Cidade das mulheres
Em Águas de São Pedro, o homem é um ser escasso
Fábio Fujita | Edição 57, Junho 2011
No final de uma manhã de maio, o mês das noivas, um grupo de adolescentes faceiras, de uniforme escolar, ocupava um dos três bancos de madeira da rodoviária de Águas de São Pedro, no interior paulista. Observavam com atenção, entre risotas e cutucadas, os viajantes que desembarcavam do ônibus vindo da capital. A esperança das meninas logo se esfumaçou diante dos recém-chegados: uma criança no colo da mãe, uma balzaquiana acima do peso, um senhor magricela parecido com o seu Madruga – e nenhum guapo mancebo, príncipe encantado em potencial.
O exercício de observar os forasteiros que chegam parece ser das poucas alternativas às moças locais que sonham em conseguir um rapaz para chamarem de seu. Faltam homens em Águas de São Pedro. A quem ressalvar que o déficit de testosterona não é exclusividade da cidade – o último censo do IBGE apontou a existência de 3,9 milhões de mulheres a mais do que homens no Brasil – considere-se que Águas é o segundo menor município brasileiro, com nada além de 5 quilômetros quadrados de extensão. Sua população é de tão somente 2 707 almas. E como a predominância feminina é de 53,5%, há 190 mulheres a mais do que homens na simpática estação de águas.
Seria este um detalhe estatístico imperceptível ou pode-se notar o mulherio em excesso? “É só você dar uma voltinha pelo centro e observar”, respondeu a estudante Micheli Francieli Arthur, de 18 anos. O “centro” se restringe à avenida Carlos Mauro, justamente onde ela se encontrava, solitária, sentada num banco. “Para onde você olha, é só mulher”, lamentava a moça.
Numa extremidade da cidade, a alguns passos dali, a cabeleireira Iracema Poppi engrossou o canto das solteironas, dizendo que a entressafra masculina é permanente. “Minhas clientes todas sofrem com isso, e eu também”, contou Iracema, há um ano separada (seu ex era de Piracicaba). Ela esclareceu que boa parte do contingente feminino excedente é da sua faixa etária para cima, em função das águas termais do burgo, procuradas como fonte da juventude. “A velharada vem em peso para cá”, disse, possivelmente incomodada com a concorrência.
Outro sintoma da maré vazante masculina é a escassez matrimonial. “Moro aqui há quarenta anos e nunca vi um casamento entre moradores”, informou a contadora Rose dos Santos. Ela, inclusive, é a única que já foi casada – embora o ex também fosse piracicabano – entre as quatro mulheres no seu emprego, no departamento contábil da prefeitura.
A chefe de expediente, Sonia Maria Bragaia, e as auxiliares administrativas Cristina Bragaia e Maria das Graças Oliveira, as três na casa dos 40, são solteiras. “Nessa nossa faixa etária, os homens já estão casados, ou se separaram e não querem mais compromisso”, disse Sonia.
Nem mesmo no turismo ela visualiza possibilidade de achar alguém que possa adornar seu anelar esquerdo. “Nos finais de semana vem muito casal para cá”, contou. “Então, se você vai aos barzinhos, não tem ninguém com quem trocar uns olhares.”
Trazido o tema à baila, o quarteto das solteiras da prefeitura desembesta a falar simultaneamente sobre as causas da incipiência masculina. “Os rapazes, quando chegam a certa idade, saem para estudar”, disse Sonia, considerando que as mulheres nascidas no interior têm maior propensão a permanecer nos lugares de origem. “Como aqui é uma cidade com muita criança e muito idoso, fica difícil para a gente”, comentou Cristina. Já Maria lembrou que, entre os anos 80 e 90, muitos estudantes eram atraídos à cidade em função dos cursos de garçom e cozinha oferecidos pelo Grande Hotel São Pedro, referência no setor. “Eram cursos de longa duração, e muitas vezes os homens acabavam ficando depois na cidade”, explicou, fazendo a colega Sonia relembrar, nostalgicamente, em altos suspiros: “O que eu paquerei aqueles meninos…”
Indagada se é casada, Heloísa Conselvan, dona da La Padoca, a mais elegante padaria da cidade, respondeu com detalhes: “Solteira, sem namorado e heterossexual.” Evidenciar sua orientação é importante porque, segundo ela, Águas de São Pedro vem assumindo cada vez mais uma identidade, digamos, multicolorida. “Não sei se pelo clima ou o quê, mas a cidade parece que atrai os gays e os bissexuais”, disse. E lembrou que, especialmente neste ano, veio uma “leva enorme” deles – a maioria para cursar hotelaria ou gastronomia no Senac.
“É uma moçada nova que, já a partir de 17 anos de idade, se assume”, observou. Estar solteira, disse Heloísa, é uma escolha pessoal momentânea. “Sei que sou interessante, as pessoas da cidade me conhecem, sou procurada”, informou. Mas reconheceu que, quando for investir na vida afetiva, terá dificuldade, ainda mais porque prefere homens acima dos 30 anos. “Achar algum em Águas de São Pedro é uma hipótese que não existe, a chance é zero”, disse.
A solução talvez esteja em Piracicaba, esse mítico eldorado de craques do Nhô Quim, o XV de Piracicaba. Terra também de confeiteiros especializados em sobremesas à base de milho, todos prontos a suprir a demanda feminina água-pedrense. “As pessoas com quem eu mais convivo estão lá”, disse Heloísa. Sonia, por sua vez, é cética: “Se eu for lá para uma baladinha, só vai ter gente mais jovem. Não é para mim.”
“Se eu ainda tivesse feito um filho para me fazer companhia nessa altura da vida…”, lamentou Sonia. Sem rebento nem matrimônio, ela festeja que a irmã tenha lhe dado o sobrinho João Pedro, de 8 anos. Mais do que a companhia, Sonia visualiza nele uma contribuição para o equilíbrio da cidade: “Ainda bem que ele é menino. Se fosse menina, vixe…”