ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
Desfile de dedinhos
Uma visita à Nails Fashion Week e quem pintou (as unhas) por lá
Raquel Freire Zangrandi | Edição 72, Setembro 2012
A Rainha da Bateria Abre-Alas para a Princesa em Fuga que tem seu Beijo Roubado e curte um Ventinho Bom na Estrela de Luz. Pega no Flagra num Babado Forte, sob Hipnose se Deixa Beijar por um Sapo Encantado que vira Caso Sério e o Feitiço dura Quase Para Sempre. Como um Sonho Sem Fim, surge no Horizonte Azul um Duende que Sussurra: Me Belisca, Princesa… Nomes de esmalte enfileirados poderiam compor um enredo de conto de fadas.
Pois reunidos na passarela, esses vidrinhos multicoloridos que atiçam a vaidade das raparigas e a imaginação dos rapazes foram protagonistas de um desfile de unhas em São Paulo no início de agosto. “Bem-vindos ao Dia Nacional do Esmalte.” A empresária Luciana Medeiros, a Lu, saudou a plateia de convidados: fabricantes de esmalte, publicitários, jornalistas e blogueiras de moda unidos em torno da NFW Beauty Trends (êne-éfe-dábliu-bíuri-trends), cujo nome de batismo, em 2011, era Nails Fashion Week. Havia mesas-redondas com autoridades ungulares, mas os highlights foram os desfiles de esmalte exibidos num telão. Cada marca trouxe um tema para as novas coleções: Conto de Fada às Avessas, Pega Rapaz, Las Vegas, Viagem Translúcida, África à Vista. Pareciam enredo carnavalesco ou operação da Polícia Federal.
A ideia do desfile surgiu quando Luciana viu no YouTube um vídeo com dedinhos desfilando sobre uma passarela em miniatura, como se fossem pernas de modelos. Só se viam as mãos, que pareciam ter vida própria, e os dedos deslizavam, lânguidos, brincando de Gisele Bündchen. Em vez de roupa, esmalte. Luciana teve um estalo: “Como ninguém pensou nisso antes?” Fez contato com a criadora do vídeo e se associou à amiga publicitária Adrianne Elias, a Dri. Em fevereiro de 2011, a coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, anunciava o primeiro desfile de esmaltes do mundo, a ser realizado pela dupla em junho. Foram procuradas por marcas de esmalte e levantaram a produção do desfile. De lá para cá, o evento cresceu. A segunda edição da NFW incluiu marcas de maquiagem, óculos, sapatos e relógios.
Em sua origem, o esmalte era considerado um item de higiene, ou pouco mais que isso. Imperavam as variações de beges e rosinhas. O vermelho, mais extravagante, tinha a sua vez, mas não se ousava muito além disso. Já havia no mercado cores como azul, roxo ou verde, mas eram consideradas de gosto duvidoso. Bastou que a Chanel lançasse a cor verde Jade no desfile da coleção outono-inverno em Paris, em 2009, para que as fashion victims enlouquecessem em escala planetária. Um tom de verde esquisito virou o must have da temporada e, desde então, o esmalte vem subindo na vida. No ano passado foram vendidos 211 milhões de frascos, movimentando cerca de 510 milhões de reais só no Brasil.
Antes restrito às prateleiras de farmácias e lojas de cosméticos, ele agora bate ponto até em loja de sapatos. Há mulheres que primeiro escolhem o esmalte para depois escolher a roupa.
“É uma honra participar da NFW Beauty Trends como embaixador do evento. Está aqui com a gente a Fiorella Mattheis, que é linda de viver”, disse Arlindo Grund, stylist e apresentador do Esquadrão da Moda no SBT. Ele trazia um iPad à mão, tal qual um Moisés moderno, com sua tábua de mandamentos sobre o que não vestir. A atriz Fiorella Mattheis, que usava a cor Red Lights Ahead… Where? [Sinal Vermelho em Frente… Onde?], um vermelhão vivo, declarou que, para ela, fazer as unhas “é como lavar a alma”.
Quando alguém perguntou sobre os lançamentos para a classe C, um gerente de marketing respondeu: “Um vidrinho de verniz de 1 real e 50 basta para democratizar a beleza da classe C, da classe B e da classe A.” E Arlindo emendou: “E, atenção, queridas: esmalte não é só o vidrinho, é acessório de moda. Com uma roupinha básica de loja de departamento, você fica o máximo sabendo usar o esmalte certo para compor o look.”
As blogueiras de moda estavam no paraíso. Apresentaram-se umas às outras, tietaram gente da moda, tiraram foto com artista e levaram para casa uma infinidadede brindes. Kelly Cristina era uma delas. Morena de 25 anos e dona do blog Lindynha Makeup, ela se apresenta como futura esteticista e cosmetologista.
Kelly faz assessoria de comunicação para a Igreja de Jesus na Terra. Fã de Arlindo Grund, pediu a ele um veredicto sobre o seu modelito. Ela vestia um blazer curto e justo, abotoado. Com seios grandes e cintura fina, ele sugeriu que ela abrisse o blazer, para valorizar a silhueta e disfarçar o volume. Foi acatado sem ressalvas. Depois do desfile da Colorama, Kelly foi escolhida para uma sessão de nail art, e lhe aplicaram um mosaico de cores nas unhas. Ela simplesmente a-m-o-u.
MariMoon, estilista e VJ da MTV que já teve o cabelo nas cores vermelho, azul, verde, rosa, roxo e até preto, lançou sua linha de esmaltes. Parecia uma boneca saída da caixa, com saia de bailarina, cílios com strass e cabelo tricolor. Celebridade pop da internet, usava um esmalte holográfico, que muda de cor conforme o movimento das mãos. “Parece asa de fada, casca de besouro. É emocionante!”, disse.
Mas nem tudo são flores nesse universo colorido. No segundo dia do evento, Juliana Lima – a blogueira gaúcha que havia criado o primeiro desfile de unhas e serviu de inspiração para a NFW – resolveu botar a boca no trombone, isto é, na internet: “Quem acompanha o blog sabe que o primeiro desfile de esmaltes do MUNDO foi criado pelo Querido Esmalte em 2010. Devido ao sucesso, fui procurada por empresárias paulistas para montar um evento em São Paulo. No início era tudo lindo, mas, depois da primeira edição, fui simplesmente excluída do projeto, sendo que o produto era meu! Oi?” Mais velozes do que secagem ultrarrápida de esmalte, leitoras do blog retuitaram a mensagem e disseminaram a discórdia. Luciana e Adrianne, sócias na NFW Produções, não quiseram comentar.
Garras de fora à parte, as mulheres de unhas curtas têm um consolo: pelo menos nesse desfile, as unhas dos dedinhos na passarela eram postiças.