O homem tende a construir tudo à sua imagem. Mas o modelo animal é mais estável e eficiente apenas na aparência: de fato, é engessado. Em um mundo que requer soluções inovadoras, o futuro precisa tomar para si a metáfora das plantas CRÉDITO: ALESSANDRO MOGGI_PALAZZO STROZZI
Democracias verdes
As plantas podem ensinar aos seres humanos como agir de maneira cooperativa, descentralizada e não hierárquica
Stefano Mancuso | Edição 154, Julho 2019
Tradução de Regina Silva
Uma planta não é um animal. Embora essa afirmação possa parecer a quintessência da banalidade, descobri que é sempre bom lembrá-la. De fato, nossa única ideia de vida complexa e inteligente corresponde à vida animal; e como, inconscientemente, não encontramos nas plantas as características típicas dos animais, nós as catalogamos como passivas (justamente, “vegetais”), negando-lhes quaisquer habilidades típicas de animais, do movimento à cognição. É por isso que, olhando para qualquer planta, devemos sempre lembrar que estamos observando algo construído sobre um modelo totalmente diferente do animal. Um modelo tão diferente que, em comparação a ele, todas as formas alienígenas imaginadas em filmes de ficção científica são apenas engraçadas fantasias de criança.
As plantas não têm nada parecido conosco; são organismos diferentes, uma forma de vida cujo último ancestral comum aos animais remonta a 600 milhões de anos, época em que, emergindo das águas, a vida conquistou a terra. Plantas e animais se separaram, então, para tomar caminhos diferentes. Enquanto os animais se organizavam para se mover em terra, as plantas se adaptavam ao novo ambiente, permanecendo enraizadas no solo e utilizando a emissão inesgotável de luz solar como fonte de energia. A julgar pelo seu sucesso, nunca uma escolha foi tão feliz. Hoje não há ambiente neste planeta que não seja colonizado por plantas, e sua disseminação em relação ao total de seres vivos chega a ser constrangedora. Existem diferentes estimativas – muito variáveis, não é fácil avaliar o peso da vida – sobre a quantidade de biomassa vegetal na Terra, mas nenhuma atribui às plantas uma quantidade inferior a 80%. Em outras palavras, pelo menos 80% do peso de tudo que está vivo na Terra é composto de vegetais. Uma porcentagem que é a medida única e incontestável de sua extraordinária capacidade de afirmação.
A escolha inicial de permanecerem ancoradas ao solo condicionou todas as transformações subsequentes do corpo das plantas, que evoluíram com soluções tão diferentes das dos animais que é quase incompreensível para nós. O resultado é que as plantas não têm rosto, membros ou, em geral, qualquer estrutura reconhecível que as aproxime dos animais, o que as torna praticamente invisíveis. Nós as consideramos uma mera parte da paisagem. Vemos o que entendemos e entendemos apenas o que é semelhante a nós. A alteridade das plantas depende disso.
Mas como o modelo vegetal difere do animal? Quais são as características das plantas que as tornam tão distantes e incompreensíveis? A primeira enorme diferença é que, ao contrário dos animais, elas não têm órgãos únicos ou duplos aos quais as principais funções orgânicas são delegadas. Para uma planta enraizada no solo, sobreviver aos ataques dos predadores é um grande problema. Sem poder escapar como qualquer animal faria, a única possibilidade de sobrevivência é resistir à predação; não se curvar a ela. Fácil de dizer, muito difícil de conseguir. Para realizar esse milagre, é necessário ser construído de forma diferente da dos animais. É necessário não possuir pontos fracos evidentes; ou pelo menos ter um número bem inferior aos dos animais. Ora, justamente, os órgãos são pontos fracos. Se uma planta tivesse um cérebro, dois pulmões, um fígado, dois rins e assim por diante, estaria fadada a sucumbir ao primeiro predador – mesmo minúsculo, como um inseto – que, atacando um desses pontos vitais, afetaria sua funcionalidade. É por isso que as plantas não possuem os mesmos órgãos que os animais, não por serem incapazes de desempenhar as mesmas funções, como alguém seria levado a pensar. Se as plantas tivessem olhos, ouvidos, cérebro e pulmões, ninguém duvidaria de que fossem capazes de ver, ouvir, calcular e respirar. Sem tais órgãos, precisamos de um esforço de imaginação para compreender suas capacidades refinadas.
Em geral, as plantas distribuem por todo o corpo as funções que os animais concentram em órgãos específicos. Descentralização é a palavra-chave. Ao longo dos anos, descobrimos que as plantas respiram com todo o corpo, veem com todo o corpo, sentem com todo o corpo, calculam com todo o corpo e assim por diante. Distribuir todas as funções, tanto quanto possível, é a única maneira de sobreviver à predação, e as plantas têm conseguido fazê-lo tão bem que podem suportar sem problemas a remoção de parte do corpo sem perder a funcionalidade. O modelo vegetal não prevê um cérebro, que desempenha o papel de comando central, nem órgãos simples ou duplos que dependam dele. Em certo sentido, sua organização é a própria marca de sua modernidade: elas têm uma arquitetura modular, cooperativa e distribuída, sem centros de comando, capaz de suportar perfeitamente predações catastróficas e repetidas.
Um caso clássico, representativo da resistência das plantas, é a capacidade de sobreviver a incêndios. De fato, até para combater o fogo, elemento destrutivo por excelência, elas encontraram estratégias brilhantes. Existem plantas que toleram as chamas; algumas são resistentes, outras até ligaram o próprio ciclo vital e reprodutivo aos incêndios recorrentes em áreas de vegetação rasteira; em todos esses casos, a capacidade de combater o poder destrutivo do fogo tem algo de milagroso.
