cartas_119
| Edição 119, Agosto 2016
É A LAMA
A reportagem de Consuelo Dieguez (“A onda”, piauí_118, julho) – complementada pelo portfólio “A terra devastada”, de Cristiano Mascaro e Pedro Mascaro – é uma das melhores que já li na piauí. Aliás, uma das melhores que já li. (E, como professor de jornalismo há vinte anos, já li muuuuuita reportagem.) Não só é uma aula de reportagem – humana, atenta, inteligente, bem escrita e bem estruturada –, mas sobretudo uma aula sobre a tragédia do rio Doce, de cuja amplitude e gravidade pouca gente tem noção.
Dieguez investigou, foi atrás de todo mundo que poderia ajudá-la a entender os motivos, as consequências e o impacto da tragédia. Não protegeu nem espezinhou ninguém. Foi correta. Impiedosa, mas justa, como deve ser uma matéria sobre um drama desse calibre. Saem mal na fita vários empresários, técnicos, políticos de vários partidos, e até mesmo certos pescadores. E se saem bem muitos cidadãos e também alguns políticos, empresários etc. Texto de leitura obrigatória em cursos de jornalismo, relações públicas, administração, engenharia, direito, além das escolas de ensino médio.
LEO CUNHA_BELO HORIZONTE/MG
As matérias de Consuelo Dieguez, em particular “A onda” e, na piauí_109 (outubro 2015), “O ralo” (e também seu livro Bilhões e Lágrimas), permitem construir um quadro geral e verdadeiramente desolador do Brasil e suas perspectivas. Muito além da corrupção que envolve administração pública e empresas privadas, outros problemas seríssimos são investigados e esclarecidos nessas matérias.
O desastre em Mariana nos faz perguntar onde estaria a engenharia das grandes empresas bilionárias responsáveis pela tragédia. Estaria a engenharia em extinção no Brasil? A reação (ou a ausência desta) do povo atingido pela onda também revela as razões de tanta corrupção, de tanto atraso tecnológico, e talvez da inexistência de perspectivas. O povo tolera tudo e apenas vive o dia a dia da melhor forma que consegue, e frequentemente é vítima de uma ignorância patética quanto ao funcionamento de tudo ao seu redor.
Mariana não é um caso isolado. Pobreza e ignorância de fato são amplamente encontradas Brasil afora. No passado havia mercado de trabalho para essas pessoas, mas tal mercado há muito migrou para a Ásia, juntamente com diversas outras ocupações cobrindo todo o espectro de sofisticação tecnológica. O que fazer?
Peço a Consuelo Dieguez e a seus colegas que abordem as saídas: como modernizar o Brasil? Só assim evitaremos novas ondas, novos ralos, e lágrimas de crocodilo não serão choradas sobre dinheiro que deveria ser público.
OSVALDO SCHILLING_FLORIANÓPOLIS/SC
As palavras às vezes não nos permitem expressar as emoções com precisão. Foi o que senti após a leitura de “A onda”. A intensidade da escrita de Consuelo Dieguez é quase tão brutal quanto a tragédia relatada. A leitura me deixou perplexa por horas.
MARINA JAROUCHE AUN_SÃO PAULO/SP
Acabo de ler a reportagem de Consuelo Dieguez e agora me divido entre dois extremos.
Por um lado, estou deslumbrada e encantada com a reportagem, prova de que jornalismo literário ambiental também é assunto de mulher. A narrativa sintética, minuciosa e informativa me emocionou e me entreteve até a última frase.
Por outro lado, fiquei triste e frustrada por ter conhecido de perto a realidade trágica de Mariana e a dimensão da negligência que a causou e que continua agravando suas consequências. Me orgulho de ser curiosa e de me manter por dentro dos assuntos ambientais, mas foi só por meio da reconstituição de Dieguez que pude entender por que um monte de lama se tornou o maior desastre ambiental do país.
Estou com 21 anos e na metade do curso de jornalismo. Do pouco que vivi até aqui, considero que a missão social do jornalismo tem que ser repensada de acordo com as demandas do século XXI. Já estamos repensando as ferramentas, nos adequando à internet e demais tecnologias, mas também devemos pensar nas demandas sociais da profissão. Não podemos mais nos manter ao lado dos interesses privados e estatais em prol do progresso e do desenvolvimento. Nosso dever é tender sempre para o lado mais humano. Como diz o professor José Eli da Veiga, o termo “desenvolvimento sustentável” é redundante, uma vez que não há outro tipo de desenvolvimento no sentindo pleno da palavra. E o olhar do jornalista tem que despertar para esse assunto.
