IMAGEM: ANDRÉS SANDOVAL
Bom dia, combatente!
A arroba verde-oliva
Tiago Coelho | Edição 134, Novembro 2017
O jovem que se identifica nas redes sociais como @LivzPerdido tinha o plano perfeito para não ser recrutado para os quadros do Exército Brasileiro. Seu descuido foi revelar a estratégia a seus seguidores na véspera de se alistar. “Já sei as manhas, meus amigos”, vangloriou-se no Twitter numa noite de 2015. “Vou falar que uso drogas pra caralho, porque eles dispensam usuários.”
O garoto só não imaginava que seu estratagema seria rastreado pelo Exército – não pelo serviço de inteligência, mas pelo departamento de mídias sociais. À frente de seu computador na manhã seguinte, o tenente-coronel Paulo de Souza, responsável pelo setor, interceptou a mensagem do jovem insurgente graças ao mecanismo de busca da rede social. No comando da conta @exercitooficial, ele disparou a resposta bem-humorada às 10h17: “Caro @LivzPerdido, o uso de drogas é prejudicial à saúde e faltar à verdade não é uma atitude correta.”
Souza é um cearense magro de 45 anos e cabelos grisalhos. Em 2013 passou a cuidar das contas do Exército nas redes sociais, tema que estudou numa pós-graduação. Fazia tempo que o oficial vinha pensando numa estratégia para aumentar o alcance do perfil do Exército no Twitter. Desde que assumira o posto, tinha conseguido turbinar o número de acessos e seguidores de redes como YouTube, Facebook e Instagram, mas os resultados na rede dos 140 caracteres estavam aquém do desejado.
“Você precisa criar um jeito muito próprio para falar com os tuiteiros”, disse Souza quando recebeu a piauí em outubro no Quartel-General do Exército, em Brasília. “No Facebook você posta um conteúdo e o público logo aparece; no Twitter, tem que ir atrás dos usuários e estimulá-los a interagir.”
O pito que Souza deu no tuiteiro em nome do Exército marcou um ponto de inflexão na presença da instituição naquela rede social. Até então, seu perfil tinha cerca de 50 mil seguidores e cada postagem – cerca de dez por dia – recebia algumas dezenas de curtidas e pouquíssimos compartilhamentos. Já a resposta a @LivzPerdido foi um tiro certeiro: a mensagem foi replicada mais de 3,2 mil vezes e curtida por mais de 1,5 mil usuários. Desde então, o número de seguidores do perfil mais que triplicou, beirando hoje os 170 mil. Souza parecia ter achado o jeito de falar com seu público no Twitter: era preciso utilizar o tom irônico e informal característico da rede.
O setor de mídias sociais comandado pelo tenente-coronel Souza fica dentro do Centro de Comunicação Social do Exército, numa sala ampla com paredes de vidro. Sua equipe inclui mais três pessoas – dois militares e uma civil. Única do grupo a vestir trajes comuns, ela é responsável pelo atendimento ao usuário e por dar um toque à equipe quando eles exageram no jargão militar em suas postagens. O grupo compartilha notícias ligadas ao Exército e responde às dúvidas dos usuários, na maior parte referentes ao ingresso na instituição.
Souza tem voz grave e eloquente e um sorriso fácil, destoando do estereótipo do militar carrancudo. Ele disse que, diferentemente do que muitos supõem, o clima entre os oficiais no quartel é bastante espirituoso. “Somos brasileiros e temos um ambiente de humor aqui também”, disse. “Por que não levar isso para o Twitter?”
O militar decidiu que o perfil @exercitooficial aboliria formalismos e passaria a usar a primeira pessoa para interagir com os tuiteiros. Com a anuência de seu superior, o general Rêgo Barros, um tom coloquial – para não dizer gaiato – passou a ditar a interação do Exército com os usuários da plataforma.
Algumas trocas de mensagens viralizaram, como a resposta que Souza deu ao usuário @MarcosMuller__. “Amanhã vou ver se aquele site de merda do exército tá funcionando, quero me alistar logo”, escreveu o rapaz no início do ano. O @exercitooficial respondeu: “O site do alistamento está funcionando e apesar do xingamento estamos aguardando sua inscrição.” Os tuiteiros se divertiram: “Já vai capinar uns lotes só por causa desse tweet”, replicou uma usuária. Só naquela semana, o perfil pilotado por Souza amealhou 10 mil novos seguidores.
O tenente-coronel Souza carrega consigo uma pasta preta onde estão compiladas versões impressas das interações do Exército com os usuários do Twitter que mais fizeram sucesso na internet. Dentre elas, está a resposta que o militar cearense deu ao tuiteiro @omarcbrasil. “Indo dormir na esperança de que o meteoro caia amanhã e eu não precise ir me apresentar ao exército”, escreveu o rapaz atormentado numa noite de agosto. Acordou com a resposta do @exercitooficial na manhã seguinte: “Bom dia combatente.” Possivelmente envergonhado após as centenas de compartilhamentos que a resposta recebeu, o jovem apagou sua postagem original.
Souza também se orgulha da reação a outro tuiteiro que não queria se alistar. “Tive que acordar cedo nesse frio só pra ir na merda do alistamento do Exército”, escreveu em julho o usuário @leo_danzieri, que completou a mensagem com a abreviação singela de um palavrão cabeludo, “VTNC”. Horas depois, recebeu a resposta com uma sigla parecida: “Se for selecionado, vc poderá ter a oportunidade de superar tanto o frio como a fome”, escreveu o cearense em nome do Exército. “E quem sabe ainda se deslocar em VBTP”, completou, referindo-se ao veículo blindado de transporte de pessoal.
A equipe de Souza está acostumada a lidar com usuários mal-humorados, e não é incomum que descambem para xingamentos. O militar cearense tenta reagir com bom humor sempre que cabível, mas ressalta que o Exército não é tolerante com os desbocados. Que o diga o filósofo Olavo de Carvalho, ideólogo da nova direita brasileira. Em novembro de 2015, Carvalho xingou Eduardo Villas Bôas – comandante do Exército Brasileiro, ele próprio um tuiteiro com mais de 30 mil seguidores – de “cego e burro”, dentre outras ofensas. O filósofo está bloqueado desde então do Facebook do Exército.