Trago aqui um exemplo, tirado da minha experiência pessoal. Passo as férias de verão em uma área do oeste da Sicília, onde cresce a Chamaerops humilis, ou palmeira-anã, a única de origem europeia. Desde que frequento esses lugares, extensos incêndios muitas vezes devastaram as maravilhosas colinas com vista para o mar, cobertas de prósperas populações de palmeiras-anãs. A destruição ocorre em média a cada dois anos, com surpreendente regularidade (parece que os incendiários observam um programa de destruição bastante rígido…). Apesar desse desastre periódico ao qual não consigo me acostumar, as palmeiras estão sempre lá quando o fogo se apaga; algumas levemente queimadas, outras reduzidas a carvão, outras até incineradas. Em poucos dias, com a humildade esperada de seu nome, começam a produzir novas projeções; brotos em movimento de um verde brilhante – que se destaca em tom ainda mais próximo da esmeralda contra a extensão de cinzas negras – aparecem aqui e ali, surgindo de plantas que jamais se pensaria que se mantiveram vivas. É uma demonstração gritante de resistência à adversidade, resultado da organização das diferentes plantas; uma organização sem paralelo no mundo animal, propiciada precisamente pela ausência de um centro de comando e pela distribuição de funções.
QUEM RESOLVE PROBLEMAS
E QUEM OS EVITA
Muitas das soluções desenvolvidas pelas plantas são exatamente o oposto das produzidas pelo mundo animal. Como em um negativo fotográfico, o que nos animais é branco nas plantas é preto e vice-versa: os animais se movem, as plantas ficam paradas; os animais se alimentam de outros seres vivos, as plantas alimentam outros seres vivos; animais produzem CO2, as plantas fixam CO2; os animais consomem, as plantas produzem, e poderíamos continuar por muito tempo essa comparação. Entre as muitas antinomias que os distinguem, a que considero decisiva é justamente a menos conhecida: o contraste entre concentração e distribuição que acabamos de citar.
Sem dúvida, a típica centralização dos sistemas animais garante maior rapidez no processo decisório. Entretanto, se responder de maneira rápida pode, em muitos casos, ser uma vantagem para um animal (mas, tenha cuidado, em outros, não: respostas ponderadas sempre exigem tempo), a velocidade é um fator marginal na vida vegetal. O que importa para elas não é tanto responder rápido, mas responder bem, de forma a resolver os problemas. À primeira vista, parece arriscado, ou mesmo irracional, afirmar que as plantas são capazes de encontrar soluções melhores que as dos animais. No entanto, estamos realmente certos quanto à superioridade dos animais na resolução de problemas?
Estudando o tema com cuidado, percebe-se que os animais respondem às mais diversas tensões utilizando sempre a mesma solução, uma espécie de moldura para enfrentar qualquer emergência. Essa reação milagrosa tem um nome: movimento. Uma resposta poderosa, como um bom trunfo que resolve tudo. Qualquer que seja o problema, os animais o resolvem movendo-se. Se não há alimento, vai-se aonde pode ser encontrado; se o clima ficar muito quente, muito frio, muito úmido ou muito seco, migra-se para onde as condições são mais adequadas; se os competidores aumentam em número ou se tornam cada vez mais agressivos, muda-se para novos territórios; se não houver parceiros com que possa reproduzir, move-se para encontrá-los. A lista é longa; poderia conter até mil emergências, para as quais há sempre apenas uma solução, escapar. Entretanto, a rigor, isso não é uma solução, no máximo, é uma maneira de evitar a dificuldade. Os animais, portanto, não resolvem problemas; de maneira mais eficiente, eles os evitam, e tenho certeza de que cada um de nós poderia enriquecer a lista de casos que apoiam essa afirmação com inúmeras experiências pessoais.
Como o movimento é um recurso crucial para os animais – mesmo em situações perigosas, o voo é a resposta típica –, a evolução tem trabalhado implacavelmente, por centenas de milhões de anos, para refinar essa capacidade para que funcione da melhor forma, rapidamente e sem contratempos. Nessa perspectiva, uma organização hierárquica do próprio corpo, com um comando central ao qual cada decisão é confiada, é o melhor que se pode esperar.
Para os vegetais, no entanto, a questão da velocidade é irrelevante. Mesmo que o ambiente em que uma planta vive se torne frio, quente ou cheio de predadores, a velocidade da resposta animal não tem significado para ela. Muito mais importante é encontrar uma solução eficaz para o problema; algo que lhe permita sobreviver apesar do calor, do frio ou da presença de predadores. Para ter sucesso nessa tarefa difícil, é preferível uma organização descentralizada. Como veremos, isso permite respostas mais inovadoras e, estando literalmente enraizada, um conhecimento muito mais refinado do ambiente.
A fim de formular respostas corretas, é essencial coletar dados exatos. As plantas, devido à escolha de serem enraizadas, desenvolveram uma sensibilidade excepcional. Sem poder escapar do meio ambiente, sobrevivem apenas porque conseguem sempre, e com grande refinamento, perceber uma multiplicidade de parâmetros químicos e físicos, como luz, gravidade, elementos minerais disponíveis, umidade, temperatura, estímulos mecânicos, estrutura do solo e composição dos gases atmosféricos. Em cada caso, a força, a direção, a duração, a intensidade e as características específicas do estímulo são discriminadas separadamente pela planta. Mesmo os sinais bióticos (isto é, devido a outros seres vivos), como a proximidade ou o afastamento de outras plantas, a identidade de tais seres e a presença de predadores, simbiontes ou patógenos, são todos fatores de estresses, de natureza às vezes complexa, que a planta não para de registrar e aos quais ela sempre responde de forma adequada. Essa é mais uma confirmação de que associar a ideia de vegetal à falta de sensibilidade é uma enorme estupidez.
Assim, enquanto os animais reagem com movimento às transformações do ambiente que os rodeia, evitando mudanças, as plantas respondem a um contexto em mutação contínua com a adaptação.
ENXAMES DE RAÍZES E INSETOS SOCIAIS
Há um mistério que ainda precisa ser esclarecido: como as plantas sobrevivem sem o cérebro, órgão que está na base de toda resposta animal? Que sistemas elas usam no lugar dele? E, de maneira mais geral, como elas reagem às demandas constantes do ambiente, encontrando soluções acertadas? A resposta requer uma exposição bem articulada, que parte do órgão mais importante para os seres enraizados: justamente as raízes.