Sinto falta na revista piauí, e em outros meios de comunicação, de matérias relacionadas à temática ambiental. Que “A onda” seja a primeira de muitas.
ANDRESSA SANTA CRUZ_FLORIANÓPOLIS/SC
NUNO RAMOS
É raro um intelectual expor os cancros de sua própria esfera de circulação. As artes estão tomadas pelo circuito higienizado e seguro do patrocinador, em geral um grande banco. Bombeiros, máscaras, protocolos da segurança do trabalho garantem que ninguém abrirá a carteira para pagar indenização em caso de acidente. Mas eis que é o próprio artista quem denuncia que a morte ocorre ao lado: um homeless morreu eletrocutado a poucos metros de um batalhão de bombeiros.
As notas do diário de Nuno Ramos e seus aforismos (“Fooquedeu”, piauí_118, julho) mostram um país que já conhecíamos, mas que ficara camuflado por décadas – um lugar bárbaro, inóspito e tão nosso. Não deve ter sido fácil assistir à elite ilustrada chamar de bicha, em praça pública, um dos únicos deputados que defendem abertamente os direitos humanos. Os acintes exibidos naquele dia estiveram por toda parte, e os canalhas diziam que era em nome da nação, da inocência das crianças, da memória do torturador Ustra. Dias antes, no Jornal Nacional, jornalistas frustrados exibiam seu talento para a dramaturgia. Por que não falam de vez que prefeririam estar na novela das nove ou numa minissérie?
Nuno, seu diário é a prova cabal de que estamos fodidos politicamente. Você deveria escrever os tais Tristes Donos do Poder nos Trópicos, porque, sem bandeira branca no horizonte nas próximas décadas, o Brasil vai precisar dos herdeiros de Lévi-Strauss, Bastide, Marcos Nobre, André Singer e toda a gente da FFLCH.
HAROLDO HEVERTON SOUZA DE ARRUDA_SÃO PAULO/SP
A CONTA DO IMPÉRIO
A Petrobras é uma empresa estatal (ou de controle estatal), e não de qualquer governo temporário. O argumento da acusação é que o acionista majoritário roubou dinheiro para benefício próprio. Não admito que me acusem! Afinal, acionistas majoritários somos nós, brasileiros, que também fomos lesados, tanto que estamos processando aqueles funcionários bandidos que nos causaram danos (“O petróleo é deles”, piauí_118, julho).
Para mim, é incompreensível um estrangeiro comprar ações de uma estatal. A função de uma empresa pública é promover políticas públicas, sua prioridade não é dar lucro, muito menos bancar políticos e partidos. Mercado acionário é risco, e o risco de ter altos funcionários, diretores, CEOs ou presidentes bandidos é grande, mas em geral eles são corruptores ou escravagistas, que roubam e exploram para si e para a empresa – mas aí o acionista não vê problema.
Também é incompreensível o que leva uma empresa estatal (ou de controle estatal) a emitir ações no exterior, subordinando-se a leis de outros países. Alguns alegam maior controle sobre a empresa, mas onde estava esse controle que não viu a corrupção que corroía a Petrobras ao longo desses anos?
Maior controle se dá com: mais transparência (Lei de Acesso a Informação), mídia investigativa (piauí é claro, Marco Civil da Internet), legislação específica (como a recém-criada Lei das Estatais, sobre a qual tenho várias críticas), polícia e judiciário fortes e independentes (maior legado de Dilma). Somente com essas práticas está sendo possível limpar nossa maior empresa – ações nos Estados Unidos não ajudaram em nada nossa Petrobras, que aliás é a “madame mais honesta desse cabaré”, apud o lavajatado Sérgio Machado. Já passou da hora de retirarmos nossas ações de lá.
GILBERTO JOSÉ SOARES_CAMPINAS/SP
FERA DO MAR
Na edição de julho, merece destaque o excepcional perfil da nadadora Ana Marcela Cunha (“A pit bull”, piauí_118, julho). Porém, uma minúscula questão ressoa há dias: trata-se da informação que assegura que a atleta consome “poucas gramas” de carne magra. De acordo com a gramática normativa, o substantivo “grama”, quando se refere a unidade de medida, deve ser antecedido por termo flexionado no gênero masculino.
Todavia, certo da compreensão semântica proposta pelo trecho, coerentemente explicada pela gramática descritiva, enfatizo a importância dos estudos desenvolvidos nesta área por Faraco, Possenti, Soares e Bagno (e muitos outros), que teorizam sobre a língua portuguesa “brasileira”, buscando flexibilizar a gramática ao uso corrente da língua – e não o contrário. Obrigado pela oportunidade de fazer essa breve reflexão.
