ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
Como 2 + 2
Os planos do escritor Y. B. Parral para superar Paulo Coelho
Tomás Chiaverini | Edição 49, Outubro 2010
Ágil e destemido, qual um cangaceiro que avança pela caatinga, Yumbad Baguun Parral esgueira-se por entre as mesas e cadeiras dos bares da Lapa, em São Paulo. Dotado da estatura de 1,66 metro, lança mão de um paradoxal chapéu de couro cor-de-rosa e de uma barbicha de trancinha grisalha meticulosamente composta para atrair a atenção da boemia. Já de início a tarefa soa inglória, pois ele atua sobretudo nas calçadas e, nessa sexta-feira glacial de setembro, boa parte de suas presas virtuais parece ter capitulado ao conforto de DVDs e cobertores. Por volta das 22 horas, a maioria das mesas ao ar livre está às moscas.
Mas Yumbad Baguun Parral, pseudônimo de Miguel Cavalcante Felix, não se aflige. Aos 47 anos, com segurança e paciência esculpidas ao longo de uma década na função, esse alagoano arretado ergue a cabeça e leva em frente o seu sorriso constante e simpático. Com um andar calmo e alinhado, arrematado pelo blazer escuro sobre o pulôver amarelo, vai oferecendo dois de seus produtos literários mais atraentes: o romance Santa Puta, a Redentora, que, segundo ele, já vendeu cerca de 10 mil exemplares, e a recém-lançada sátira política Senadô Severino, Sua Excrescência.
Nas primeiras abordagens, o escritor é miseravelmente ignorado. Quando não, recebe caretas de desdém que abalariam os brios de Dom Quixote e arrefeceriam os juízos de Policarpo Quaresma. Não os de Parral, que segue de bar em bar, de mesa em mesa, de vítima em vítima.
O quarto estabelecimento – um botequim de esquina, com paredes de azulejo encardido e cadeiras de metal iluminadas por bastões de luz fria – ele espia de fora e constata: “Aí não tem nada que valha eu perder meu tempo.” Antes de dar meia-volta e retomar a marcha acelerada, cita sua maior influência, Nietzsche, para melhor se explicar: “A minha boca não é a boca que esses ouvidos necessitam.”
Alguns passos adiante, porém, confessa que vez por outra é obrigado a fazer concessões e falar a quem não merece: “Tem mesa que a gente aborda por educação. Sabe que o cabra nunca vai abrir um livro na vida, mas é desfeita oferecer pra uns e não pra outros.” Exposto o argumento, estende um exemplar de Santa Puta a um sujeito que lhe faz cara feia enquanto abocanha um bolinho de macaxeira com carne-seca.
A noite avança lentamente, arrastada e áspera, como se emulasse a pena de Euclides da Cunha. Por volta das 23 horas, Parral conseguiu tão somente uma penca de sorrisos amarelos e alguns apertos de mão calorosos. Porque ele tem um público – reduzido, mas cativo. Fãs ebriamente desinibidos fazem questão de cumprimentá-lo, sempre com fartura de elogios à sua vasta obra de dezoito títulos. Mas abrir a carteira que é bom, esses também não.
Eis que no quinto bar da noite, quando o desânimo já põe as manguinhas de fora qual um crítico literário azedo, a sorte resolve se voltar para o autor andarilho. Assim que Parral inicia seu zigue-zague pelas mesas, é atraído por uma loira sorridente que chacoalha os dedos no ar, como se buscasse um garçom. O autor vendedor (que também exerce as funções de editor, revisor, diagramador, programador visual, distribuidor e divulgador da própria obra) se aproxima com um sorriso ainda mais largo e brilhante.
– Ai, o Parral é ótimo, já li todos os livros dele! – exclama a moça para a amiga também loira, que lhe responde com um olhar de incompreensão.
Mais que depressa, Parral distribui dois volumes, acompanhados de uma breve resenha oral:
– Santa Puta é um romance filosófico, reencarnacionista, nietzschiano, que questiona o comportamento do homem moderno a partir da genealogia dos personagens, desde a pré-história até a internet dos dias de hoje. E Senadô Severino é o perfil jocoso de um político padrão, mostrando como a gente paga pela caca que eles fazem lá em Brasília.
– Mas é sobre política? – pergunta a amiga de olhar etílico, exalando desinteresse. – Quanto custa?
– De 30 a mil reais, vocês é que decidem. E já vai autografado, pra virar relíquia – explica Parral, enquanto estende um volume de Takukarai sobre a floresta de copos e garrafas. – Essa é uma leitura mais leve, menos filosófica, pra passar o tempo mesmo.
Pais Para a Paz: Como Formar a Consciência da Paz; Zorrosa, o Macho Recuperado; e Biomarketing: Comunicação Emocional são outros títulos que ele carrega na sua bolsa preta a tiracolo.
– Ai, acho que é desse Takukarai que você vai gostar mais! – exclama a fã, servindo-se de mais cerveja morna.
Não convencida, a amiga pede detalhes, estende a Parral um prato de sobremesa com um brigadeiro semidestruído e argumenta que trouxe pouco dinheiro.
A negociação é dura, mas o vendedor é maleável. Conduzindo a conversação por um labirinto de informações bem cerzidas que fariam frente aos longos parágrafos de José Saramago, vende dois volumes por 50 reais.
“A noite é uma escola, uma pós-graduação em psicologia humana”, filosofa Parral, feliz por estar agora dois exemplares mais próximo de sua meta. Como todo vendedor que se preze, tem objetivos claros e ambiciosos. A casa própria e a garantia de sustento da esposa e dos dois filhos são conquistas que não o satisfazem, longe disso.
Parral espera muito mais do mundo das letras. Antes que o manto da imortalidade recubra o seu nome, ele almeja superar a obscena marca do escritor Paulo Coelho, que já vendeu mais de 135 milhões de exemplares mundo afora. Parral afirma que em dez anos comercializou pouco mais de 18 mil livros, o que dá uma média de aproximadamente cinco exemplares por dia. Para alcançar a mística marca do colega, serão necessários cerca de 27 milhões de noites ou, arredondando, 74 mil anos. Em suma, toda uma eternidade.
Aos que enxergam traços do realismo mágico de García Márquez nessas aspirações, Parral responde com a razão: “Paulo Coelho vende os livros dele no mundo inteiro. Eu, por enquanto, só ando pela Vila Madalena e na Lapa. Então é justo eu dizer que, proporcionalmente, já vendi muito mais do que ele.” É matemático.
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