CREDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
Da mortadela à selfie
O novo chamariz para atrair o público às manifestações da direita
João Batista Jr. | Edição 177, Junho 2021
Três semanas antes do feriado de Primeiro de Maio, o advogado criminalista Danilo Garcia de Andrade, de 37 anos, autodeclarado monarquista, esteve na sede estadual do PTB em São Paulo, um casarão de dois andares na Avenida Nove de Julho. Foi até lá a convite de Mário Malta, de 58 anos, conhecido como Malta Jones, dirigente do partido desde janeiro, para tratar de uma manifestação, no feriado, em apoio ao presidente Jair Bolsonaro na Avenida Paulista. O objetivo era também botar na rua o Projeto União Brasil, criado por Malta no ano passado e que reúne mais de sessenta entidades de direita, como União pelo Brasil, o Movimento Piracicaba Viva e BH Contra a Corrupção.
Na reunião, ficou acertado que Andrade convidaria para o carro de som da manifestação o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), trineto da Princesa Isabel e apelidado de Príncipe. “Convidei o Príncipe com o compromisso de não ser um evento partidário e de pedirmos a abertura imediata e sem restrições dos comércios”, disse Andrade à piauí.
Orleans e Bragança não foi a única pessoa ilustre a ser contatada. Um convite para a manifestação disparado em grupos de WhatsApp foi ilustrado com fotos do empresário Luciano Hang e do pastor Silas Malafaia, dando a entender que os dois estariam no evento, embora essa informação não constasse do flyer.
Nem Hang nem Malafaia deram as caras, o que enfureceu parte do público presente e até mesmo Andrade, o advogado monarquista, que escreveu no Twitter: “Narrativas das manifestações do Primeiro de Maio foram usurpadas por um dirigente do PTB e adv[ogado] em propaganda própria. Valendo-se do nome de @luciano_hang e @PastorMalafaia enganou pessoas da sociedade paulistana para obter $$$. A rua é do povo babacas e não de partido político!”
“Muitos manifestantes doaram dinheiro com a promessa de que poderiam subir no carro de som e conhecer pessoas influentes”, diz Andrade. Se no passado a direita acusava o PT de recorrer ao expediente de servir pão com mortadela para atrair público às suas manifestações, agora a própria direita adota o chamariz das selfies com eminências conservadoras. A assessoria de Hang afirmou à piauí que o empresário avisou que não iria, mas fez um vídeo convidando as pessoas para a manifestação. Malafaia não respondeu à reportagem.
Malta tem outra versão da quizumba. Ele afirma que o convite com as fotos de Hang e Malafaia foi divulgado “sem querer”. “Eu propus que os dois aparecessem na Avenida Paulista através de videochamada, transmitida por um telão, mas ambos tinham compromisso. Hang alegou que estaria em uma chácara com sinal ruim de wi-fi, e Malafaia, que tinha compromissos com a sua igreja.”
“Eu paguei do meu próprio bolso quatro seguranças para fazer a proteção do Príncipe”, diz Andrade. Orleans e Bragança foi à manifestação e subiu ao carro de som. O advogado, porém, foi barrado. “Quando chegamos à entrada do carro de som, fui informado de que eu não poderia subir. Tem cabimento?” Andrade não foi o único. O empresário Otávio Fakhoury, investigado no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o financiamento de disparos de fake news no WhatsApp e nas redes sociais, também deu com a cara na porta. “As pessoas que não conseguiram subir [no carro de som] estavam ali por uma pauta individual”, rebate Malta. A manifestação foi financiada por doações a partir de 100 reais. Malta não revela o total arrecadado e diz que alguns insatisfeitos foram reembolsados.
Depois do evento, começaram a circular em grupos de WhatsApp alguns áudios de descontentes. “Mentira é como carvão: quando não queima, suja. Você já está sujo, Malta Jones. Você enganou a mim e várias pessoas dizendo que esse evento não teria nada a ver com políticos. Daí vem seu chefe, o Bob Jeff, e fala que é um evento do PTB. Vocês estão ficando malucos? Usassem o dinheiro do fundo partidário”, disse uma mulher em um dos áudios.
Ela se referia a Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, que esteve na passeata e, do alto do carro de som, contou mais uma de suas histórias rocambolescas: um sniper (atirador de elite) do PCC estaria em um prédio da Avenida Paulista para atentar contra sua vida. Jefferson desceu do carro de som vestido com colete à prova de balas.
Procurada pela piauí, a Secretaria de Segurança Pública informou: “Até o momento, não foi identificado qualquer registro de ocorrência ou investigação em curso sobre os fatos narrados.” Ou seja, Jefferson nem fez boletim de ocorrência sobre a suposta ameaça. À reportagem, Malta mostrou no celular a foto de um homem, sem identificação, que ele diz ser o tal sniper.
Malta não se incomoda com as reclamações dos manifestantes. “Minha responsabilidade não é com meia dúzia de Zé Ruelas”, afirma. “Conseguimos levar um e meio… 1 milhão de pessoas à Avenida Paulista.” A Polícia Militar não faz contagem do número de participantes de manifestações desde o ano de 2013. Havia apenas três quadras cheias de pessoas vestindo verde e amarelo.
Consultor de empresas e professor de aeromodelismo, Malta Jones chegou à política recentemente, pelas mãos do amigo Jefferson. No comando do PTB, está empenhado em agrupar integrantes de movimentos conservadores em diretórios municipais do partido no estado de São Paulo. Ele se refere a si próprio na terceira pessoa e é afável no trato. Há dez anos, usa um colar com um pingente escrito em japonês. “É uma prece que fala de altruísmo.”
“O impossível fez o senhor Malta Jones levar muita gente à Paulista; estou pensando em pessoas, não em partido”, diz ele, na sala de reunião da sede do PTB paulista. “Meu sonho é unir a direita em prol de um país melhor.”
Essa ambição fez com que, em 13 de janeiro do ano passado, ele convidasse dezenas de líderes conservadores para uma reunião no hotel Renaissance, um cinco estrelas na região dos Jardins, em São Paulo. “A direita é mais sofisticada, nem adianta fazer encontro em boteco”, diz.
O objetivo do encontro era definir as principais bandeiras do Projeto União Brasil, todas elas de abrangência nacional, como pedir o impeachment de ministros do STF, e formar líderes políticos, com análise de histórico e currículo, para disputarem eleições. Perguntado se Roberto Jefferson, cujo histórico inclui condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão, passaria no crivo, Malta pensa um pouco e diz que “provavelmente não”. Não chega a ser uma crítica, pois ele é um devoto seguidor de Jefferson. E não está sozinho.
O deputado estadual paulista Douglas Garcia, expulso do PSL e novo integrante do PTB, afirma que o partido decidiu crescer ancorado em bandeiras da direita, como a flexibilização do porte de armas e o combate à “ideologia de gênero”. Garcia é investigado por ter usado seu e-mail institucional na Assembleia Legislativa para criar um “dossiê de antifascistas”. Sobre o passado de Jefferson, o deputado contemporiza. “Ele já pagou um preço, então não sinto desconforto com nada. Nem Cristo agradou todo mundo.”