CREDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
Buraco negro tamanho M
Um astrofísico brasileiro investiga um canto obscuro da Via Láctea
Roberto Kaz | Edição 175, Abril 2021
Para o leigo, o vídeo parece desinteressante: um conjunto de luzes brancas, desfocadas, que se movimentam sobre um fundo escuro. Para o astrofísico brasileiro Eduardo Vitral, beira o sublime. “Vi durante um curso na Polytechnique”, ele contou, referindo-se à Escola Politécnica, centro de excelência em engenharia e ciências exatas na França, onde fez mestrado. “O vídeo mostrava várias estrelas no centro da nossa galáxia se movendo em torno de algo que a gente não vê.” Esse “algo que a gente não vê” era um enorme buraco negro. “A gravidade dele é tão forte, que acaba fazendo uma bagunça com as estrelas do entorno”, continuou. “O legal da astrofísica é esse mistério. É descobrir coisas que a princípio não têm nenhuma aplicabilidade no dia a dia, mas mudam nossa maneira de ver o mundo.”
Aos 25 anos, Vitral ganhou fama no especificíssimo campo da astrofísica depois de encontrar uma espécie de coworking de buracos negros em um trecho da nossa galáxia conhecido como NGC 6397 (o endereço de uma estrela é bem parecido com o de um prédio em Brasília). A pesquisa realizada ao longo de dois anos foi publicada em fevereiro por ele e seu orientador, o astrônomo francês Gary Mamon, no respeitado periódico científico Astronomy and Astrophysics. Como a pesquisa usava imagens captadas pelo telescópio Hubble, que pertence à Nasa, o estudo acabou sendo publicado também no site da agência espacial norte-americana. Foi um pulo para que semanas depois a notícia saísse no New York Times.
Nascido e criado em Juiz de Fora (MG), Vitral mora com a namorada em um apartamento na periferia de Paris. Ele se diz fascinado pelos astros desde os 9 anos de idade, quando deparou com um livro sobre o sistema solar na casa de uma avó. “O livro explicava que a duração do ano variava de planeta a planeta”, lembrou. “Isso me deu um nó na cabeça, me deixou encantado mesmo, comecei já ali a questionar a ideia de tempo.” Aos 18 anos, Vitral se mudou para São José dos Campos, no interior de São Paulo, para cursar engenharia aeroespacial no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Pensava em projetar satélites ou aviões. “Eu gostava de exatas, mas fui vendo que não estava tão interessado na engenharia em si.” Interrompeu o curso dois anos depois e se transferiu para a Escola Politécnica de Paris, onde terminaria a graduação e faria o mestrado. “Eles tinham um viés mais teórico.”
Foi na faculdade francesa que Vitral fez em 2017 um curso específico sobre buracos negros. “Quando li a ementa e depois os livros, me senti que nem criança, descobrindo aquelas coisas sobre o sistema solar.” Dois anos atrás, ingressou no doutorado do Instituto de Astrofísica de Paris, ligado à Universidade Sorbonne, onde passou a analisar o movimento de estrelas que podem estar rodeando buracos negros de massa intermediária (que nada mais são do que buracos negros tamanho M, os mais difíceis de serem achados nessa grande loja de departamento de astros que é a Via Láctea).
Todo objeto – de um planeta a uma moeda – produz uma força gravitacional, maior ou menor (dependendo de sua massa e da distância), que atrai outros corpos na sua direção. É a força da gravidade que aglutina os gases que formam as estrelas. Esses gases, depois de comprimidos, entram em fusão nuclear (quando a temperatura aumenta a ponto de os núcleos atômicos se fundirem) e isso produz uma nova estrela (protoestrela). Por meio de explosões e ejeções de matéria, a estrela buscará o equilíbrio entre a fusão nuclear e a força gravitacional. Depois de queimar durante bilhões de anos, o hidrogênio e alguns elementos mais leves que servem de combustível para a fusão nuclear um dia se esgotam – e o que sobra é apenas a força da gravidade. Se a estrela era tamanho p (como é o nosso Sol), ela vira uma “anã branca” – um corpo celeste bastante denso, que ainda emite um pouco de luminosidade por obra dos elétrons. Mas, se a estrela é tamanho GG, a força gravitacional acaba fazendo com que ela se condense progressivamente até entrar em colapso. E assim nasce um buraco negro: um ponto no espaço tão denso e com tanta gravidade, que nem mesmo a luz, que viaja a 300 mil km por segundo, consegue escapar.
Por causa de sua invisibilidade, um buraco negro só pode ser detectado pela bagunça que sua gravidade promove no entorno. “As estrelas que vivem perto do buraco negro vão ter sua massa puxada por ele e podem emitir muita luz nesse processo”, explicou Vitral, em uma imagem que pode ser comparada com a de um animal que grita antes de ser devorado por outro mais forte. “E é por essa luz que nós conseguimos identificar o buraco negro.” Ele acrescentou que há ainda outras duas formas de identificação, por meio do movimento das estrelas ou das ondas gravitacionais. Depois que uma estrela é tragada pelo buraco negro, é impossível saber o que ocorre lá dentro.
Até hoje estudiosos haviam encontrado buracos negros “pequenos” e buracos negros colossais (milhões ou bilhões de vezes o tamanho do Sol, ocupando o centro das galáxias). Mas onde estavam os buracos negros médios? Talvez alguma pista do mistério esteja na superquadra NGC 6397. “Foi um trabalho de cálculos, equações e simulações de código no computador”, explicou Vitral. “Ao testar novos modelos que se ajustassem aos dados do Hubble, eu pensei que seria legal testar uma distribuição de massa não pontual, mas estendida. E o código convergiu de maneira robusta para esse modelo.” Em outras palavras: o local estava apinhado de buracos negros pequenos, concentrados, talvez até sessenta deles, cada um agindo com suas ondas gravitacionais sobre os outros, num processo de constante atração. Em tese, isso pode eventualmente gerar um buraco negro mediano.
O professor Roberto Costa, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), conta que o imenso buraco negro no núcleo da nossa galáxia, a Via Láctea, tem 3,3 milhões de vezes o tamanho do Sol. “Estima-se que ele tenha se formado a partir da união de buracos negros de massa menor, mas existe esse mass gap, um intervalo de massa onde não se acha nada”, explicou. “O artigo de Vitral e Mamon aborda exatamente essa questão. Se estiver certo, será um passo importante.”
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