ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
As mulheres de Ciro
O ministro-chefe da Casa Civil e seu séquito feminino
Thais Bilenky | Edição 182, Novembro 2021
No início de outubro passado, Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil, estava imerso em um jogo político pesado em Brasília. Embora seja considerado um articulador dos mais hábeis, responsável por levar o Centrão ao coração do Palácio do Planalto, ele foi acusado por aliados radicais do presidente Jair Bolsonaro de trabalhar contra a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
“Ciro Nogueira gosta de viver nas sombras e não fala com a imprensa. Mas, quando fala, é réu confesso”, disse, em 13 de outubro, o pastor Silas Malafaia, um bolsonarista da gema. Foi um dia tenso. O presidente do PTB, Roberto Jefferson, que está preso acusado de atentar contra a democracia, também chamou o ministro de “príncipe das trevas” e afirmou que ele teria um “acordo sinistro” com o “senador de Satanás” Renan Calheiros (MDB-AL) para barrar a indicação de Mendonça. O ministro precisou negar publicamente a suposta conspiração.
No mesmo dia 13, enquanto seu pai era alvo de ataques no Brasil, a influencer Maria Eduarda Nogueira, 23 anos, filha caçula de Ciro, passeava em Londres, a nova parada de uma viagem de quinze dias que a levou a Marrakech, no Marrocos, e a Paris. A também influencer Elisa Zarzur Maluf, sua amiga, registrou numa foto o momento em que Maria Eduarda tomava seu brunch, usando uma blusa branca Dior, pulseiras Cartier, colar de diamante Riviera, relógio Audemars Piguet e óculos escuros pretos Prada.
Sua avó, Eliane Nogueira, se encantou com o visual. “Minha criança linda”, comentou, na rede social onde a neta publicou a foto. Mãe do ministro, Eliane assumiu em julho deste ano a vaga de senadora no lugar de Ciro, pelo PP do Piauí, quando ele deixou o cargo para integrar o governo. Eliane não tinha atuação pública até se eleger primeira suplente do filho na eleição de 2018. Dias antes de a neta postar a foto, ela também havia ido à Europa, em missão oficial à Itália para visitar o papa e se encontrar com parlamentares de outros países em uma reunião preparatória para a 26ª Conferência do Clima.
Eliane Nogueira é sócia de Ciro, junto com as duas filhas do ministro e a ex-mulher dele, a deputada federal Iracema Portella (PP-PI), em duas empresas: uma revendedora de motocicletas (cujo capital informado à Receita é de 20 milhões de reais) e uma companhia de empreendimentos imobiliários (capital de 500 mil reais). Em 2018, ano da última eleição, Ciro declarou à Justiça Eleitoral patrimônio de 23 milhões de reais em bens, entre eles um avião e três automóveis.
“Eu gosto de saber que tenho por perto mulheres que são fortes e decididas, que demonstram suas convicções com gentileza e sensibilidade. A presença delas é um apoio muito importante na minha vida”, comentou o ministro com a piauí. “As mulheres têm o dom de equilibrar qualquer ambiente, seja em casa ou em espaços políticos.”
A posse de Ciro Nogueira no Palácio do Planalto, em 4 de agosto passado, foi concorridíssima, com a presença de militares, como o general Augusto Heleno, radicais bolsonaristas, como a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), e numerosos representantes do Centrão, entre eles Valdemar Costa Neto, comandante do PL.
Com cabelos perfeitamente escovados, maquiagem reforçada, vestidos de festa, joias e saltos agulha, as mulheres de Ciro Nogueira fizeram seu contraponto na posse. Maria Eduarda posou no novo escritório do pai, com a vista do cair da tarde no Planalto Central. Na véspera, ela expusera a intimidade familiar aos seus 89 mil seguidores do Instagram. “Papiiiii, posso te pedir uma coisa?”, perguntou com voz fininha em uma troca de áudios publicada na rede. “Ô, meu amor do papai, lógico. Você sabe que o papai faz tudo o que você quer na vida”, respondeu o ministro.
Sua irmã mais velha, de 26 anos, tem o mesmo nome da avó, Eliane, e é médica. Perdida no palácio apinhado, no dia da posse, ela estava se dirigindo para o elevador de uso público quando foi avisada por um cerimonialista que sua saída era pelo elevador VIP. “Meu pai é muito carinhoso, a gente é muito próximo, amigo, parceiro”, disse Eliane à piauí. “A gente fala assim, com muito carinho mesmo.” Ao perceber que estava sem a máscara, ela disse “opa” e recolocou o equipamento, que era de tricô.
Depois se derramou em elogios à avó, que acabara de se tornar senadora. “A gente sempre ia junto para Fortaleza, ela levava todos os netos ao Beach Park, ao shopping, à praia. Tenho certeza de que vai fazer um trabalho surreal no Senado”, afiançou, soltando um sorriso. E foi embora – pela saída VIP.