Desejo êxito à nadadora, que alcance sucesso na busca do sonhado ouro.
P.S.: Assim como Ana, sou mais um baiano, entre outros milhares, radicado em Santos, aficionado às mais variadas práticas esportivas. Apesar disso, optei pelo magistério em língua portuguesa.
MÁRCIO SIMÕES DA SILVA_SÃO PAULO/SP
CARTUNS
Au-au! Adoramos os cartuns do Roberto Negreiros about us (piauí_118, julho). Só não foram melhores porque nosso grupo, RND, vulgo vira-lata, não foi contemplado. Bem, pelo menos o Ulisses da tia Clarice teve direito a uma matéria só pra ele! Abraços e lambeijos!
TOBIAS, BELINHA E MAMÃE VERA REGINA SALES_RIO DE JANEIRO/RJ
DOIS CACHORROS: ULISSES E BOB
piauí de julho, talvez sem querer, prestou justa homenagem aos vira-latas, pois a primeira matéria (Chegada, “O último amigo”, piauí_118, julho) foi dedicada a Ulisses, o último cão criado pela escritora Clarice Lispector, perenizado no monumento no Leme juntamente com sua dona. E a revista fecha com o relato do trágico fim do Bob (Despedida, “Cachorro bom é cachorro morto”), mistura de vira-lata com pit bull, xodó da favela de Heliópolis, sadicamente assassinado com um tiro no pescoço, causando revolta e comoção na comunidade. A reportagem reproduz um belo desenho do cachorro, feito por um menino morador da área, como uma afetiva lembrança daquele que foi um autêntico amigo do homem.
DIRCEU LUIZ NATAL_RIO DE JANEIRO/RJ
Fico tentando imaginar que língua o policial militar que matou Bob usaria para tentar explicar sua covardia: a língua dos zelosos da ordem? A dos protetores da pax publica? A do “Manual Básico de Conduta” da PM? Como o policial militar explicaria a gratuidade sinistra do disparo? O cachorro xingou? Estava sem documento? Tentou se evadir quando abordado? Torcia para o time errado? Era vira-lata em território de pedigree? Olhou os agentes da lei com cara feia?
O filósofo Jacques Derrida, discutindo os maus-tratos que o homem costuma infligir aos animais, diz que esse tipo de violência tem repercussões profundas, conscientes e inconscientes, na imagem que os homens fazem de si próprios, e que essa violência será cada vez menos suportável por todos nós.
Em Heliópolis, houve barricada, ônibus queimado e lágrimas provocadas pelo gesto medonho do PM e pelo gás lacrimogêneo da polícia. Enquanto isso, num fraternal céu canino, Bob era recebido por Ulisses, o vira-lata de Clarice: “Bem-vindo, cara, você vai gostar. Aqui só tem que ficar sendo.”
MANOEL HENRIQUES CARLOS DA SILVA NETO_BRASÍLIA/DF
A ELEIÇÃO DISTÓPICA
Como leitora da revista há muitos e bons anos, já vivi e senti muita coisa, chorei em relatos trágicos, depoimentos sinceros, fiquei com raiva de tantas pessoas e fatos, também senti vergonha alheia, mas com a piauí_117 vivenciei um novo sentimento: uma angústia crescente, somada ao medo e ao pavor, uma sensação terrível de não saber onde vamos parar. Não presenciei nenhuma das grandes guerras, mas elas nasceram pequenas e as poucas vozes lúcidas não foram suficientes para impedi-las, e sei que elas existiram. Li a matéria “Trump e os limites da democracia” com certo aperto no peito, talvez esteja sensível demais, no entanto são tantas barbáries nos nossos dias que talvez eu apenas esteja sendo dramática e espero que o Andrew Sullivan também.
GORETTE LIRA DA SILVA_CORRENTE/PI
ERRATAS DA EDIÇÃO 118:
1_Ao contrário do informado na reportagem “A onda”, a empresa BHP Billiton não foi indiciada pela Polícia Federal.
2_Nessa mesma reportagem, diferentemente do que foi publicado, a cidade de Governador Valadares conquistou medalhas na canoagem nos jogos Pan-Americanos, e não nas Olimpíadas.
3_Na reportagem “O Petróleo é deles” está errada a afirmação de que jamais houve julgamento de class actions envolvendo ações negociadas na Bolsa de Nova York. Na verdade, ao menos onze ações – de um total de mais de 4 mil – foram a julgamento e receberam um veredito.