O sistema radicular é, sem dúvida, a parte mais importante da planta. É uma rede física cujas extremidades formam uma frente que avança continuamente, composta de inúmeros centros de comando minúsculos, e cada um deles integra as informações reunidas durante o desenvolvimento da raiz e decide em qual direção crescer. É, portanto, todo o sistema radicular que guia a planta, como uma espécie de cérebro coletivo, ou melhor, de inteligência distribuída em uma superfície que pode ser enorme. À medida que cresce e se desenvolve, cada raiz adquire informações fundamentais para a nutrição e a sobrevivência das plantas. Essa frente pode alcançar dimensões verdadeiramente impressionantes. Uma unidade de centeio é capaz de desenvolver centenas de milhões de ápices.[1] Um dado extraordinário e, ainda, insignificante quando comparado ao sistema radicular de uma árvore adulta; a esse respeito, não temos dados confiáveis, mas sem dúvida trata-se de vários bilhões de raízes. Sabe-se que, em um único centímetro cúbico de solo florestal, foram contados mais de mil ápices, mas não temos estimativas realistas de quantos ápices de uma árvore adulta há em um ambiente natural. A falta de dados diz muito sobre as dificuldades encontradas no estudo dessa parte oculta das plantas. Até hoje, a falta de técnicas ou de ferramentas capazes de registrar os movimentos das raízes é o maior obstáculo ao progresso da pesquisa sobre o comportamento vegetal. Para adquirir certo conhecimento, de fato, seriam necessários sistemas de análise não invasivos e contínuos da imagem tridimensional de todo o sistema radicular; sistemas que ainda estão por vir.
Apesar das limitações técnicas, nos últimos anos o estudo das raízes revelou aspectos inesperados do seu funcionamento, por exemplo, no que diz respeito aos mecanismos e modelos utilizados por elas na exploração do solo. Esses procedimentos se mostraram tão eficientes que foram estudados como modelo para a construção de novos robôs. Na ausência de mapas predefinidos ou de pontos de orientação, a exploração de ambientes desconhecidos não é uma tarefa para instrumentos dotados de organização centralizada. Pelo contrário, um sistema descentralizado, composto de vários pequenos “agentes” exploradores que operam em paralelo, consegue sondar o solo de maneira mais eficiente que um único robô, mesmo que ele seja muito sofisticado.
Como no caso que acabamos de descrever, nos últimos anos cada vez mais confiamos no estudo de soluções encontradas na natureza para responder a problemas tecnológicos. E não me refiro apenas ao mundo vegetal. Numa perspectiva bioinspirada, os insetos sociais são um bom exemplo de organismos capazes de patrulhar coletivamente espaços desconhecidos – portanto, modelos e inspiração direta.
Muitos animais que agem em grupos mostram um comportamento especial. É o caso dos enxames de insetos ou dos bandos de pássaros, que, em interações relativamente simples, parecem agir como um único organismo. Comportamentos coletivos semelhantes tornaram-se um campo de pesquisa cada vez mais importante; não apenas pelos conhecimentos básicos adquiridos sobre o funcionamento dos grupos, mas também pelas possibilidades práticas que se abrem, permitindo que os mesmos sistemas sejam aplicados às mais variadas soluções tecnológicas. A vantagem que produz é dupla: tais estruturas são, por um lado, particularmente estáveis (na verdade, sem um verdadeiro centro de cálculo ou comunicação, elas podem suportar tensões de vários tipos); por outro, são fáceis de projetar e de operar porque se baseiam, até mesmo para o desenvolvimento de comportamentos aparentemente muito complexos, em regras simples para transmitir informações entre cada agente explorador.
Pois bem, durante muito tempo pensou-se que esses coletivos (enxames, bandos, rebanhos etc.) eram formados apenas por animais. No entanto, em um nível mais abstrato, qualquer conjunto de agentes individuais que decidem de maneira independente que não possuem uma organização centralizada, usam regras simples para se comunicar e agem coletivamente se assemelha a esse tipo de comunidade. E esse também é o caso das plantas, cuja estrutura modular pode ser equiparada a uma colônia de insetos.
Considerar a planta uma colônia de partes modulares não é uma ideia nova. Na Grécia antiga, o filósofo e botânico Teofrasto observou que “a repetição é a essência da planta”, enquanto no século XVII ilustres botânicos como Erasmus Darwin e o escritor Johann Wolfgang von Goethe (sim, aquele das “afinidades eletivas”) acreditavam que as árvores deveriam ser consideradas colônias de módulos que se repetem. Mais recentemente, o botânico francês Francis Hallé descreveu as plantas como organismos metamórficos cujo corpo é constituído por um conjunto de partes unitárias, de modo que a recorrência dos módulos e a repetição dos níveis hierárquicos em um sistema radicular permitiram estudar as raízes com os métodos típicos da análise fractal.
Assim, observando o comportamento de um sistema de raízes envolvido na exploração do solo, percebe-se que, mesmo na ausência de um sistema nervoso central, seu modelo de crescimento não é de todo caótico; na verdade, é perfeitamente coordenado e projetado para a tarefa que deve executar. As raízes têm, por exemplo, uma capacidade surpreendente de perceber gradientes muito fracos de oxigênio, de água, de temperatura e, em geral, de nutrientes e de acompanhá-los até a fonte com grande precisão. Como elas são capazes de fazê-lo sem se desviarem das variações locais, muito comuns, no entanto, permanece um mistério.
Assim, há alguns anos, com o colega František Baluška decidi estudar as raízes como um organismo coletivo, considerando-as um bando de pássaros ou uma colônia de formigas. Essa abordagem provou ser muito eficaz, confirmando que a estrutura do sistema radicular e a maneira como ele sonda o terreno e explora seus recursos podem ser descritas com grande precisão usando padrões comportamentais de enxames, semelhantes àqueles adotados para o estudo de insetos sociais. Para uma única formiga, a navegação seguindo um gradiente muito pequeno é uma tarefa quase impossível. Qualquer variação local nesse dado, de fato, levaria o inseto a se perder sem a possibilidade de encontrar uma solução. No entanto, agindo coletivamente, uma colônia supera com facilidade esse obstáculo, pois funciona como uma grande matriz integrada de sensores que processam continuamente as informações recebidas do ambiente. Descobrimos assim que, como em uma colônia de formigas, os ápices das raízes agem todos juntos, minimizando o distúrbio decorrente de flutuações locais.
