A primeira página de O Processo: a letra de Kafka não exige esforços paleográficos, mas ler a famosa frase inicial entre rasuras é espantoso CRÉDITO: ©DLA MARBACH
Consciência de acervo
Meu encontro com os originais de Franz Kafka
Douglas Pompeu | Edição 182, Novembro 2021
Setembro de 2018: a ferrugem da paisagem comprova o início do outono. Acabo de sair de uma inesperada entrevista de emprego em Marbach, na Alemanha, e tomo um trem para Zurique, na Suíça. Dali faço o traslado para a comuna de Hinwil, onde antes de voltar a Berlim passarei mais uma semana finalizando o manuscrito de uma tradução. Tento não pensar no meu desempenho na entrevista. Ser um germanista brasileiro na Alemanha deve parecer atrevimento para alguns colegas da área. Para outros, trata-se de pura ingenuidade, dada a alta concorrência e precariedade pela qual a área passa há mais de quarenta anos. No trem, envio algumas mensagens, leio, escrevo, tento me distrair e por fim cochilo. Mais tarde, quando receber o telefonema da coordenadora do departamento de pesquisa do Arquivo Alemão de Literatura de Marbach (DLA), dizendo que fui aprovado na entrevista, esquecerei quase por completo a insegurança e o nervosismo durante a viagem.
Um mês depois, em outubro de 2018, no escritório acima da sala de manuscritos, sou apresentado aos meus colegas de trabalho. Sou o único estrangeiro e o segundo homem a integrar o departamento de pesquisa. A coordenadora eu conheço desde minha primeira visita ao arquivo, em 2009. É muito gentil comigo. Falamos rapidamente sobre a minha formação em linguística, minha pesquisa de mestrado sobre W. G. Sebald, a de doutorado sobre o arquivo da editora Suhrkamp e por fim sobre o Brasil, as sombras das eleições e o incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Conto que foi a pesquisa sobre Sebald que me levou pela primeira vez, ainda como bolsista, a Marbach. Foi naquela época que descobri o imenso arquivo editorial da Suhrkamp, para o qual montaria um projeto de doutorado que começaria alguns anos depois.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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