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    Gustavo Franco, Pérsio Arida, Clóvis Carvalho, Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco, Pedro Malan, Winston Fritsch, André Lara Resende e Edmar Bacha, reunidos em outubro de 1993 (Arquivo pessoal)

anais da moeda

A certidão de nascimento do Real

O documento inédito em que nasceu a URV, o ovo de colombo da estabilização

André Lara Resende | Edição 213, Junho 2024

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Para o pequeno grupo de economistas reunidos por Fernando Henrique Cardoso no segundo semestre de 1993, o sentido de urgência da estabilização monetária se contrapunha à convicção de que o país não suportaria mais um programa fracassado. Era imprescindível apresentar à sociedade, traumatizada por sucessivos planos urdidos em sigilo, um  diagnóstico fundamentado e um plano de ação estruturado. A maioria dos convocados por Fernando Henrique se conhecia bem. Estavam, desde o final dos anos 1970, no Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro. Tinham feito doutorado nos Estados Unidos e na Inglaterra, sem perder de vista o objetivo de estudar e pensar a realidade do país. As particularidades do processo inflacionário brasileiro foram tema de inúmeros trabalhos do grupo. Críticos da ortodoxia monetarista, que associava a inflação exclusivamente ao ato de imprimir dinheiro em excesso, tinham desenvolvido a tese de que a inflação alta por muito tempo se torna crônica. Quando isso ocorre, a economia desenvolve mecanismos formais e informais de indexação, que a torna “inercial”, ao mesmo tempo dissociada das suas causas primeiras e extremamente resistente aos remédios tradicionais.

Uma década antes, em 1984, com a redemocratização e a eleição de Tancredo Neves, alguns economistas ligados à Fundação Getulio Vargas (FGV), do Rio, tinham sugerido uma drástica contração monetária, um “choque ortodoxo”, para vencer a inflação. A proposta tinha como pressuposto a convicção, generalizada entre os monetaristas, de que a emissão excessiva de moeda nunca tinha sido realmente estancada. Francisco Lopes, um dos formuladores da tese da inflação inercial na PUC do Rio, propôs então um congelamento de preços para quebrar a inércia da inflação. Em contraponto à receita monetarista, chamou a sua proposta de “choque heterodoxo”. A experiência prática no mercado financeiro tinha me convencido de que, além dos conhecidos efeitos perniciosos do congelamento, a súbita interrupção da alta de preços levaria a uma inadimplência generalizada, seguida de uma crise bancária, que desorganizaria profundamente a economia. A indexação retroativa, ou seja, a correção automática dos preços pela inflação passada, tornaria os contratos financeiros inexequíveis diante de drástica queda da inflação. À época, a discussão teórica na academia americana pressupunha que a indexação fosse instantânea, baseada na inflação corrente, não na inflação passada. Neste caso, a indexação não seria problema, mas, ao contrário, facilitaria a estabilização. Ocorreu-me que a solução estaria num período de transição, no qual os contratos passassem a ser escriturados numa unidade de conta, uma moeda, instantaneamente indexada.

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