E, da mesma forma que em uma colônia de insetos, também é muito provável que o protocolo de transmissão de informação entre um ápice radicular e outro – ou seja, entre agentes autônomos diferentes – tenha por base a estigmergia. Esse termo refere-se a uma técnica típica de sistemas sem controle centralizado, que adota as mudanças do ambiente como ferramenta de comunicação. Exemplos típicos de estigmergia têm sido observados na natureza no caso de formigas ou cupins, que, movidos por traços químicos de feromônios, executam trabalhos maravilhosamente complexos, como a criação de ninhos com arcos, pilares, compartimentos e rotas de fuga a partir de simples bolinhas de lama. A estigmergia, no entanto, não funciona apenas para insetos, e até mesmo a comunicação pela internet, com mensagens deixadas pelos usuários em um ambiente compartilhado, lembra muito esse método de comunicação.
As plantas são, portanto, organismos capazes de usar as propriedades surgidas a partir das interações entre grupos para responder aos problemas e adotar soluções até mesmo muito complexas. Além disso, essa capacidade, devido à organização distribuída e à ausência de níveis hierárquicos, é tão eficaz que está presente em quase toda parte na natureza, incluindo inúmeras manifestações do comportamento humano.
ATENIENSES, ABELHAS, DEMOCRACIA E MÓDULOS VEGETAIS
Como muitos sabem, o termo democracia vem do grego (krátos do démos, ou “domínio do povo”) e descreve com paixão e precisão aquela maravilhosa transformação na gestão do poder que Atenas deu à humanidade por volta de 500 a.C. e que desde então é a pedra angular sobre a qual se edificou a nossa civilização. Talvez menos conhecido seja o fato de que, desde então, o próprio conceito de democracia e, portanto, o sistema pelo qual o povo manifesta seu poder, foi muito transformado. A tal ponto que, se um ateniense do período clássico acordasse hoje em qualquer país “democrático” do mundo, teria grande dificuldade em reconhecer até mesmo afinidades com o sistema de governo ao qual estava acostumado.
O corpo soberano da democracia ateniense consistia na chamada assembleia (ecclesía), formada por todos os cidadãos maiores de dezoito anos de idade. Suas decisões, tomadas por maioria, tinham valor definitivo nas atividades legislativas e governamentais. Em resumo, a democracia ateniense era direta, sem intermediários na administração do poder. Uma diferença enorme em comparação aos sistemas aos quais estamos acostumados e que mais corretamente levam o nome de democracia representativa.
Se é melhor gerenciar diretamente o poder ou se é mais eficiente delegar o ônus de fazer escolhas aos representantes tem sido objeto de discussões acaloradas desde os tempos antigos. Em Protágoras, por exemplo, Platão descreve um Sócrates fortemente crítico em relação à capacidade do povo, sem conhecimento adequado, de decidir sobre questões da vida pública. A respeito do tema, diz Sócrates:
Mas vejo que, quando nos reunimos na assembleia e a cidade tem que deliberar sobre a construção de um edifício, os arquitetos são chamados como conselheiros, e, quando se trata de navios, chamam os construtores navais, e assim por diante para todas as outras coisas que eles acreditam que podem aprender e ensinar; e se alguém que eles não consideram um especialista tenta dar conselhos, mesmo que seja belo, rico e nobre, não lhe dão atenção, mas riem e assobiam na cara dele, até que pare espontaneamente de tentar dar conselhos, ou os arqueiros o levam embora e o expulsam por ordem dos prítanes. No que diz respeito às coisas segundo a opinião deles, são baseadas na Arte, portanto os atenienses se comportam assim; em vez disso, quando se trata de decidir sobre algo relativo à administração da cidade, ouvem conselhos do arquiteto, do ferreiro, do sapateiro, do comerciante, do armador, dos ricos, dos pobres, dos nobres, dos plebeus, indiferentemente, e ninguém os responsabiliza por isso, como acontecia com os de antes, porque, sem ter aprendido com ninguém e sem ter sido aluno de ninguém, eles também tentam dar conselhos. Está claro, portanto, que os atenienses não acreditam que a capacidade de administrar a cidade possa ser ensinada.
O raciocínio de Sócrates – contrário ao princípio de que o povo ateniense tenha a última palavra sobre tudo o que diz respeito à vida da pólis – ressoará em todas as críticas à administração direta do poder pelo povo, pelo modo como ela foi incorporada desde os tempos do esplendor ateniense até hoje. Mesmo o fato de a democracia direta ter determinado o período talvez mais fecundo da história da humanidade é tido como um detalhe marginal pelos detratores desse sistema. Os defensores das oligarquias (mesmo aqueles contemporâneos a nós) consideram, no entanto, mais interessantes e eficazes os argumentos que definem como “naturais”: em resumo, argumenta-se frequentemente que a formação de hierarquias – em palavras simples, a lei do mais forte ou da floresta – é inerente à natureza. De leis como essas, embora desagradáveis, não poderíamos escapar. Em Górgias, outro famoso diálogo de Platão, Cálicles afirma que “a lei é feita pelos fracos e para eles. Mas a própria natureza mostra que, para sermos justos, aquele que vale mais deve prevalecer sobre aquele que vale menos, o capaz sobre o incapaz”.
Uma questão de tal complexidade, é claro, não se coloca exatamente nesses termos. É preciso limpar do terreno um lugar-comum equivocado: na natureza, são raras as hierarquias, entendidas como indivíduos ou grupos, que decidem pela comunidade. Nós as vemos em toda parte porque olhamos para a natureza com os olhos de seres humanos. Mais uma vez, nossos olhos só veem o que parece ser semelhante a nós e ignoram tudo o que é diferente de nós.
