O que diferencia 5X Favela de iniciativas afins é o fato de o projeto ter obtido meios financeiros adequados para fazer um filme profissional ILUSTRAÇÃO: CAIO BORGES_ESTÚDIO ONZE
De fora, de dentro
O filme 5X Favela – Agora por Nós Mesmos tenta responder à necessidade de revitalizar o cinema brasileiro
Eduardo Escorel | Edição 47, Agosto 2010
Desde a década de 60, povos ou classes sociais tradicionalmente vistos de fora, passaram a ser observados de dentro pelos próprios integrantes. É nesta tradição que se insere 5X Favela – Agora por Nós Mesmos. Resta saber qual o valor disso
O filme 5X Favela – Agora por Nós Mesmos tenta responder à necessidade de revitalizar o cinema brasileiro. Diante da produção recente, é urgente encontrar estratégias alternativas que propiciem filmes de maior qualidade, vigorosos e inovadores, voltados para a sensibilidade e a inteligência do espectador. Mantido o modelo atual, e persistindo os resultados sofríveis alcançados, será difícil justificar por muito tempo os generosos investimentos de recursos públicos que vêm sustentando, nos últimos quinze anos, a realização de filmes no Brasil.
“Intervir com ideias novas e novos modos de fazer” é um dos objetivos do projeto, segundo os produtores Carlos Diegues e Renata de Almeida Magalhães. Para isso, entre outras alternativas possíveis, escolheram voltar às origens, atualizando a experiência do filme de episódios 5X Favela, realizado em 1962, a partir de uma proposta de Leon Hirszman – a quem a nova versão é dedicada.
Como indica o adendo ao título, a principal mudança em relação ao original é o fato de 5X Favela – Agora por Nós Mesmos não ser realizado por jovens de classe média. Os diretores, com idades variando dos vinte e poucos aos trinta e muitos anos, moram em favelas do Rio de Janeiro. Escolhidos entre os participantes de oficinas técnicas organizadas pelos produtores, contaram com a colaboração de profissionais na coordenação dos roteiros, fotografia, montagem e trilha sonora, como ocorreu também no filme de 1962.
Não é nova a ideia de habilitar na técnica e na linguagem cinematográficas quem não tem acesso ao conhecimento e meios necessários para se tornar autor das próprias narrativas. Desde a década de 60, diversas iniciativas procuraram criar condições para inverter o sentido do olhar. Povos ou classes sociais tradicionalmente vistos de fora, passaram a ser observados de dentro pelos próprios integrantes.
O projeto Navajos Filmam a Si Mesmos, propondo “entregar a câmera a outros”, começou em 1966, no Arizona, por iniciativa dos antropólogos Sol Worth e John Adair. Dois anos depois, os operários da Rhodia rejeitaram o filme Até Breve, Eu Espero, de Chris Marker, por considerarem que era incapaz de exprimir o que sentiam, além de não tratar de questões que consideravam fundamentais. Em resposta, Marker disse aos operários que “os filmes que eles queriam, só eles mesmos poderiam fazer”, o que deu origem aos grupos Medvedkine (homenagem ao soviético Alexandre Medvedkine, 1900–89, conhecido como “cineasta do trem”), que realizaram 12 filmes entre 1968 e 1973 na França.
No Brasil, passadas algumas décadas, multiplicaram-se iniciativas de apropriação da técnica e linguagem cinematográficas. Desde o Vídeo nas Aldeias, coordenado por Vincent Carelli a partir de 1987, até outras, nas quais os diretores de 5X Favela – Agora por Nós Mesmos iniciaram sua formação, e cujos nomes falam por si: Cinema de Quebrada, Nós do Morro, Cinemaneiro, Filmagens Periféricas, Oficinas Kinoforum, Central Única das Favelas – partindo em geral do pressuposto de que o chamado registro de dentro seria mais autêntico que o de fora. Para entender determinada realidade seria preciso conhecê-la por experiência própria; só poderia ter um novo olhar quem tivesse origem e vivesse no meio social a ser recriado.
5X Favela – Agora por Nós Mesmos se filia a essa tradição, cujo maior desafio sempre foi demonstrar que há uma mudança efetiva quando o ponto de vista é invertido, deixando de ser de fora, para ser de dentro. A dúvida quanto à ocorrência de alteração se justifica, pois em alguns casos se constata o contrário, ou seja, que o olhar de dentro tende a mimetizar o de fora. A ideologia dominante se impõe, levando a crer que o problema não está tanto na direção do olhar, mas na emancipação de quem olha e na sua criatividade.
O que diferencia 5X Favela – Agora por Nós Mesmos da maioria das iniciativas afins é ter oferecido aos realizadores meios financeiros adequados, além de suporte técnico e logístico, para fazer um filme profissional que pudesse ser exibido em igualdade de condições no circuito comercial. Dessa maneira, a equipe não foi obrigada, como costuma acontecer, a se conformar com meios precários que por si só limitam o alcance do que está sendo realizado. Por outro lado, subjacente ao modelo de produção escolhido está o compromisso de buscar a maior visibilidade possível na mídia, o que pode ter levado os realizadores a trabalharem com o tapete vermelho de Cannes e as luzes do festival de Paulínia na cabeça.
Apesar das dificuldades encontradas para financiar 5X Favela – Agora por Nós Mesmos nas condições desejadas, recursos incentivados e apoios acabaram sendo obtidos junto a algumas das principais empresas que dão suporte ao cinema brasileiro. Entre elas estão o BNDES, OGX, Ambev, Sony Pictures, Rio Filme, Globo Filmes, além da VideoFilmes, da qual o editor de piauí, João Moreira Salles é sócio. Assim, enquadrado no modelo de produção vigente, a feição do projeto parece ter sido alterada, resultando em filme pouco inovador. Corretos e bem comportados, os cinco episódios seguem padrão narrativo convencional. Não teria sido possível serem mais inventivos, buscando uma linguagem que desse identidade própria a 5X Favela – Agora por Nós Mesmos?
Arroz e Feijão, episódio dirigido por Cacau Amaral e Rodrigo Felha, evita temas óbvios, lidando de maneira leve e bem-humorada com peripécias de dois meninos atrás de dinheiro para comprar um frango.
Deixa Voar, dirigido por Cadu Barcellos, trata da guerra entre facções, mostrando o risco que um adolescente corre para recuperar uma pipa ao cruzar a fronteira entre comunidades vizinhas.
Acende a Luz, dirigido por Luciana Bezerra, mostra a precariedade do serviço público prestado à comunidade que ainda assim tem energia para celebrar o Natal com música e dança.
Tráfico de drogas, conivência entre polícia e traficantes, violência, roubo de armas, são temas inevitáveis, aos quais se dedicam Fonte de Renda, dirigido por Manaíra Carneiro e Wavá Novais, e Concerto para Violino, dirigido por Luciano Vidigal. Sendo mais previsíveis, ambos não evitam certos estereótipos.
Às variações de assunto não corresponde diferença sensível na maneira de filmar. Os cinco episódios são visualmente semelhantes, dando impressão – estranha em se tratando de cineastas iniciantes – de cuidado excessivo em fazer filmes bem-feitos, deixando de lado qualquer inquietação formal.
Os sete prêmios recebidos no festival de Paulínia, inclusive os de melhor filme, atribuídos por um júri qualificado e pelo voto popular, indicam, porém, que 5X Favela – Agora por Nós Mesmos pode ter potencial maior para agradar do que as ressalvas feitas acima fariam prever.
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