ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2020
Cinema delas
A diretora do premiado Baronesa prepara seu segundo longa
Tiago Coelho | Edição 169, Outubro 2020
Em 2008, quando tinha 18 anos, Juliana Antunes deixou Itaúna, sua cidade natal em Minas Gerais, e se mudou para Belo Horizonte. Na capital, notou que vários ônibus levavam a bairros com nomes de mulheres: Betânia, Jaqueline, Lindeia… “Tinha um até com meu nome. Vi que eram mais de trinta linhas com nomes de mulheres”, disse ela. “E muitos dos bairros ficavam nas áreas mais pobres da cidade.”
Pouco depois, Antunes entrou para o curso de graduação em cinema do Centro Universitário Una. Quando chegou a hora de definir um objeto de pesquisa para o trabalho de conclusão de curso (TCC), ela não teve dúvidas: resolveu discorrer sobre os bairros com nomes femininos. E, ao decidir fazer seu primeiro longa-metragem, Antunes também não hesitou: iria filmar naqueles lugares e com as mulheres que ali viviam.
A fim de encontrar as personagens de Baronesa, a equipe do filme saiu pelas ruas das periferias de Belo Horizonte, conversando com as pessoas e afixando cartazes com o convite. “Fomos até em salões de beleza, mas encontramos poucas mulheres dispostas a participar.”
O bairro Juliana foi um dos últimos que a diretora visitou, pois achou óbvio demais filmar num local com o nome dela. Foi ali, entretanto, que encontrou a protagonista de seu filme. Ao entrar num salão de beleza para acompanhar a rotina das trabalhadoras, Antunes avistou a manicure Andreia Pereira de Souza. “De cara a achei incrível”, contou. “Andreia entrou no salão, me olhou através do espelho. Fiquei com ela na minha cabeça.” A diretora voltou ao salão dias depois e fez o convite. “Pedi: ‘Por favor, vamos fazer um filme?’” A manicure não aceitou.
Antunes não desistiu. Passou semanas conversando com Souza até convencê-la. A diretora, então, se mudou para o bairro Juliana, na Zona Norte de Belo Horizonte, onde moravam Souza e a outra atriz do longa, a dona de casa Leidiane Ferreira. “Para esse filme acontecer, a gente teve que conviver. O elenco e a equipe tomavam cerveja à noite, cozinhavam, por vezes se desentendiam, mas também se reaproximavam”, disse Antunes. “Foi por causa desse encontro que o filme nasceu muito vivo.”
O mundo dos salões de beleza da periferia seria o tema de Baronesa. Durante as filmagens, porém, ocorreu no bairro uma guerra entre facções do narcotráfico que mudou completamente o rumo da história. “O roteiro ruiu. E o filme passou a ser construído com improviso, cenas de observação da vida delas, cenas que inventei e outras que criamos juntas. Eu, Andreia e Leidiane”, contou a diretora de 31 anos.
Baronesa transita entre o documentário e a dramatização. As personagens Andreia e Leid são duas amigas que vivem na Vila Mariquinhas, favela próxima ao bairro Juliana. Num ambiente de pobreza e violência, elas trocam confidências, compartilham sonhos, conversam sobre sexualidade e se apoiam mutuamente. Leid cuida sozinha dos filhos pequenos, já que seu marido está preso. Andreia está juntando dinheiro para comprar uma casa no bairro Baronesa, na cidade de Santa Luzia (na Grande BH), onde espera levar uma vida mais tranquila, longe de conflitos armados.
A maior parte do filme se passa dentro das casas, onde as personagens se protegem da guerra do tráfico. “Eu quis que essa tensão violenta estivesse presente o tempo todo. Gravamos muitas cenas dentro de casa por não podermos sair devido à guerra real nas ruas”, disse.
Antunes se incomodava com o fato de que, no curso de cinema, as mulheres eram estimuladas a exercer sobretudo o cargo de produtoras e quase nunca de diretoras ou fotógrafas. Quando ela teve a chance de dirigir Baronesa, decidiu formar sua equipe principal apenas com mulheres: escalou Giselle Ferreira para a assistência de direção, Fernanda de Sena para a direção de fotografia e Marcela Santos para a captação de som.
Baronesa estreou em 2017 na 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes e levou o troféu de melhor filme da Mostra Aurora e o prêmio Helena Ignez de melhor fotografia. Conquistou outros treze prêmios em festivais no Brasil e no exterior, projetando Antunes como um dos nomes de relevo do novo cinema brasileiro, por sua abordagem complexa e humanista da periferia. O longa-metragem custou 80 mil reais e foi em grande parte financiado por um programa estadual, o Filme em Minas.
Até se mudar para Belo Horizonte, Antunes viveu no bairro Vila Tavares, um local na periferia de Itaúna com uma realidade menos pobre e violenta que a das protagonistas de seu filme. Ela se interessou pelo cinema ainda muito nova, divertindo-se com as filmagens de seu pai feitas com uma câmera amadora. Foi a uma sala de cinema pela primeira vez quando era adolescente e, pouco a pouco, seu desejo de fazer filmes se ampliou.
A mudança para a capital mineira lhe deu a chance de desenvolver a cultura cinematográfica, mas a vontade de se lançar como diretora surgiu apenas depois de ler Só Garotos, o relato autobiográfico da compositora Patti Smith, publicado no Brasil em 2010. Seu segundo longa-metragem vai se chamar Copacabana Bate e Volta. É a história de três jovens lésbicas da periferia de Belo Horizonte que sonham em ver o mar e, para isso, resolvem ir até o Rio de Janeiro, onde ficam perdidas.
O projeto do filme foi premiado num edital da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) e da Agência Nacional do Cinema (Ancine). A parte do financiamento que cabe à companhia estadual foi liberada, mas a da agência federal ainda não. “Há um desmonte da cultura. Se já era difícil para nós, mulheres, quando a política de verbas era favorável, agora vai ficar pior”, afirmou a diretora, sócia da produtora Ventura e idealizadora de outros três projetos aprovados em editais públicos aguardando verba da Ancine. Em todos eles, Antunes não abrirá mão de seu objetivo principal, que é filmar sempre com uma equipe feminina. “Assim foi nos filmes que fiz e será nos próximos. Meus filmes, antes de serem sobre mulheres, são feitos por mulheres.”
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