Bronca para todo lado
| Edição 85, Outubro 2013
ECOTERRORISTAS!
Após recolher a revista e vislumbrar na capa a reportagem “Clima malparado” (piauí_84, setembro), prenunciando uma atitude desleixada dos governos no que concerne à hipótese do aquecimento global antropogênico, acesso o Daily Mail britânico e leio reportagem do dia 7 de setembro na qual se afirma a existência de um resfriamento global, incluindo fotos da expansão de 60% do gelo. Decido ler de imediato a reportagem da piauí e me admiro com a parcialidade com que foi escrita. A despeito de dar voz ao outro lado, faz questão de afirmar pejorativamente a existência de pessoas com “interesses” na tese cética, omitindo descaradamente que não são somente santos que têm “interesses” na tese do aquecimento. Seja lá o que andou mudando aí na piauí, urge que se retorne ao status quo ante, pois as últimas edições vêm demonstrando um claro alinhamento ao esquerdismo e ao ecoterrorismo.
LUCAS LEITE ALVES_SÃO PAULO/SP
A questão climática sempre gerou controvérsia entre as duas principais correntes. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas responsabiliza as atividades humanas pelo denominado aquecimento global, conforme relatórios periódicos que monitoram o clima em diversos pontos do planeta. Os céticos, aqueles que desprezam essa conclusão, alegam que o planeta está sujeito a abalos e cataclismos naturais desde a sua formação, independentemente da ação humana.
No artigo “Clima malparado”, o jornalista Bernardo Esteves expõe com propriedade os pontos de vista de ambas as partes e, no que se refere ao nosso país, cita as recentes reflexões do economista André Lara Resende, reunidas no volume Os Limites do Possível. Lara Resende não se envolve na polêmica e prefere encarar os males provocados pelas sociedades de consumo, que precisariam alterar padrões de comportamento, sob risco de esgotar seus recursos vitais. É um problema que envolve todas as pessoas, independentemente da posição individual com relação ao tema.
DIRCEU LUIZ NATAL_RIO DE JANEIRO/RJ
É notório que a ciência progride graças a dúvidas e questionamentos. Conformismo, “padronização”, consenso “politicamente correto” só atrapalham. Censurar o pensamento divergente (no caso, negacionistas e céticos do aquecimento global) ofende a ciência e a razão. Tiro da geladeira um copo cheio de gelo. O gelo derrete, mas nem uma gota d’água transborda. Pelo contrário, constata-se que o volume da água resulta menor do que o volume do gelo. Então, alguém pode explicar por que o derretimento das geleiras polares deveria causar aumento do nível dos oceanos?
GIANFRANCO BELLINZONA_RIO DE JANEIRO/RJ
NOTA DA REDAÇÃO: A reportagem em nenhum momento trata do derretimento das calotas polares. É o gelo que está em terra firme (como o manto que cobre a Groenlândia, por exemplo) que pode aumentar o nível do mar, caso derreta. Pegue o copo cheio de seu exemplo e segure sobre ele uma pedra de gelo. Quando o gelo derreter, o nível de água do copo terá subido, quem sabe até molhando os seus dedinhos do pé, o que, convenhamos, é muito aborrecido.
NEOLIBERAIS!
A propósito do artigo “Urbanista acidental” (piauí_84, setembro), sinto-me na obrigação de dissipar quaisquer ilusões ensejadas pela falta de senso crítico do autor. Políticas públicas privatistas, como a PPP discutida na reportagem, não evitam os problemas que supostamente pretendem resolver. Ao contrário, os reproduzem. No caso em questão, o capital imobiliário é o grande beneficiário, e não a população de baixa renda carente de moradia.
A pretexto de incorporar o know how privado e diminuir os custos públicos, as PPPs terceirizam uma função que deveria ser pública, garantir direitos (no caso, à moradia). Com as garantias do Estado, torna-se viável – e por viável entenda-se lucrativo – investir em projetos voltados para camadas sociais mais baixas, em geral excluídas desse mercado. O Estado diminui em curto prazo o déficit habitacional sem atacar as raízes do problema. O artigo de Rafael Cariello, que parece acreditar na capacidade inovadora de uma mente brilhante para resolver um problema social complexo, reforça essa concepção privatista e neoliberal. Afinal de contas, Philip Yang não se tornou urbanista tão acidentalmente assim: como bom capitalista que é, ele farejou um grande negócio no setor imobiliário, atualmente um dos mais rentáveis da economia brasileira. Espero que fique como aprendizado para os editores da piauí: da próxima vez que forem tratar do déficit habitacional em São Paulo, deem voz aos movimentos populares em vez de elogiar o empreendedorismo do empresariado.
