ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
Cárie e pum vaginal
As aflições sexuais dos adolescentes
Luiza Miguez | Edição 109, Outubro 2015
“Eu tenho aqui uma dúvida!”, gritava o rapaz, balançando as mãos no ar. Tentava se destacar entre os muitos jovens que também queriam fazer perguntas. Não devia ter mais do que 15 anos de idade. Tinha os cabelos raspados nas laterais da cabeça, um topete volumoso, aparelho nos dentes. Já com um microfone nas mãos, encarou a plateia de mais de 300 pessoas e, sem hesitar, perguntou seriamente: “É verdade que sexo oral pode dar alguma doença bucal?”
Sob a chuva de risadas da plateia, o menino seguiu, com firmeza. “É! Tipo cárie!”, completou, contraindo o rosto. Parecia se tratar de uma preocupação real. “Vamos lá, gente”, dizia animadamente uma voz feminina que se sobrepunha ao falatório do auditório. Lançando um olhar compreensivo ao garoto, Laura Muller o tranquilizou: desconhecia na literatura médica qualquer relato de malefícios à saúde dos dentes provocados pelo sexo oral.
Aos 45 anos, a sexóloga Laura Muller é um fenômeno na televisão, onde há quase uma década desempenha funções pedagógicas. No final de 2006, ela foi chamada a fazer um teste para um quadro do programa Altas Horas, de Serginho Groisman, na TV Globo. Seria sabatinada sobre assuntos sexuais pelos adolescentes que vão em caravana assistir às gravações do programa. A desenvoltura de Muller impressionou o apresentador. Em frente às câmeras, ela não hesitava diante de questões constrangedoras (“Por que o gosto do esperma demora a sair da boca?”) e respondia sorridente como se explicasse uma receita de bolo (“É normal o esperma deixar gosto na boca, é característico do sabor dele mesmo”).
Desde que foi contratada, todo sábado Muller bate ponto no programa, e circula descontraidamente pelos corredores da sede paulista da Rede Globo. Vai da sala de figurino ao seu camarim falando alto e marcando o ritmo apressado com o plec-plec do salto. A visibilidade na televisão ajudou a transformá-la na mais profícua sexóloga brasileira.
Em suas palestras, de São Paulo ao interior do Acre, atrai plateias de mais de 3 mil pessoas; lançou cinco livros em que conta “tudo sobre sexo”; mantém uma coluna mensal sobre comportamento num site de uma empresa farmacêutica; publica diariamente “pílulas de sexo” em um aplicativo para celular. E é ovacionada como uma banda de rock ou uma dupla sertaneja quando entra no auditório do Altas Horas.
Naquela tarde de setembro, Laura Muller responderia a questões de seis adolescentes da plateia. Ela conta que a maior parte das perguntas se restringe a alguns poucos assuntos: dor na primeira relação, gravidez fora de hora e orientação sexual. Mas às vezes os adolescentes surpreendem. “Por que durante o sexo algumas mulheres soltam gás ‘por lá’?”, perguntou um rapaz do alto da arquibancada, relatando a sinfonia que às vezes acontecia com a parceira, conforme o encaixe dos corpos.
Muller é uma mulher grande; tem pernas e braços longos, tronco atlético e 1,77 metro de altura. Os sapatos de salto alto que costuma usar a deixam ainda mais alta. Ela recebeu piauí em seu camarim, pouco tempo antes de entrar no palco do Altas Horas. Com cabelo, roupa e maquiagem prontos, preferiu conversar em pé, em pose de miss – repousando as mãos na cintura e com as pernas cruzadas em xis –, para não amarrotar o figurino.
Ela iniciou a vida profissional como repórter da Folha de S.Paulo, na qual cobria assuntos de cidade e polícia. “Fiquei seis anos trabalhando em jornal e aí me cansei um pouco. Queria poder ser mais mulherzinha”, disse. Era meados dos anos 90, e as revistas femininas começavam a falar sobre sexo mais abertamente, pauta antes restrita a uma ou outra publicação. Muller, então com 26 anos, ficou sabendo de uma vaga na revista Claudia que ninguém topava pegar – e não hesitou em se candidatar.
A sexóloga contou que algumas redações, naquela época, não estavam preparadas para falar sobre sexo. O tema era tabu entre repórteres, e não havia muitos especialistas dispostos a discorrer sobre o assunto. Ela mesma, casada desde os 19 anos, encarara até ali a vida sexual sem preparo algum. Para dar cabo das dezenas de páginas que editava mensalmente, foi fazer pós-graduação na Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana. Acabou emendando um curso de psicologia. Largou o jornalismo e abraçou apaixonadamente a nova profissão. “Só é chato que tem quem ache que eu sou a rainha do sexo na cama, dou pirueta, transo com a perna no lustre. Sou um ser humano normal, altos e baixos, erros e acertos”, contou.
Laura! Laura! Aqui! É verdade que se o pênis do boy for muito grande ele pode cutucar e machucar o útero?” Muller começa suas respostas sempre com uma inevitável risadinha, logo emendando um “vamos lá, gente!” para entrar em um surpreendente estado de atenção e tranquilidade. É uma médica em um consultório com milhões de pacientes e espectadores.
Ela descobriu nos últimos anos que a abordagem do público não tem limites, principalmente com uma celebridade sexóloga. Se está conversando com um grupo de amigos em uma ópera, pode acontecer de uma estranha brotar no meio da roda e reclamar que não consegue atingir o gozo. Certa vez, no aeroporto, a segurança a deteve por alguns minutos na esteira de raio X e ali, como se conversasse com uma amiga próxima, tirou dúvidas sobre sua vida sexual. Por pouco a sexóloga não perdeu o voo.
“Vamos lá, gente!”, disse Muller, voltando-se para a menina que perguntara sobre os perigos de um pênis grande. “Pode machucar o fundo da vagina, sim, tem que mudar de posição. Mas têm tantas outras coisas boas que se pode fazer além da penetração”, engrenou com firmeza, enquanto Serginho Groisman se adiantava para encerrar o quadro da sexóloga, antes que ela pudesse terminar o raciocínio. Ecoou pela plateia de adolescentes um lamúrio de tristeza. Naquela tarde eles não iriam saber que tantas outras coisas eram aquelas que poderiam fazer.