidente Paulo Félix se esperava uma atitude mais enérgica, que pusesse um ponto final na questão, como preto no branco. Diplomático, contudo, preferiu não ser injusto com nenhuma tonalidade, cioso do peso que sua autoridade conferiria a sua declaração. “Sinto muito, mas não há resposta exata para essa questão.”