Branqueou…
Autocrítica substitui o falatório em campanha de Curitiba
Bruno Moreschi | Edição 25, Outubro 2008
Enquanto não chegava a vez de discursar no primeiro debate eleitoral para a prefeitura de Curitiba, transmitido pela afiliada local da Rede Bandeirantes, as mãos do candidato Lauro Rodrigues produziram palmas de suor na bancada cinza. Era o prenúncio de confusão mental e seguidos gaguejos. Logo na primeira resposta, o político, representante do pequeno Partido Trabalhista do Brasil, fitou a câmera mordaz e inaugurou com sofrimento a autocrítica na política brasileira. “Fugiu, desculpe. Ih, corta. Estou muito nervoso. Peço desculpa ao meu amigo telespectador… É a primeira vez que me candidato…”
A cena que se segue é desoladora. Rodrigues fecha os olhos, pressiona os lábios, continua aos trancos e barrancos até que desabafa em uma análise dolorosa, mas cheia de humanidade: “Branqueou agora…” Pelas regras do debate, transmitido ao vivo em 31 de julho, ainda lhe restavam vinte longos segundos. Ele negou a fartura com as mãos.
Após sete brancos em momentos diferentes, Rodrigues conseguiu finalmente expor a essência de sua campanha: “É fato que eu não sou um homem de discursos. E não vou construir minha carreira política baseada em discursos. Minha carreira política vai ser construída com a verdade.” Como era de se esperar, os trechos trôpegos viraram atração no YouTube, ultrapassando a marca de 350 mil visitantes. Um número que cresce a cada dia e compensa a falta de site da humilde candidatura.
Devido a um trauma aos 10 anos, quando enrijeceu e emudeceu ao tentar cantar no palco da escola, Laurinho, e depois o jovem Rodrigues, evitou apresentações em público. Por infortúnio, aos 40 anos voltou a se enamorar com a visibilidade, quando a direção nacional do PT do B exigiu que os diretórios estaduais definissem candidaturas próprias para as eleições atuais. A intenção era fortalecer os candidatos a vereador.
Entre os 32 afiliados curitibanos mais atuantes do partido, Rodrigues era líder nato. Durante 16 anos, ocupara o cargo de chefe de gabinete do presidente da Câmara; depois, teve uma experiência de seis meses na prefeitura como coordenador dos partidos menores. Familiares e amigos o consideram um sujeito bom, mas que pensa mais rápido do que consegue se expressar. E tímido. Muito tímido.
No dia seguinte ao debate, ainda encolhido, Rodrigues tentou recusar a rotina matinal de comprar pão fresco na Panificadora Schilipak, próxima de sua casa. A mulher, Danielle, insistiu e ele cedeu. Quando pediu “três cacetinhos” à atendente Célia, que, risonha, obviamente o reconheceu, o político quase se desfez em lágrimas. Mal sabia que a moça nutria admiração pela sua pessoa. “Gostei da sinceridade do Rodrigues, dessa coisa de errar e assumir o erro sem parecer um político malandrão.” O que parecia um valioso apoio acabou soando como alarme falso. “Pena que não voto em Curitiba.”
No comitê eleitoral, não só os voluntários da campanha, mas amigos não vistos há anos estavam ali reunidos para prestar solidariedade. Atílio Sampaio, que o conheceu em tempos de faculdade, obrigou-o a prometer em voz alta que não desistiria. Intimidado, ele prometeu.
A campanha de Rodrigues continua miúda, com menos de 1% nas pesquisas, a menor marca entre os oito candidatos à prefeitura de Curitiba. Suas despesas são tão irrisórias que ainda não entregou a prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral. Em breve, porém, contabilizará 500 reais, fruto da produção do seu programa de 1 minuto e 17 segundos, além das chamadas publicitárias de 38 segundos diante de um fundo marrom insosso. Para fazer jus aos brancos do debate, optou pelo slogan “Mais trabalho, menos conversa”.
De santinhos, possui apenas um único, plastificado, que entrega nas mãos dos eleitores, para logo depois pedir de volta. Ali está o seu nome e o numero 70. Os gastos com as garrafas de água mineral com gás, sua preferência em detrimento a qualquer tipo de bebida alcoólica, saem do próprio bolso. O livro que lê enquanto aguarda ser recebido por alguma autoridade é Jamais Ceder!, reunião dos melhores discursos do ex-primeiro-ministro Winston Churchill. “Político admirável, mas ainda da velha guarda falastrona”, admite este candidato que não teme assumir o estoicismo como marca eleitoral.
Em 28 de agosto, Rodrigues participou de outro debate no mesmo estúdio da Bandeirantes. Gaguejou bastante, mas o branco lhe apareceu apenas uma vez. Com isso, conseguiu explicar sua única promessa de campanha: o Cartão Verde. A invenção, que ainda existe só na cabeça do candidato, é uma tarjeta multiuso que permitirá ao cidadão andar de ônibus, localizar a escola ou o hospital mais próximo, acompanhar os gastos públicos em tempo real, dentre tantas opções que se convergem. “Isso é pura informática, meu caro”, responde para aqueles que não acreditam na viabilidade do projeto.
Apesar de se levantar todos os dias às sete da manhã para fazer campanha, Rodrigues pressente que a vitória não lhe sorrirá. Não faz tanta questão mesmo. Quando a oportunidade lhe surge para criticar um adversário, ele se rasga em elogios. Para ele, Gleisi Hoffmann, segundo lugar na pesquisa Datafolha do dia 18 de setembro, com 15%, é “batalhadora, apesar de estar num partido ainda de esquerda chamado PT”. Fábio Camargo, do PTB, com 1%, é “um baita cara bacana” e Ricardo Gomyde, do PC do B, com o mesmo percentual, é “tão nanico quanto eu, companheiro de desafios eleitorais”. O candidato é polido até na hora de criticar a situação, que, em tese, ele deveria contestar. O atual prefeito, Beto Richa, do PSDB, favorito à reeleição com mais de 70%, constitui, para ele, uma unanimidade: “Com tamanha aprovação, não pode ser criticado.” Na pesquisa, realizada com 816 eleitores, seu nome nem sequer foi citado.
Rodrigues garante que essa é sua primeira e última candidatura a um cargo público. Uma lástima, já que se desconhece outro entre os 364 096 candidatos brasileiros com tamanha autocrítica. Ele, no entanto, parece consternado: “É bom que eu não ganhe, pois…”, suspense, “… não quero me preocupar com o discurso de posse.”