ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2014
Aprendiz de feiticeiro
O Harry Potter do PSOL contra a “farsa da direita”
Malu Delgado | Edição 90, Março 2014
Os fãs tentam entender por que diabos Harry Potter não recorre a seus poderes para curar o problema na visão e abandonar os óculos. Por que ele é o único aprendiz de feiticeiros que porta o acessório em Hogwarts? Independentemente das explicações nas fanpages, tão imaginosas quanto a saga da britânica J. K. Rowling, o fato é que aqueles óculos são a marca registrada do bruxinho. E é por causa deles que o senador pelo Amapá Randolfe Rodrigues, candidato do PSOL à Presidência da República, é conhecido pelo nome do protagonista da série.
“Não é, Harry Potter?”, brincava o senador Magno Malta (PR-ES) numa manhã de fevereiro, num dos corredores do Senado, enquanto defendia em entrevista a redução da maioridade penal. “Hoje não é um bom dia para isso, senador. Senão conto quem é Voldemort”, revidou Randolfe.
Os óculos de Randolfe causam tanto frisson aos marqueteiros do PSOL quanto os de Harry Potter aos fãs. Há catorze anos o senador foi diagnosticado com um leve astigmatismo e comprometimento da convergência ocular. “Há duas semanas o oftalmologista me disse que não tenho mais nada.” Mas o programa do partido veiculado no início de fevereiro trazia cenas do senador com os indefectíveis óculos. O candidato não sabe o que fazer com a imagem forjada por ocasião da disputa de 2011 à presidência do Senado, da qual José Sarney (PMDB-AP) saiu vencedor por setenta votos a oito.
Além da dúvida sobre manter ou não o figurino Harry Potter no candidato, há outra mágica a ser feita pelo PSOL: rejuvenescer ainda mais o jovem Randolfe, de meros 41 anos. O marqueteiro – “Luiz Arnaldo Campos, um cineasta militante que não visa ao lucro” – vetou o uso de terno e gravata na tevê. E será preciso muito feitiço para tornar sedutor o discurso do candidato: não bastasse a voz estridente e a retórica professoral, Randolfe é, segundo um correligionário, “gongórico”, ou seja, abusa de imagens rebuscadas e muitas vezes herméticas.
Januário Martins, pai do senador e petista histórico, não aprovou o programa do PSOL: “Parecia aquelas coisas do PT de antigamente.” Randolfe admite que não vai ser fácil encantar os eleitores falando da “auditoria da dívida externa” na tevê, com as ruas em ebulição. Ele se anima, porém, com a liberdade com que o partido poderá tratar da pauta “dos costumes”, como direitos homoafetivos e a descriminalização do aborto e da maconha. A agenda das mobilizações de junho também será encampada pelo PSOL: “Tarifa zero é exequível e realizável.”
“Até que enfim ganhamos uma aqui dentro”, celebrava Randolfe ao final da votação em que a Proposta de Emenda Constitucional na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sobre a redução da maioridade penal foi derrotada por 11 a 8. O senador repetia a piadinha que circulava nos corredores do Senado: “Passagem do meu estado até Brasília: 650 reais. Abastecer o carro do Senado: 400 reais. Ver a cara do Magno Malta depois da derrota da proposta: não tem preço.”
Num lapso de descontração durante o almoço em Brasília, Randolfe admitiu que é “meio sério mesmo”. Foi enfático quando o garçom lhe perguntou sobre o ponto da carne: “Passada, bem passada, muito bem passada, passadíssima.” Criado a maior parte da infância pelos avós em Pernambuco, enquanto os pais se aventuravam pelas terras promissoras do Amapá, ele credita sua aparência austera à pouca idade com que foi eleito. “Como sou o mais jovem da Casa, isso me impôs a necessidade de tentar envelhecer, ser formal, impor respeito. Na campanha vou tentar rejuvenescer.”
Entre um bocado e outro, falou das dificuldades para arrumar namorada na juventude. “Para namorar comigo tinha que resistir a pelo menos uma reunião do DCE e a uma panfletagem.” Hoje já é avô de Antônio Gabriel, filho de Thaís, sua caçula, de 18 anos. O primogênito, Gabriel, um ano mais velho que a irmã, lhe apresentou o mundo de Harry Potter. Divorciado, Randolfe vive com a nova companheira em Macapá, mas passa grande parte dos dias em Brasília. Fez poucos amigos. Não conseguiu aderir à pelada do deputado Romário (PSB-RJ) e do senador Petecão (PSD-AC) às terças-feiras. “É rara uma terça em que eu não queira fazer um pronunciamento”, justifica o flamenguista.
No dia 24 de fevereiro, Randolfe foi lançado pré-candidato do PSOL em São Paulo. É apontado como a síntese dos dois primeiros candidatos do partido à Presidência, a ex-senadora e hoje vereadora Heloísa Helena (6 575 393 votos) e Plínio de Arruda Sampaio (886 816 votos). Teria, segundo seus entusiastas, o vigor de Heloísa e a ternura de Plínio. O evento lembrava as plenárias do PT da década de 80 – boinas circulavam pelo salão, onde uma lojinha vendia livros marxistas e socialistas, bótons e camisetas do Che. A diferença ficava por conta da Bateria Indignada, a bandinha de jovens do partido que surgiu na época das manifestações de junho. A cada discurso, a rapaziada improvisava um bordão. “Eu não recebo nenhum real… Eu tô na rua por um ideal”, cantaram antes de Marcelo Freixo discursar. Visto hoje como o único político do nanico PSOL com alguma viabilidade de não fazer feio numa aventura nacional, Freixo declinou de ser candidato à Presidência. No dia 9 de fevereiro, teve seu nome associado pelo advogado Jonas Tadeu Filho ao manifestante black bloc acusado da morte do cinegrafista Santiago Andrade. O PSOL considera a tentativa de ligar o partido ao financiamento de black blocs uma “farsa do sistema” e diz estar afinadíssimo para tratar do assunto se “a direita” quiser ressuscitá-lo na campanha.
Dias antes de ser oficializado pré-candidato, Randolfe admitia não entender por que Freixo não aceitou concorrer. “Ele teria as melhores condições.” Para o senador, não há “razoabilidade” na recusa do colega. Freixo, deputado estadual, quer disputar a Prefeitura do Rio em 2016 e acha que precisa estar na Assembleia em 2015. Para não morrer de vez, a única meta real do PSOL em 2014 é eleger bancadas estaduais e federais, e Freixo é fundamental nessa engrenagem.
“Pelo sim, pelo não”, Randolfe mantém no pulso uma fitinha vermelha do Senhor do Bonfim que ganhou em Salvador. A militante que lhe deu a mandinga insistiu que ele a tirasse somente no segundo turno.