ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2012
Barbados, uni-vos!
Os mais viçosos pelos faciais se reúnem em Las Vegas
Carol Pires | Edição 75, Dezembro 2012
O fotógrafo americano Jeffrey Moustache, de 26 anos, não faz a barba desde julho de 2011. Uma vez por semana, ele a trata com um hidratante especial para crina de cavalo, rico em proteína. Graças à receita, foi acumulando um bloco espesso e frondoso de pelos faciais ruivos, aparentemente intransponíveis por um pente. Medida do lábio inferior até a extremidade, sua barba tem 15,2 centímetros de comprimento.
Num fim de semana recente, Moustache a preparou com esmero. Caprichou no bigode arredondado nas pontas, na circunferência exata dos seus óculos de sol espelhados. Optou por um figurino requintado: calça, colete, cartola e bengala – tudo listrado em preto e branco e costurado por ele mesmo. O traje de gala era para não fazer feio na terceira edição do Campeonato Nacional de Barba e Bigode, realizado em novembro num hotel em Las Vegas.
Jeffrey não nasceu com o sobrenome Moustache, “bigode” em inglês. Trocou seu nome em cartório para honrar a bela pelagem que acumulou sob o nariz durante um ano. Para isso, renunciou ao sobrenome Beard, que significa “barba”. Na edição anterior do campeonato, Moustache concorreu na categoria “bigode inglês” – “delgado, com os pelos extremamente longos e puxados para o lado”, segundo o regulamento. O seu era reto como uma régua e, com 58 centímetros de uma ponta à outra, ia quase de ombro a ombro. Numa decisão controversa do júri, o fotógrafo ficou em segundo lugar – o prêmio foi dado a um bigode que mal alcançaria as abas de sua cartola.
A ideia de promover o concurso veio de Phil Olsen, um senhor de olhos pequenos e sobrancelhas suaves. É capitão autoproclamado do Beard Team USA, agremiação em defesa dos adornos faciais que coordena o torneio há três anos. Olsen se inspirou num evento que viu na Suécia. Na Europa, competições do tipo acontecem pelo menos desde os anos 90, quando a primeira edição oficial foi organizada pelo clube de barbados de Höfen, na Alemanha.
Olsen é ele próprio dono de uma espessa barba acaju, que em doze anos de livre crescimento nunca ultrapassou a altura do peitoral. Cultivá-la é uma questão de princípios. “A pergunta não é por que eu deixo crescer a barba, já que ela cresce naturalmente. A pergunta é por que os homens se barbeiam”, argumentou. “Para mim, é porque querem se parecer com mulheres. Mas não julgo.”
A competição deste ano reuniu 340 concorrentes de 44 estados americanos e de outros seis países – todos pagaram do próprio bolso hotel, passagem e os 40 dólares da inscrição. Pareciam mais interessados em se divertir do que em ganhar medalhas. Muitos estavam fantasiados: por um fim de semana, o hotel que sediou o evento foi povoado por caubóis, samurais, pistoleiros, aviadores, guerrilheiros e homens da caverna.
Entre os concorrentes estava o veterano John Burgess, dono de uma barba branca escorrida que cai como uma cachoeira de seu rosto até a cintura. Atual detentor do título na categoria “barba cheia natural” – a prova mais nobre da competição –, ele não parecia muito confiante no bicampeonato. Disse que sentia o peso da idade e que, à medida que caminhava rumo aos 60, a barba vinha diminuindo, “como tudo no meu corpo”. Burgess cultiva o adorno há 28 anos, desde que saiu do Exército, onde tinha de se barbear duas vezes ao dia. É casado há dezoito com uma mulher da ilha de Guam que nunca cortou o cabelo na vida (vai até o chão). “Já tivemos alguns problemas com isso”, admitiu. “Veja que a maioria aqui não deixa a barba passar da cintura, porque se for maior atrapalha o sexo.”
A julgar pelo folclore, o simples fato de ter barba já atrapalharia. “Ouvi no rádio que 75% das mulheres não sairiam com homens que têm pelos faciais”, contou o italiano Kevin Riordan, operador de equipamentos pesados de construção. Na competição, ostentava um cavanhaque de 1,22 metro cultivado obsessivamente há onze de seus 31 anos. Para domá-lo, ele amarra o tufo de pelos com pequenos elásticos espaçados a cada centímetro. Riordan admitiu que, ao menos em Las Vegas, onde mora, a estatística ouvida no rádio tem fundamento. Para ele, porém, a restrição funciona como um filtro de qualidade. “Meus pelos faciais me fazem o favor de não perder tempo em encontros com mulheres fúteis.”
Na manhã da competição, barbados e bigodudos se reuniram para serem classificados pelo júri numa das dezoito categorias de disputa. Quem cultiva a barba sem bigode concorre no estilo “Amish”, à moda dos religiosos tradicionalistas americanos. Os donos de bigodes pontudos com extremidades que descem além do queixo competem no quesito “Fu Manchu”, em homenagem ao vilão chinês da ficção. Dom Pedro I, se participasse da contenda, seria candidato fortíssimo ao título na categoria suíças.
Desta vez, Jeffrey Moustache concorreu no estilo “Verdi”, imortalizado pelo compositor italiano do século XIX. As barbas dessa categoria são redondas e curtas, com comprimento de até 10 centímetros e bigode estilizado. O fotógrafo competiu com cerca de quarenta barbudos (nas outras categorias, havia por volta de dez competidores em média). Todos tinham o direito de fazer um pequeno desfile para a plateia – foi a deixa para uma sucessão de bundas de fora, foguetes de papel picado, danças, gritos, piruetas e tombos. Muitos preferiram aparecer com metralhadoras falsas e simular um massacre na audiência.
Moustache fingiu ser manco para conferir verossimilhança ao figurino com bengala e cartola. O estilo parece ter comovido o júri e ele levou a medalha de ouro, para reparar a injustiça do ano anterior. Inquieto, tem uma ambição ainda mais alta para o ano que vem. Pretende destronar Burke Kenny, campeão absoluto na categoria “barba natural com bigode estilizado”. Para isso, o fotógrafo espera que a sua cresça mais 15 centímetros durante o ano. Depois, pretende usar o prêmio dos patrocinadores do evento – um barbeador elétrico – para afeitar-se. Mas sem muito radicalismo: o bigode que o batiza será poupado.