“Os melhores momentos da vida não têm nada a ver com dinheiro”, postou Iracema Portella no Instagram, naquele 13 de outubro em que Ciro Nogueira estava sob ataque. Ela foi casada por quase 25 anos com o ministro, é mãe de suas duas filhas e a aliada política de maior confiança. Aos 55 anos, está em seu terceiro mandato na Câmara. É conhecida por ser festeira e bem relacionada. Já chegou a ser comparada a Carmen Mayrink Veiga, a famosa socialite carioca. No Piauí, é a “rainha das colunas sociais”, segundo o titular de uma delas, que falou à reportagem sob condição de anonimato, como outros jornalistas e políticos, que preferem evitar confrontos com o casal poderoso de seu estado.
Iracema Portella é herdeira de uma influente família de políticos do Piauí. Seu pai, Lucídio Portella, foi senador e governador do estado durante a ditadura militar, pela Arena, partido de sustentação do regime. Petrônio Portella, seu tio, comandou o Ministério da Justiça no governo João Baptista Figueiredo, o último presidente militar. Sua mãe, Myriam Portella, foi a primeira mulher do estado a assumir um assento na Câmara, na Assembleia Constituinte de 1988. Seu primeiro marido, Guilherme Cavalcanti de Melo, com quem teve uma filha, Cynthia. Governou o Piauí entre 1994 e 1995. Melo morreu neste ano.
Como deputada, Iracema Portella é discreta. Nunca assumiu cargos de direção na Câmara, relatorias ou lideranças. É vista por seus pares como “o voto de Ciro” na Casa (enquanto a mãe, Eliane, é o voto do filho no Senado). Foi o que aconteceu quando Iracema votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff. “Todos os deputados federais que votaram a favor do impeachment, os homens, não sofreram nenhuma represália no estado”, disse ela, alguns anos depois do episódio. “Mas eu, por ser mulher, fui chamada de golpista, traidora, por diversas vezes fui vaiada. Eu acredito que tenha sido uma forma de preconceito.”
O machismo que predomina no Congresso não lhe é estranho. “A mulher normalmente leva cantada, não tem como fugir disso”, admitiu. “É uma abordagem sutil, mas não deixa de ser um assediozinho. É cultural. Triste que isso aconteça.”
Ciro e Iracema anunciaram a separação em 2019, mas pouca coisa mudou aos olhos do público. Eles continuam viajando juntos para o interior do Piauí, nas campanhas políticas. Chegaram a dormir no mesmo quarto em um município onde não havia hotel e tiveram que se hospedar na casa do prefeito. Nenhum dos dois assumiu outros relacionamentos. O casamento deles transcende as quatro paredes – é central na política piauiense.
A casa onde vivia a família, no tradicional bairro de Santa Isabel, em Teresina, deixou de ser um lar para se tornar um gabinete político. O terreno ocupa mais de um quarteirão, com extensa área de vegetação nativa, três casas, escritórios das empresas da família e até um posto de gasolina. Na sala da mansão, as mesas laterais de madeira burilada apoiam diversos porta-retratos da família. É lá que Ciro e Iracema recebem regularmente prefeitos, vereadores, deputados e lideranças do Piauí, que se ofendem se não tiverem depois seus retratos publicados nas redes sociais dos anfitriões.
Ciro Nogueira, que faz 53 anos neste mês de novembro, é filho de um ex-deputado de mesmo nome e com certa projeção na política do Piauí. O seu casamento com Iracema em 1993 o alçou ao primeiro escalão político-social de Teresina. Trinta anos depois, os papéis mudaram. A chegada do PP e do PL ao Palácio do Planalto fez de Ciro o homem forte de Brasília – e o Piauí, nas palavras de uma jornalista local, ficou pequeno demais para ele.
Mudaram os planos, aventados desde 2020, que ele tinha de se candidatar ao governo do estado no ano que vem. Trocar a Casa Civil e o destaque nacional por uma eleição não garantida ficou menos interessante, com o custo extra de ver as denúncias de corrupção a que ele responde voltarem às manchetes.
As circunstâncias fizeram com que Ciro estudasse a possibilidade de lançar sua ex-mulher ao governo do estado em seu lugar. “Ciro sair candidato seria arriscado. Ele pode lançar a Iracema para demarcar território, ter palanque, eleger deputados federais e estaduais sem botar seu cargo a perder”, disse o cientista político Vítor Sandes, professor da Universidade Federal do Piauí. Se eleita, ela seria a primeira mulher a governar o Piauí.
Iracema Portella tem percorrido o interior para testar as águas. Nessas horas, ela deixa o glamour de lado e não pensa duas vezes ao mordiscar um milho assado que lhe dão na estrada ou o cachorro-quente que oferecem nas lanchonetes populares.