ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2008
Botas de Papai Noel em tricô
Uma esquina sonífera
Vanessa Barbara | Edição 27, Dezembro 2008
Duas semanas após o Grande Prêmio de Interlagos, é dada a largada: “Vamos começar: são treze pontos na agulha com a cor preta”, e treze senhorinhas passam a tricotar freneticamente. Não se trata de nenhuma competição, mas do curso “Botas de Papai Noel em tricô: como lavar e passar”, ministrado por Maria Julia Rivelli no espaço Viver Casa & Gourmet, na Vila Mariana, em São Paulo.
De acordo com a descrição do site, o recinto é um “lugar capaz de receber públicos variados de forma dinâmica e harmoniosa”. Localizado próximo à estação Paraíso do metrô, o Viver Casa & Gourmet promove cursos e palestras gratuitas sobre saúde, beleza, casamento e prendas domésticas, como o “Noite mágica: harmonize ainda mais a noite de Natal com ajuda da numerologia”. Outros workshops estão voltados à gastronomia, entre eles, “Maravilhas com alcachofras”, “Bombas e carolinas” e “Finger food: gostosuras de verão”. A grande maioria do público é composta de donas-de-casa de meia-idade com tempo livre à tarde. Numa terça-feira de novembro, elas compareceram ao local para tricotar as botinhas que, prontas, seriam penduradas junto à lareira ou à arvore de Natal.
As alunas, quase todas de cabelo curto e óculos bifocais, formavam uma confraria que falava baixinho. Elas enrolaram as linhas em torno do pescoço e começaram a contar laçadas e meias, seguindo a receita da professora para confeccionar pequenas botas natalinas. A mais rápida era Acácia Mayeji, descendente de japoneses, que terminou sua botinha antes do cronômetro marcar uma hora de aula. O sapato, que serve para armazenar balinhas, foi feito de linha sintética preta de algodão e acrílico, com uma bainha de linha vermelha esfiapada, “bem natalina”, segundo a professora.
No total, a sessão de tricô se arrastou por uma hora e meia. A terminologia parecia complexa: “O primeiro é em meia, daí tem um aumento e mais cinco pontos em meia”, orientava a professora. Após desistirem de acompanhar as mais velozes, as novatas passaram a conversar sobre lavagem de roupas e decoração de mesas para o Natal, manifestando o interesse de participar do curso de arranjos florais. “Se quiserem terminar e fazer o cano mais curto, aí vai da criatividade de vocês”, avisou a professora, já na reta final. “Quem tem ponto mais largo pode escolher outra agulha de número menor, pois essa é a seis”, sugeriu.
Segundo a pacienciosa docente, o tricô só requer dois tipos de pontos: o meia e o tricô. Com a dupla, é possível fazer todas as variações de desenhos, com aumentos, diminuições e laçadas. Pairando no Olimpo dos velozes, Acácia Mayeji não precisava dessas lições, já que é exímia no tricô “desde menina”. Ela manejava a agulha com tanta habilidade que quase não dava para acompanhar.
Depois de hora e meia de tricô intenso, três alunas terminaram seus sapatinhos, explicando que eles seriam posteriormente costurados nas laterais, para virarem botinhas tridimensionais, e não apenas retalhos disformes de tricô. De lavar e passar, o curso não teve nada. Animadas, algumas senhoras manifestaram autêntico interesse pela próxima aula, que versaria sobre pães. “Se for com o Caputo, será divina”, afirmaram, a respeito do homem que, aparentemente, conhece tudo sobre broas. Certas senhorinhas suspiraram. Outras continuaram fazendo tricô como se não houvesse amanhã.