CRÉDITO: REBERSON ALEXANDRE_2025
Cordilheiras marítimas que movem o mundo como serpente desgarrada
Diogo Cardoso | Edição Cordilheiras marítimas que movem o mundo como serpente desgarrada,
TEMPESTADE
teus olhos têm a densidade da tormenta
a qual cruzamos neste exato instante
mirada de poças instáveis
atravessadas por rodas
que sustentam nosso desejo
o medo nos une os braços
sabemos que em cada signo caído desse céu
há guardado o nome secreto do amor
que equilibramos cúmplices
nas cinzas frias dos teus olhos.
Ruta Provincial 22, Lucas Norte – 28.XII.2017
OSSO E MEMÓRIA (SONHOS AUTOMÁTICOS)
I
Um tigre passeia ossos de costela no corpo cansado. Lambe cada carne fraturada que encontra, suturando despedidas. Faz vigília na fadiga, sonhando gestos dentro dos músculos. Na costela oposta, um menino acena lembranças ao animal, que olha passivo a língua daquela memória. O menino brinca pérolas no peito, lançando-as ao joelho do poente. Tigre e menino, opostos e em movimento, dançam cabelos sentados nos ossos que encerram antigamentes.
II
Cavalos galopam sóis nos sonhos do menino. E ele se esconde, erguendo aos céus cavalos e sonhos. A manhã é densa e o menino come as horas cruas do relógio, parando todos os sorrisos em suas mãos pequenas. Guarda alguns nas pedras em seu rosto e ascende os demais em suas asas. Tem o toque dos mortos em seu nome e ninguém o chama quando o sol lhe vem à mão. Faz-se o dia e o menino parte, galopando cavalos, sonhos, manhã e o esquecimento que lhe guarda o rosto.
TRÍPTICO À LILITU
I
no espelho teu nome não teme a noite e é na cabeça que o fogo começa. olhar por entre a fenda os tormentos da juventude abortada e dois dedos abaixo o olho condena ao homem onde ele é lobo e covarde – œil du cul[1]
II
deusa belzebu – sobre a cabeça
cobras como braços serpenteando
no mastro o aroma celeste
dedos cravados no peito
o negrume cobre a fenda
que envolve a carne morna
– bicho acuado espreitando a cabeça portátil
dentes de guilhotina acesa
beleza azul flutuante sedenta de carne natimorta
equação fúnebre – esconde os mistérios noturnos
que sustentam a coluna oblíqua
torrente molhando a telha
galopa a pele e castiga o pudor
fio de fenda que dilacera em dois
os desejos abertos à noite
III
luas cheias sob a lombar
paisagem côncava que celebra o ômega
cordilheiras marítimas que movem o mundo
como serpente desgarrada
eros de passagem
emboscada diurna
homem que atravessa sobre a sela sem cavalo
a cabeça se lança com suas crinas alucinadas
crava os dentes sangrando os sonhos esquecidos
cospe e beija a mesma boca
corta e embala – a mesma cabeça
TAI CHI
Um homem próximo a uma árvore pratica tai chi. Tudo é lento no corpo do homem. Seus braços respiram no mesmo ritmo das pernas. Mãos e pés fazem com que todo o corpo não seja moldado pelo ar fora.
A árvore, ao contato do vento, move-se à medida dele. Seu tronco rijo cria resistência a seu movimento dando-lhe densidade.
O homem se move, pequeno, sob a árvore que o diminui. A árvore, segundo o vento que não se vê. O homem a circula.
Seus olhos não veem aparentemente o que lhe passa ao redor. No entanto, o círculo é exato. E os movimentos. E a árvore.
A árvore tem poucas folhas. O que aparenta ter muitos braços. Um braço velho. Seus galhos são retorcidos e com relevos que semelham a rugas.
O homem em sua movimentação se retorce em poses assimétricas, parecendo ser movido e moldado pelo vento. As pernas são troncos que o sustentam. Semelha a um homem.
Tal qual a árvore.
[1] œil du cul: olho do cu, ânus solar, cravo violeta que tanto provoca o desprezo quanto desperta o temor da humilhação. (Nota do autor)