Não apenas as oligarquias são raras, as hierarquias, imaginárias e a chamada lei da floresta, um reles disparate; o mais relevante é que estruturas como essas não funcionam bem. Na natureza, grandes organizações distribuídas, sem centros de controle, são sempre as mais eficientes. Os recentes avanços da biologia no estudo dos comportamentos grupais indicam, sem sombra de dúvida, que as decisões tomadas por um grande número de indivíduos são quase sempre melhores que as adotadas por poucos. Em alguns casos, a capacidade dos grupos de resolver problemas complexos é surpreendente. A ideia de que a democracia é uma instituição contrária à natureza, portanto, permanece apenas como uma das mais sedutoras mentiras inventadas pelo homem para justificar a sua antinatural sede de poder individual.
Consideremos as comunidades animais. Continuamente, elas devem tomar decisões sobre qual direção seguir, quais atividades iniciar ou como implementá-las. Quais são seus padrões comportamentais nesses casos? As decisões são confiadas à iniciativa de um ou de alguns, de acordo com o esquema descrito por Larissa Conradt e T. J. Roper como “despótico”, ou são compartilhadas pelo maior número possível de indivíduos, de acordo com um modelo “democrático”? No passado, a maioria dos estudiosos teria respondido sem hesitação: as decisões no mundo animal são responsabilidade exclusiva de um ou de alguns membros.
A razão banal sobre a qual se baseava a certeza dessa resposta dependia do fato de que a possibilidade de tomar decisões democráticas geralmente está ligada a duas habilidades: votar e saber contar os votos, características não exatamente óbvias em animais não humanos. Tanto que, até recentemente, devido a esse obstáculo intransponível, qualquer raciocínio sobre possíveis mecanismos de decisão em grupo em outras espécies diferentes do homem era considerado impossível. Nos últimos anos, no entanto, a identificação de movimentos corporais específicos, emissões sonoras, posições no espaço, intensidade de sinal e mais uma miríade de meios de comunicação não verbais abriram perspectivas inimagináveis em relação à capacidade dos animais de tomar decisões em grupo.
Em 2003, os já citados Conradt e Roper publicaram um estudo sobre os métodos com os quais os animais implementam escolhas compartilhadas. É um trabalho esclarecedor. Os dois autores reiteram que as decisões em grupo são a norma para o mundo animal e identificam no mecanismo “democrático” de participação o método mais frequente de tomá-las. Ao contrário do modo “despótico”, de fato, o mecanismo democrático assegura custos mais baixos para os membros da comunidade. Mesmo quando o “déspota” é o indivíduo mais experiente, se o grupo é suficientemente grande, a prática democrática garante melhores resultados. Resumindo, a participação na tomada de decisões é o sistema que a evolução mais recompensa; as escolhas de grupo respondem melhor às necessidades da maioria dos membros da comunidade, até mesmo em relação àquelas de um “líder esclarecido”. Como escrevem Conradt e Roper, “as decisões democráticas são mais benéficas para o grupo, pois tendem a produzir decisões menos extremas.”
Para entender melhor as dinâmicas do comportamento em uma estrutura animal, tomemos as abelhas como um exemplo concreto. Sua predisposição para agir de maneira social é tão mencionada que, desde a Antiguidade – e bem antes que expressões como “inteligência de enxame” ou “inteligência coletiva” fossem imaginadas –, ficou claro para quem estudasse as abelhas como sua colônia é algo muito mais complexo do que a simples soma dos diferentes indivíduos que a compõem. As abelhas, de fato, mostram uma organização que, em seu mecanismo básico, lembra o funcionamento do cérebro, com um único indivíduo desempenhando o papel do neurônio. Essa semelhança ocorre sempre que o enxame tem que tomar decisões, como no caso da formação de uma colônia-filha.
Quando uma colmeia excede certo tamanho, é necessário que a colônia-mãe se separe para criar uma nova. Então uma abelha-rainha, acompanhada por cerca de 10 mil operárias, sai em busca de um lugar para fundar a nova colmeia. As abelhas migrantes voam, viajam até se afastarem bastante da colmeia-mãe, param por alguns dias em uma árvore e fazem algo surpreendente. Algumas fêmeas vasculham os arredores e voltam com informações sobre as diferentes possibilidades. Tem início, então, um verdadeiro debate democrático, no estilo ateniense clássico.
Como escolher entre muitos o melhor lugar para estabelecer a nova colônia? Usando o sistema que evoluiu, várias vezes e nas mais diversas circunstâncias, para tomar decisões: os grupos. A natureza mostra milhares e milhares de exemplos de comportamento coletivo; sistemas sem um centro de controle estão em toda parte. Embora não tenhamos consciência disso, até as decisões individuais (aquelas que pertencem a cada um de nós) são tomadas coletivamente: os neurônios do cérebro, que produzem pensamentos e sentimentos, funcionam da mesma forma que as abelhas que precisam determinar qual é o melhor lugar para sua casa nova. Em ambos os sistemas, o método de escolha consiste essencialmente em uma competição entre as diferentes opções. A que obtém o consenso mais amplo prevalece, seja ela determinada por neurônios que produzem sinais elétricos ou por insetos dançantes.
Mas não percamos de vista as abelhas. Nós as deixamos esperando em uma árvore, enquanto algumas exploradoras avaliavam as diferentes opções. E agora elas retornam para relatar as características dos locais visitados para o enxame. O relatório é bastante teatral, pois se trata de uma dança; o grau de complexidade do balé será proporcional a quanto a exploradora tenha considerado agradável o local de onde ela acabou de voltar. A essa altura, outras abelhas, atraídas pela qualidade da dança, vão visitar o local em questão e, ao retornarem, juntam-se ao balé de propaganda. Em síntese, formam-se grupos de abelhas dançantes cada vez maiores; os locais mais divulgados também serão os mais visitados, e gradualmente o número de apoiadoras aumentará. Um balé irresistível interessará às diversas companhias de dança, representando os diferentes locais; no final, o que tiver convencido mais abelhas será escolhido para a colmeia se instalar. A rainha, com seu enxame, seguirá na direção estabelecida pelo grupo maior.
