ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2020
Arena vazia
O Grêmio prevê a volta dos torcedores ao estádio apenas em 2021
Allan de Abreu | Edição 166, Julho 2020
Em 1982, quando tinha 6 anos de idade, Luciano Balbuena de Oliveira assistiu pela primeira vez ao vivo a uma partida do Grêmio, no antigo estádio Olímpico, em Porto Alegre. Foi uma experiência memorável para o guri, apesar da derrota de seu time do coração – o tricolor gaúcho perdeu o título do Campeonato Brasileiro para o Flamengo de Zico.
O entusiasmo de Oliveira pelo Grêmio não cessou. Durante 38 anos, ele compareceu a todos os jogos da equipe na capital gaúcha. Na sua conta, mais de mil partidas, três delas inesquecíveis: as finais da Taça Libertadores de 1983, 1995 e 2017, vencidas pelo clube.
A saga do torcedor continuou na Arena do Grêmio, quando esse estádio multiuso foi inaugurado em 2012, no bairro Humaitá, na Zona Norte de Porto Alegre. Sempre que havia jogo do time, uma grande festa acontecia no entorno, especialmente aos domingos, quando chegavam do interior do estado, de Santa Catarina e do Paraná numerosos torcedores – conhecidos como “consulados” tricolores.
Bem cedo, eles tingiam de preto, branco e azul os arredores do estádio, ocupando os bares (cerca de duzentos, segundo os dirigentes do clube) e algumas das residências, cedidas ou alugadas pelos donos. Na hora do almoço, montavam centenas de churrasqueiras nas calçadas, a fim de preparar costeletas e nacos de filé, comprados pelos grupos gremistas em sistema de rateio.
Integrante da Confraria Tricolor, Oliveira pagava, a cada pré-jogo na Arena, 15 reais pela pulseira que lhe dava direito a comer e beber à vontade, antes de seguir para o estádio com centenas de companheiros e “empurrar”, da arquibancada lotada, os jogadores do Grêmio. Era um momento de alegria e entusiasmo.
Às vezes, entusiasmo demais, como nas famosas “avalanches” gremistas, em que os torcedores se jogavam sobre o alambrado a cada gol, ao estilo do que fazem os hinchas do Boca Juniors na Bombonera, em Buenos Aires. No Brasil, foram proibidas depois que a grade da Arena se rompeu em 2013, deixando oito feridos.
Tudo isso é coisa do passado. No último mês de março, a lista dos milhares de jogos ao vivo vistos por Oliveira foi bruscamente interrompida, com a paralisação do futebol brasileiro (e de boa parte do mundial). Para o representante comercial de 44 anos, não foi fácil aceitar a ideia de que, por tempo indefinido, não haveria mais o churrasco tricolor nem as partidas na Arena.
Num prognóstico otimista, a direção do Grêmio acredita que os jogos só voltarão a ter a presença do público em 2021, mesmo assim com várias restrições, entre elas medição da temperatura corporal, máscaras obrigatórias e uma ou duas cadeiras vazias entre os torcedores, o que diminuirá a capacidade da Arena das atuais 55 662 pessoas a algo em torno de 28 mil.
A exigência da máscara também promete mudar a maneira de torcer em um estádio. “A fiscalização do comportamento do torcedor será um enorme desafio”, vaticina Romildo Bolzan Júnior, presidente do Grêmio. Medidas racionais para evitar o contágio certamente entrarão em conflito com a emoção que sempre aflora em um estádio de futebol.
Será difícil, por exemplo, manter a máscara no rosto durante o grito de “gol” ou até mesmo no momento de xingar o árbitro ou um atleta do time rival. Por outro lado, a sensação de anonimato que o rosto coberto provoca pode dar vazão a comportamentos reprováveis: em tempos pós-Covid, a torcedora gremista que escandiu na Arena em 2014 o grito “Ma-ca-co!” para o goleiro Aranha, do Santos, provavelmente teria a identidade preservada pela máscara.
Tudo isso são conjecturas. Certo mesmo é que, neste ano, o futebol brasileiro será retomado sem público, acredita Bolzan Júnior. “Será triste e desestimulante, porque a torcida é parte importante do jogo. Sem ela, os jogos serão treinos que irão valer alguma coisa”, compara.
O Grêmio tem muito a perder em campo com as arquibancadas da Arena vazias, mas a construtora OAS, que fica com toda a renda dos jogos por ser dona do estádio, também: nos três primeiros meses deste ano, a Arena gerou 5,2 milhões de reais em bilheteria, com um público médio de 18,8 mil pagantes (o oitavo maior do Brasil, segundo ranking do site globoesporte.com). Desde 2017 o clube negocia com a empreiteira a compra da Arena, mas as conversas esfriaram por causa da pandemia.
Bolzan Júnior acredita que, devido às restrições a viagens mais longas, devem ser revalorizados os campeonatos estaduais, cujo prestígio está em declínio desde o início dos anos 2000. No fim de junho, a Federação Gaúcha de Futebol apresentou ao governo do Rio Grande do Sul uma proposta de retorno do campeonato estadual, suspenso em 16 de março, quando faltavam três rodadas para o fim da fase classificatória do segundo turno – o primeiro foi vencido pelo Caxias. A proposta prevê jogos a partir de 19 de julho em estádios sem torcida e redução das delegações dos times de 70 para 31 profissionais, além do uso facultativo do vestiário pelas equipes, seja no intervalo da partida, seja após o jogo.
O Grêmio lidera o grupo B do Campeonato Gaúcho com 9 pontos e 100% de aproveitamento. Caso vença o segundo turno, o tricolor disputará a final contra o time de Caxias do Sul. No fim de junho, não havia data prevista para o retorno do Campeonato Brasileiro, da Copa do Brasil e da Taça Libertadores deste ano.
Tudo indica que os churrascos ao redor da Arena ficarão para um futuro distante. Como não terá acesso ao estádio nos próximos meses, Oliveira faz planos de assistir aos jogos do Grêmio pela tevê, em algum dos bares de Medianeira, bairro de Porto Alegre onde mora e que abriga o velho Olímpico, hoje com nítidos sinais de abandono. “O problema é o custo da cervejinha por aqui. Loucura.”