JOÃO GABRIEL VIEIRA BORDIN_PIRACICABA/SP
ESPIONAGEM
Os Anais da espionagem I e II (“Mande sua chave” e “O recado de Londres”, piauí_84, setembro) deviam ser pendurados em todas as redações, até mesmo nas que publicam o seu conteúdo, para que a lição de coragem e competência de Laura Poitras e Glenn Greenwald seja sempre lembrada. O jornalismo deles e de seus pares, graças à fonte limpa e intrépida de Edward J. Snowden, sem esquecer o precursor Julian Assange, é o que nos salvará das informações reacionárias, manipuladas e corporativas.
ARMANDO FREITAS FILHO_RIO DE JANEIRO_RJ
ORA, ANAIS
Juro que tentei, que no começo ainda era até legal e dava um ar de dândi moderno à revista. Mas, juro, já não faz mais sentido. Por que “anais”? Não poderiam ser crônicas, lembranças, relatos, divagações ou até mesmo as famigeradas críticas? Anais? Chamem-me de imaturo, juvenil, mas hoje, depois de anos de publicação, já não consigo segurar esse risinho no canto da boca.
CÁSSIO LOREDAN BARBOSA_BELÉM/PA
NOTA DOS DÂNDIS MODERNOS: Carta imatura, juvenil et pas chic du tout.
PÁSSAROS E EQUÍVOCOS
A comparação satírica com os pássaros e a ironia tão característica do humor tcheco são praticamente intransponíveis para outra língua (Chegada, “Pássaros espertalhões”, piauí_84, setembro). De início, cumpre destacar que o símbolo do ODS, principal partido de direita da República Tcheca (o Partido Democrático Cívico citado pela reportagem), é um pássaro azul sobre um fundo branco. Todos os seus seguidores e simpatizantes são então chamados de “pássaros azuis”. Um dos ditos populares tchecos mais tradicionais é: Krade jako straka. Ou seja, “Rouba como uma pega-rabuda” (uma ave que só habita o hemisfério norte e tem fama de ladra de ninhos e de objetos brilhantes).
A maioria dos personagens citados na reportagem, coincidência ou não, é ligada ao ODS. A única exceção é o ex-deputado David Rath, que era filiado ao Partido Social-Democrata, e que é visto por muitos como o bode expiatório de todos os escândalos de corrupção que assolam a política local, tanto assim que é o único “pássaro” que realmente está numa “gaiola”. Todavia, ele não está preso por causa da construção do túnel Blanka, como a reportagem leva a crer. Ele foi acusado de favorecimento de empresas e desvio de recursos recebidos da União Europeia para a reconstrução do castelo Buštĕhrad e reformas de hospitais.
Chamar o túnel Blanka de “mãe de todos os túneis” nada tem a ver com o seu tamanho. Em tcheco, tunelování (em tradução literal, fazer túneis) significa o mesmo que fraude financeira. Ou seja, o túnel Blanka é “a mãe de todas as fraudes”. Quanto ao termo padrinho, este se escreve em tcheco kmotr e seu significado mais amplo não é exclusividade da República Tcheca, como já deixou evidente em suas obras o escritor Mario Puzo. O “padrinho” Roman Janoušek não está e nem nunca foi preso, como dá a entender a reportagem. Ele está sendo acusado por tentativa de homicídio e por dirigir embriagado. Só apareceu na audiência inaugural em julho e a previsão é que a decisão sobre o caso não saia antes do ano que vem.
GUIDO ANDRÉ ARAUJO_SALVADOR/BA
NOTA DA REDAÇÃO: Fiamo-nos no roteiro em inglês do CorrupTour, que falava em “mãe de todos os túneis”, o que é uma explicação, não uma desculpa. Aproveitamos para informar a todos os candidatos que mandaram seus currículos para a redação que a vaga de setorista da República Tcheca acaba de ser preenchida. Vítej, Guido! Špatně platíme, ale dáme Ti svačinu.
MAIS VARIG
As manifestações dos leitores sobre a Varig (“A disputa que matou a Varig, piauí_82, julho) me fizeram lembrar do velho e finado Banespa. O que o PT fez com a Varig o PSDB fez com o Banespa, ou fez até pior, pois este último era um banco que apresentava excelentes resultados que foram maquiados pelos tucanos, para apresentar a instituição como deficitária! A intervenção teria que ocorrer, claro, mas no estado, pois suas várias empresas estavam falidas, tais como Fepasa, Eletropaulo, Sabesp etc. A única que poderia ser “vendida” com lucro era o Banespa, e foi o que fizeram. Eita, Brasil!