Em todos esses casos, a exploração das abelhas, as ativações neuronais ou as decisões da ecclesía ateniense, o vencedor da competição é o que obtém o maior número de consentimentos dos membros de sua comunidade. Além disso, um número crescente de estudos sobre o comportamento de grupos, conduzidos em organismos vivos que variam de bactérias a seres humanos (obviamente incluindo plantas), parece convergir para uma conclusão que me parece de grande importância: existem princípios gerais que governam a organização de grupos de modo a possibilitar o surgimento de uma inteligência coletiva superior à dos indivíduos que os compõem. Se vocês ainda ouvirem o clichê banal segundo o qual a lei do mais forte se aplica à natureza, saibam que isso é um absurdo: na natureza, tomar decisões compartilhadas é a melhor garantia para resolver corretamente problemas complexos.
O TEOREMA DO JÚRI
Como já disse, há uma semelhança surpreendente entre as abelhas envolvidas em decidir qual é o local mais adequado para estabelecer uma nova colmeia e os neurônios do cérebro humano ocupados em considerar as alternativas de um problema. Tanto os enxames quanto o cérebro estão organizados de tal maneira que, embora cada unidade – abelha ou neurônio, não faz diferença – tenha as informações mínimas e inteligência individual, o grupo como um todo é capaz de tomar decisões corretas. Em ambos os casos, a escolha é feita por meio de uma verdadeira votação democrática entre os membros do grupo. O maior número de abelhas que visitaram um local, ou o maior número de neurônios que produziram sinais elétricos, tomará a decisão final. Isso significa, vamos nos lembrar, que até as opções pessoais são o resultado de um processo de escolha democrática, como acontece em toda parte na natureza. O fato de se desenvolverem sistemas semelhantes em situações em que há coletivos atesta a existência de princípios gerais de organização que tornam os grupos mais inteligentes do que os indivíduos mais inteligentes que os compõem.
Em 1785, Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, marquês de Condorcet, renomado economista, matemático e revolucionário francês, elaborou uma teoria sobre as probabilidades de que um determinado grupo de indivíduos adote uma decisão correta. É o chamado teorema do júri, segundo o qual conforme o número de jurados aumenta, cresce a probabilidade de que o grupo decida da maneira correta. Segundo Condorcet, portanto, a eficácia de um júri é diretamente proporcional ao número de membros, se forem pelo menos hábeis e competentes. Em resumo: em um grupo que lida com a resolução de um problema, as chances de alcançar a melhor solução aumentam conforme o seu tamanho.
Pareceria apenas uma transposição matemática banal do conhecido ditado “duas cabeças pensam melhor que uma” e, em vez disso, foi o começo de uma revolução. Condorcet elaborara sua reflexão para dar uma base sólida aos processos de decisão democrática relacionados à política; no entanto, seu teorema mostrou-se de fato ser muito mais, constituindo a fundamentação teórica para todos os estudos posteriores sobre inteligência coletiva. Essa mesma inteligência que nasce da interação de grupos, que já vimos agindo em raízes e em insetos e que também é a matriz do funcionamento do cérebro.
Qualquer grupo humano, de famílias a empresas, de equipes esportivas a exércitos, experimentou essa prerrogativa. Hoje, graças ao compartilhamento garantido pela internet, a humanidade está se tornando toda interconectada. O que vai se desenvolver a partir da união de tantas pessoas? A conexão global representa um novo estágio de evolução e pode permitir que nossa espécie adquira novas e inimagináveis capacidades. Grupos interligados de pessoas e computadores já estão gerando novas possibilidades nos mais diversos campos: a escrita de códigos de software, a solução de problemas de engenharia, a identificação de pessoas que mentem, a criação de enciclopédias… A lista de casos para os quais se recorre à inteligência coletiva aumenta dia a dia.
Por inteligência coletiva, portanto, entendemos a capacidade dos grupos de alcançar resultados superiores aos obtidos com decisões individuais, sobretudo na resolução de problemas complexos; um princípio cujas possibilidades de aplicação são muito promissoras. Recentemente, uma equipe de trabalho, coordenada por Max Wolf (não por acaso um especialista em comportamento coletivo) do Instituto Leibniz, em Berlim, publicou os resultados de uma pesquisa detalhada com grupos médicos especialistas sobre a capacidade de diagnosticar, com certeza, o câncer de mama com base em radiografias. É uma tarefa que normalmente prevê em torno de 20% de falsos positivos e 20% de falsos negativos.[2] Wolf mostrou que as equipes médicas, usando ferramentas típicas de inteligência coletiva, como a votação majoritária com quórum, obtêm resultados de diagnóstico melhores do que os dos médicos mais prestigiados do grupo individualmente.
Capacidades análogas também foram usadas recentemente na solução de problemas científicos, com resultados inesperados em diferentes campos (como a estrutura das proteínas ou as propriedades dos nanomateriais). Em abril de 2016, alguns físicos dinamarqueses da Universidade de Aarhus mostraram que, a partir das capacidades de dezenas de milhares de jogadores de games online, é possível resolver problemas de física quântica cujas soluções vinham sendo buscadas havia décadas.
O que acontecerá, então, nos próximos anos se aprendermos cada vez mais a explorar o poder dos grupos? Estamos apenas no começo de uma revolução que tem muito a nos ensinar sobre a verdadeira natureza da inteligência, e isso sempre envolverá agrupamentos maiores de indivíduos na resolução de problemas e na realização de objetivos que são impossíveis de alcançar hoje em dia.
O JOGO DUPLO DA LÓGICA
Não é fácil reconhecer que a maioria dos seres vivos toma decisões, resolve problemas e se adapta a condições em constante mudança sem ter um cérebro. No entanto, as plantas o fazem, contando com mecanismos de inteligência distribuída tão eficientes que são adotados até pela maioria (se não a totalidade) dos seres vivos, incluindo os humanos. O fato de terem cérebro ou não é irrelevante para esse propósito.
