ILUSTRAÇÃO_ANDRÉS SANDOVAL_2018
Átila, o Nunes
O decano da Assembleia fluminense
Luiza Miguez | Edição 144, Setembro 2018
No século V, Átila, o Huno, comandou um império na Europa Central por dezenove anos. Átila Nunes Filho ganha de longe do temido xará no quesito longevidade: é deputado há 48 anos. Ganhou sua primeira eleição em 1970, ano em que o país foi tricampeão mundial de futebol, os Beatles anunciaram o fim da banda e Salvador Allende foi eleito presidente do Chile. Quem governava o Brasil era o general Emílio Garrastazu Médici, e Nunes se tornava deputado estadual pela Guanabara, filiado ao MDB, criado quatro anos antes. O estado da Guanabara foi extinto em 1975, mas o deputado continua trabalhando no Palácio Tiradentes, agora representando o Rio de Janeiro. Em outubro, concorre ao décimo terceiro mandato consecutivo. Se ganhar, será o parlamentar mais longevo da história do Brasil, passando à frente de Manuel Cavalcanti Novaes, da Bahia, que exerceu doze mandatos no Congresso Nacional até 1987.
Aos 69 anos, Nunes ostenta um vasto bigode preto e uma cabeleira acaju sem nenhum fio branco. Numa tarde recente, recostado na mobília septuagenária da Biblioteca da Assembleia Legislativa, o deputado evocou os governadores que passaram pelo Palácio Guanabara ao longo de suas quase cinco décadas de mandato. “Teve o Faria Lima, o Raimundo Padilha, o Chagas Freitas (fez dois bons governos), aí veio o Brizola”, enumerou. “Moreira Franco, Marcello Alencar, Sérgio Cabral, Pezão, e é isso”, concluiu, esquecendo-se de Jeremias Fontes, da família Garotinho, de Nilo Batista e Benedita da Silva, vice-governadores que acabaram por assumir o cargo. “Estou perdendo a noção”, admitiu.
Naquela tarde, Nunes comemorava a aprovação no plenário de um projeto de lei que obriga os prédios públicos fluminenses a desinfetar periodicamente suas caixas d’água. Já são quase noventa as leis de sua autoria que entraram em vigor. É de sua lavra o projeto que criou a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, e é por obra dele que o estado do Rio hoje celebra os dias de Xangô, Iansã, Oxalá e dos pretos velhos. Espírita, o deputado é próximo da umbanda e do candomblé, religiões que misturam matrizes africanas e catolicismo.
Nunes tinha 21 anos e cursava o terceiro ano de engenharia quando se elegeu pela primeira vez. É herdeiro político do pai, Átila Nunes, deputado estadual por dois mandatos, morto em 1968. “Era um ícone da família espírita”, disse o filho. “Os eleitores tinham uma gratidão imensa porque ele atuou para acabar com a perseguição da polícia aos terreiros.” O filho herdou o eleitorado do pai e chegou a 102 mil votos em 1978; em 2014, foi eleito com mais de 25 mil votos. Legou o nome do patriarca – que é também o dele próprio – aos dois herdeiros: Átila Nunes Neto, já falecido, e Átila Alexandre Nunes Pereira, vereador do Rio de Janeiro pelo MDB.
O deputado costuma despertar pouco antes das cinco da manhã, e às seis já está com a leitura dos jornais em dia. Segue para o computador, onde passa a manhã administrando suas contas nas redes sociais. “Depois de ler os jornais estou pronto para responder sobre qualquer coisa.” Sua plataforma preferida é o Facebook, onde não deixa nenhum seguidor sem resposta. Numa postagem de agosto sobre uma denúncia de estupro, reagiu aos quase cem comentários, um a um. Concordou com um seguidor que chamara o acusado de “monstro do capeta”. “Não se pode dar uma outra designação a um indivíduo desses”, escreveu.
Nunes mora na Barra da Tijuca e vai para a Assembleia no fim da manhã. Mas nem todo dia: o emedebista é o quinto deputado mais faltoso na lista de presença do plenário, com 34 ausências do início do mandato até abril deste ano. Ele alega que participou da maioria das sessões e esqueceu de registrar sua presença no sistema de ponto biométrico. “Mania de decano”, justificou.
Indagado sobre suas principais bandeiras, o deputado defendeu uma reforma trabalhista mais rígida (“Essa que fizeram foi só perfumaria”), a redução do “excesso de estatais” e mais austeridade nos gastos do Estado. Quanto à crise fiscal que quebrou o estado do Rio, governado por seu partido desde 2003, o deputado a justifica dizendo que a Constituição de 1988 engessou o orçamento do governo. “Já temos o problema dramático de segurança, se você juntar saúde e educação, não sobra dinheiro para mais nada.”
Apesar da inclinação para as pautas federais, o político fluminense jamais cogitou se lançar a uma vaga no Congresso Nacional. “Sou apaixonado pelo Rio e nunca trocaria a cidade por Brasília”, afirmou. Tampouco manifesta incômodo com as denúncias de corrupção que atingem o MDB do Rio, que o Ministério Público Federal caracterizou como uma “poderosa organização criminosa”. Caciques graúdos como Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral estão presos; o ex-presidente da Assembleia, Jorge Picciani, cumpre prisão domiciliar. Apesar das denúncias, Nunes nunca deixou de apoiar Picciani e lembra com tristeza o dia da prisão dele e de outros dois deputados acusados de envolvimento num esquema de troca de votos para favorecer empresas de ônibus e empreiteiras. “Foi dos dias mais dramáticos que vivi como deputado”, afirmou, desgostoso.
Em sua décima terceira campanha para a Assembleia, ele não quer saber de corpo a corpo e vai apostar todas as fichas nas redes sociais. “O Face” – ele fala palavras em inglês sem aportuguesar a pronúncia – “é uma terra de ninguém e de todo mundo”, afirmou. “Um comício digital.” O deputado avalia que o tempo mais curto de campanha desta eleição vai beneficiá-lo. “A etapa de me fazer conhecido já está resolvida.” Sua meta é conquistar cerca de 40 mil votos.
Nunes não teme que o próximo pleito seja marcado por uma rejeição à velha política, e tampouco se identifica como um representante dela. “Sou veterano, mas sempre me oxigeno.” No dia em que o deputado recebeu a piauí, dezenas de mulheres lotavam a escadaria da Assembleia num protesto pela legalização do aborto. Moças carregando cartazes passaram por ele, que suspirou: “Tenho muita fé nos jovens.”