JOÃO AMERICO GENEZI PELLINI_SOROCABA/SP
ESQUINAS
Há alguns anos, estive na sala das múmias no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista (“Múmias da classe C”, piauí_84, setembro), e outra coisa chamou minha atenção: uma múmia de gato. Não sei se ela foi adquirida no mesmo lote, mas certamente é egípcia. O que me emocionou foi ver que a múmia estava acompanhada de um brinquedo, ou, mais provavelmente, de um alimento espiritual para a vida no além. Da mesma forma que os faraós eram enterrados com dinheiro e comida – para não passarem por apertos do lado de lá –, os donos do gatinho providenciaram um peixe para que ele também não ficasse com fome. Já viram um gordo barbudo chorar? Pois é, não queiram, é muito feio.
Os gatos eram sagrados no Egito pelo simples fato de comerem ratos, que poderiam devastar colheitas e celeiros. Gatos davam lucro. Obrigado, piauí rules.
HEMETERIO RUFINO CARDOSO NETO_FORTALEZA/CE
Não pude deixar de notar como esta revista colabora para a perpetuação da ignorância de um dos maiores nomes da música popular brasileira. Quem mandou nascer na cidade do Rei? Sérgio Sampaio também deveria ser arrolado como figura notória de Cachoeiro (“O príncipe de Cachoeiro”, piauí_84, setembro). O.k., na minha edição corrigi a injustiça.
MARCELO EME_SÃO PAULO/SP
Tomara que a decisão do Uruguai (“O barato de Hannah”, piauí_84, setembro) sobre a maconha seja a luz no fim do túnel em relação à maneira insana e hipócrita com que os governos e as sociedades tratam as drogas ilegais.
JOSÉ ANÍBAL SILVA SANTOS_TEÓFILO OTONI/MG
PAPA POP
Formidável essa Chegada (“Mais fortes são os poderes do corpo”, piauí_83, agosto) começando do título provocante, que poderia evocar uma revista masculina. O belo texto desmonta qualquer possibilidade de blague e retrata o papa argentino, entrado na pompa do Vaticano, mas capaz de mobilizar a imensa malta secularizada.
XIKITO AFFONSO FERREIRA_SALVADOR/BA
CRISE DE IDENTIDADE
Não sou nenhum Moses Herzog, mas estive pensando. Caro editor, que pasa? Se levar em conta a revista de setembro, dou por certo que a haute cuisine da New Yorker, onde bebiam desde a cria, foi trocada pelo cocho de Carta Maior. O talk of the town carioca já não é mais aquele. Bem, também tinha em mente os textos apressados, e indignos dos dois autores, sobre as ruas em junho, o que era de menos. Este mês, vejamos: Žižek, via Times (para disfarçar?), New Left Review tascando a zona do euro, abordagem rasa e unilateral do estado da união chilena e tal. Um atestado e tanto. Espero me enganar, mas, no vai da valsa, parecem ter começado a saltitar por simpatia e bananas. Carinhosa saudação do leitor da primeira à última hora, e assinante macambúzio.
SIUTÔNIO KLARETHY_BELO HORIZONTE/MG
NOTA APREENSIVA: O Serviço de Inteligência de Cuba nos havia assegurado que Žižek via Times enganaria até mesmo nossos leitores mais argutos. Para os próximos números, havíamos programado Badiou via Wall Street Journal e Antonio Negri via Fox News. Agora já não sabemos se vai colar. (Atenção: quem primeiro nos alertou sobre o artigo de Perry Anderson que publicamos nesta edição foi o deputado Jair Bolsonaro.)
ANÚNCIOS
Fiquei bem decepcionado com a quantidade extra de anúncios publicitários na última edição. Não sei qual é a situação financeira da revista, mas gostaria de registrar meu desconforto. Lembrei-me da Veja.
CÉSAR BARROS_BELO HORIZONTE/MG
NOTA DA REDAÇÃO: Ah, César, melhor nem tocar nesse assunto de saúde financeira. Toda vez que a coisa vem à tona, metade da redação se põe a chorar, e o resto nem isso faz, por falta de energia. É que a turma não se alimenta direito desde aquela saudosa edição de 2007, tão cheinha de anúncios.