Pode parecer estranho, mas muitas das decisões que tomamos não resultam de raciocínio nem de lógica, como gostamos de pensar, mas, sim, de mecanismos semelhantes aos descritos aqui. Nós os chamamos de instintos e, embora sejam a base de nossas escolhas, tendemos a removê-los porque não queremos reconhecer que eles afetam nossas atividades. Gostamos de nos imaginar como seres da razão pura, guiados por uma inteligência que admite apenas as leis cristalinas da lógica. Todas as evidências experimentais, no entanto, dizem o contrário. Quantas vezes, em discussões acaloradas sobre a inteligência das plantas, diante de comportamentos inequívocos, eu ouvi dos meus interlocutores: “Mas essas respostas que o apaixonam são todas obrigatórias, instintivas, e não o resultado do raciocínio e da lógica, o único sinal verdadeiro de inteligência.” Gostamos de acreditar que analisamos logicamente os fatos antes de tomar decisões, que somos cuidadosos, reflexivos e analíticos e que respondemos aos problemas de maneira pensada, mas na realidade não é bem assim: a maioria de nossas atividades é inconsciente e baseada em processos alheios a qualquer racionalidade. Para mostrar isso, volto no tempo e apresento breves textos de duas grandes figuras do mundo anglo-saxão nos séculos XVIII e XIX.
Em 1779, Jonathan Williams escreveu ao tio-avô Benjamin Franklin pedindo-lhe conselhos sobre como se comportar diante de determinada questão. A carta de resposta de Franklin é frequentemente citada como um baluarte do pensamento racional. Aqui está, em seus principais pontos:
Passy, 8 de abril de 1779
Querido Jonathan, muito trabalho, muitas interrupções de amigos e as consequências de uma pequena indisposição causaram o atraso com que respondo às suas últimas cartas. […] não sei aconselhá-lo sobre a proposta do sr. Monthieu. Siga seu julgamento. Se tiver alguma dúvida, anote em uma folha de papel todos os aspectos favoráveis e todos os contrários, em colunas opostas, e depois de tê-los considerado por dois ou três dias, realize uma operação semelhante à de alguns problemas de álgebra; observe quais razões ou justificativas em cada coluna têm igual peso, uma com uma, uma com duas, duas com três e assim por diante; e, quando você eliminar todas as igualdades dos dois lados, verá em qual coluna resta o excedente. […] tenho praticado esse tipo de álgebra moral em situações importantes e duvidosas e, embora não possa ser considerado matematicamente exato, achei muito útil. A propósito, se você não aprendê-la, acredito que nunca vai se casar.
Sempre seu, o tio afeiçoado,
Benjamin Franklin
Uma das aplicações mais famosas dessa álgebra moral, ou jogo duplo da razão, encontramos nos cadernos de Charles Darwin. Na verdade, não faço ideia se ele conhecia a formulação de Franklin ou não; ele certamente conhecia muitas das contribuições do norte-americano para o avanço da ciência e da tecnologia, mas acho improvável que tenha lido suas cartas particulares. No entanto, a coincidência é fascinante: o problema que angustiou Darwin meio século depois foi justamente se deveria se casar ou não. O desfecho da carta de Franklin parece ter sido escrito especialmente para o naturalista inglês. Em todo caso, conhecendo ou não o “método Franklin”, em 7 de abril de 1838, Charles Darwin, aos 29 anos, em uma folha dividida em duas colunas, “Casar” e “Não casar”, escreveu uma lista detalhada de prós e contras o casamento. É a seguinte:
CASAR
. Crianças (se Deus quiser).
. Uma companheira fiel (amiga na velhice) que se interessa por mim.
. Objeto de amor e diversão.
. De qualquer forma melhor que um cachorro.
. Uma casa e alguém para cuidar dela.
. A música e a linguagem feminina.
. Essas coisas são boas para a saúde, mas são uma terrível perda de tempo.
. Mas, Deus, é intolerável pensar em empregar toda uma vida, como uma abelha-operária, para trabalhar, trabalhar, trabalhar e, no final, nada. Não, não, está errado. Imagine viver toda a vida sozinho em uma casa suja e enfumaçada em Londres. Em vez disso, pense em uma esposa doce e terna, um sofá, uma bela lareira, livros e talvez música. Comparar essa visão com a suja realidade de Great Marlborough Street [onde viveu Darwin, no nº 36].
. Casar, casar, casar.
NÃO CASAR
. Liberdade para ir aonde quiser.
. Conversar com homens inteligentes no clube.
. Não precisar visitar parentes e ceder a qualquer bobagem.
. Não ter preocupações econômicas ou ansiedades sobre filhos.
. Talvez brigas e perda de tempo.
. Não poder ler à noite.
. Gordura e ócio.
. Ansiedade e responsabilidade.
. Menos dinheiro para comprar livros.
. Se muitos filhos, a obrigação de ganhar o pão (também é verdade que faz mal à saúde trabalhar muito).
. Talvez minha esposa não goste de Londres. Então a sentença seria exílio e rebaixar-se a ser um idiota preguiçoso e indolente.
Vocês acham que ter identificado em detalhes os diferentes aspectos do problema, tê-los listado mais ou menos em ordem de importância nas duas colunas e identificado “o excedente” ajudou Darwin a fazer sua escolha? E qual vocês acham que foi? Olhando para as duas colunas, é difícil apoiar as razões para se casar. Um maior número de elementos e de maior peso parece estar na coluna dos argumentos contrários. No entanto, como bilhões de outros seres humanos antes dele, apesar das dúvidas e das aplicações da álgebra racional, menos de seis meses depois de ter feito essa lista, Darwin se casou, entusiasmado, com a graciosa, culta e rica Emma Wedgwood, sua prima. Resultado: dez filhos e um casal que, a julgar pela correspondência e pelos depoimentos da época, foi muito feliz.
Embora cada um de nós acredite que as decisões ponderadas racionalmente – tomadas após ter examinado todas as informações disponíveis e avaliar todos os prós e os contras – são as melhores, porque garantem maior probabilidade de se alcançar o resultado esperado, na realidade, a maioria das decisões depende de regras diferentes. Não irracionais, mas de uma racionalidade diferente daquela que santificamos todos os dias idealizando o pensamento lógico; a racionalidade que partilhamos com as plantas, fruto da experiência evolutiva, e não do escrutínio cuidadoso do glorificado córtex cerebral.
COOPERATIVOS COMO
AS PLANTAS
Estados, arquivos, modelos políticos, gestão empresarial, ferramentas, organizações lógicas: o homem tende a construir tudo à sua imagem; ou melhor, com base na imagem parcial que tem de si mesmo (porque, numa verificação mais minuciosa, até o cérebro trabalha de forma descentralizada e não hierárquica), perdendo a possibilidade de explorar o enorme potencial criativo e inovador que poderíamos desenvolver por influência de estruturas e organizações distribuídas, como as do mundo vegetal. Em toda sociedade, as burocracias, inerentes à hierarquia, estão crescendo exponencialmente. É um mau sinal, acreditem em mim. Eu vi meu país, a Itália – cujo nome já foi sinônimo de inspiração e fantasia –, atolar-se na lama da hierarquia e de seu braço armado, a burocracia, até impedir qualquer possibilidade de mudança ou de inovação. Assim, as sociedades declinam sob o peso de sua própria organização rígida, o que impede a flexibilidade necessária para enfrentar um ambiente em constante mudança.
Portanto, o modelo animal é mais estável e eficiente apenas na aparência: na realidade, é engessado. Toda organização na qual a hierarquia confia a poucos a tarefa de decidir por muitos está inexoravelmente destinada a fracassar, sobretudo em um mundo que requer acima de tudo soluções diferentes e inovadoras. O futuro precisa tomar para si a metáfora das plantas. As sociedades que no passado se desenvolveram graças a uma rígida divisão funcional do trabalho e a uma estrita estrutura hierárquica devem, no futuro, estar ao mesmo tempo ancoradas no território e descentralizadas, deslocando o poder decisório e as funções de comando para as várias células de seu corpo e transformando-se de pirâmides em redes distribuídas horizontalmente.
A revolução já está em curso, mesmo que não tenhamos nos dado conta disso. Por causa da internet, os casos de organizações não hierárquicas e distribuídas, semelhantes às estruturas das plantas, multiplicam-se, ganham apoio e, acima de tudo, produzem excelentes resultados. A Wikipédia é um excelente exemplo de como uma organização vegetal pode ser estruturada: graças à contribuição de milhões de colaboradores, ela conseguiu o empreendimento aparentemente miraculoso de produzir uma enciclopédia enorme, difusa e acima de tudo exata, sem qualquer forma de organização hierárquica e sem incentivo financeiro. Estamos falando de uma enciclopédia que, no final de 2016, continha 5 315 802 artigos apenas na edição em inglês, o equivalente a mais de 2 mil volumes impressos da Enciclopédia Britânica. Se considerarmos as edições em diferentes idiomas, a Wikipédia possui mais de 38 milhões de verbetes, o equivalente a mais de 15 mil volumes. Uma quantidade enorme de trabalho foi produzida indo na direção oposta a todas as regras comuns.
Como é possível que, sem qualquer controle hierárquico ou administrativo, uma organização possa ser bem-sucedida? Como o produto do trabalho pode ser compartilhado sem contratos ou remuneração? Como os voluntários sem qualificações produzem resultados de qualidade que superam a concorrência dos profissionais? A Wikipédia responde dando uma prévia do que as organizações vegetais poderão fazer, mas é apenas um começo. O futuro que imagino estará sempre cheio de exemplos análogos de organização. Modelos que renunciam ao controle vertical dos processos decisórios e nos quais todas as funções, inclusive a empresarial, bem como os direitos de propriedade, são cada vez mais distribuídos.
Na realidade, pelo menos na Europa, estruturas semelhantes – organizadas de acordo com o modelo vegetal, distribuí-das e enraizadas no território – existem há muito tempo: são chamadas de cooperativas. São entidades sem hierarquia que dependem de toda a estrutura social; a propriedade pertence a membros individuais, cada um deles tem direito a um voto, independentemente de qualquer outra consideração, qualquer pessoa pode se tornar um membro etc. Devido a suas características estruturais, as cooperativas são muito mais resistentes a crises externas ou internas, e suas falhas muitas vezes dependem de terem desistido de atuar como estruturas vegetais para se transformarem em organizações hierárquicas animais, perdendo a flexibilidade e abrindo mão do conhecimento do território.
Hoje, exemplos como as cooperativas são fundamentais para gerenciar a transição para o que se chama de nova economia: deixar esse conceito coincidir com a ideia dos gigantes da web que acumulam enormes lucros nas mãos de alguns seria catastrófico. Então, além de imitar a estrutura descentralizada das plantas para aumentar a criatividade e a resistência das organizações, também precisamos imaginar novas formas de propriedade difusa. Nesse sentido, a tradição das cooperativas, combinada com o poder extraordinário das redes atuais, pode representar um modelo alternativo válido para o futuro. Quanto à Wikipédia, é difícil imaginar quais resultados podem ser obtidos quando os sistemas cooperativos entenderem o potencial da rede e da inteligência coletiva.
A Grécia antiga e a Itália renascentista estão entre os momentos mais criativos da história da civilização ocidental. Na Grécia, as cidades-Estado, geograficamente distantes umas das outras, e as formas de governo, que muitas vezes permitiam a cada cidadão influenciar as decisões coletivas, deram origem a um período de criatividade incomparável em todos os campos do conhecimento humano. O mesmo aconteceu com as cidades-Estado da Renascença italiana, com os pequenos ducados e as signorie. Nas ruas de Florença, no início do século XVI, era possível encontrar Leonardo, Michelangelo e Rafael…
Em 2050, na Terra, seremos 10 bilhões de pessoas, 2 bilhões e meio a mais do que somos hoje. Muitos estão alarmados com esse enorme crescimento populacional, porque acreditam que não haverá recursos suficientes. Não pertenço a esse grupo. Dois bilhões e meio de cabeças pensantes, desde que sejam livres para criar, não são um problema, mas um enorme recurso. Dois bilhões e meio de pessoas serão capazes de resolver qualquer problema, desde que sejam livres para pensar e inovar. Pode parecer um paradoxo, mas no futuro próximo teremos que nos inspirar nas plantas para recomeçarmos a nos mover.
Capítulo do livro Revolução das Plantas: Um Novo Modelo para o Futuro, que a editora Ubu lançará em agosto.
[1] Extremo ou ponto terminal de um órgão vegetal.
[2] Em linguagem médica, “falso positivo” é o exame que leva a crer que o paciente tem uma doença que não existe, e “falso negativo” o que supõe não haver uma doença que de fato existe.