ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2015
Dra., kd vc? :-(
Terapia por torpedos
Chico Felitti | Edição 103, Abril 2015
“Dra., estou mto aflito. Não sei se ela vai sair cmg de novo”, digitou o publicitário Mark Adam enquanto subia as escadas da estação da rua 14, em Nova York. Como seu celular não pega no metrô, assim que surgiram na tela as primeiras barras de sinal ele aproveitou para fazer uma consulta rápida.
Adam, um descendente de poloneses de 29 anos, é um dos mais de 70 mil clientes da Talkspace. Cada um deles paga 25 dólares por semana para ter ao alcance de uma mensagem de celular um analista disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. Ou quase isso: “Recomendamos que o paciente só escreva seis dias por semana”, explicou Nicole Amesbury, uma psicóloga de cabelos loiros cortados à la Sarah Jessica Parker em Sex and the City. “É preciso que ele tenha algum tempo de reflexão.”
A Talkspace conseguiu no fim de 2014 um aporte de 3,5 milhões de dólares e conta com uma equipe de mais de 100 psicólogos. A iniciativa coincide com uma crise no mercado da terapia convencional. A Associação Psicanalítica Americana divulgou em fevereiro que a média de clientes que um profissional atende por dia no país é de 2,75 – eram quase dez nas décadas de 50 e 60 e cinco nos anos 90.
A maior parte dos pacientes da Talkspace tem menos de 40 anos, como Adam e três amigos dele adeptos da terapia virtual. Nem todos revelam o nome e sobrenome ao analista. O publicitário prefere ser atendido no anonimato, uma novidade da terapia por SMS. “Eu teria vergonha de, sei lá, ele me procurar no Facebook”, disse Adam, enquanto tomava um café com leite de amêndoas no East Village.
Além de sigilosa, a consulta por mensagem de texto sai mais em conta. “É uma economia de pelo menos 300 dólares por mês se eu comparar com meu antigo analista”, disse ele, que agora gasta mais com barbeiro e unguentos para os pelos faciais ruivos, que tosa a cada quinze dias numa barbearia vintage do Brooklyn.
Adam afirma que ganhou paz de espírito com o novo modelo de consulta. “Se bem que agora tenho mais uma razão para ficar ansioso quando estou sem bateria ou sem sinal.” E saúde mental, para ele, é uma prioridade de vida, junto com “encontrar uma namorada” e “parar de me importar com o que as pessoas pensam de mim”.
O publicitário preferiu não mostrar a resposta que recebeu à mensagem de aflição que mandou ao sair do metrô. Um amigo dele, também usuário do serviço, disse que, ao se queixar das brigas com a namorada, recebeu a orientação de romper com as expectativas dela, para tentar desarmá-la. “Em vez de seguir o roteiro, por que não colocar uma cadeira em cima da mesa ou começar a cantar assim que a briga começar?”, sugeriu o terapeuta. O paciente seguiu o conselho e decidiu imitar o pai, que a namorada adora. “Funcionou na primeira vez, mas na segunda ela me acusou de fugir do assunto com gracinhas.”
O Talkspace oferece aos assinantes um número ilimitado de mensagens de seus psicólogos, mas a resposta pode demorar algumas horas. A espera faz parte do tratamento, conforme explicou Nicole Amesbury.“É um chat dessincronizado, as mensagens ficam lá, paradas por algum tempo, até o profissional ler, pensar sobre as questões e só responder quando tiver condições”, disse a psicóloga, que atende clientes de todos os Estados Unidos a partir da sua casa, na Flórida. “Serve também para não alimentar a ansiedade.”
A terapia por celular não alimentaria a nomofobia, uma das aflições dos novos tempos? A síndrome – ainda não descrita academicamente, mas já tratada em consultórios – consiste no medo de ficar sem celular (o nome vem das primeiras sílabas de no mobile). Além da ansiedade extrema provocada pela falta de acesso ao aparelho, os sintomas incluem ouvir um ringtone inexistente e sentir uma vibração no bolso vazio. Nicole ponderou que a dependência do celular não é exatamente como o vício em drogas ou em jogo. “Ela pode ser atenuada e não exige que a pessoa rompa com o uso do aparelho para se livrar da compulsão. É possível, sim, trabalhar essa questão por mensagens.”
Nem todos os colegas de Nicole concordam com essa visão. “É difícil para o profissional estabelecer o ritmo que a conversa terá apenas por mensagens, especialmente se forem dezenas de pacientes ao mesmo tempo”, disse Edward Nersessian, do Instituto Psicanalítico de Nova York (a Talkspace não revelou quantos pacientes são designados para cada profissional).
Nersessian, uma versão de terno e gravata de Mahatma Gandhi, criticou também os anúncios da empresa segundo os quais a troca de mensagens equivale a uma conversa “com um amigo próximo”. “Não pode ser essa a lógica”, protestou. “É preciso ter um horário marcado e saber o que você vai priorizar no diálogo com o psicanalista.”
Outro risco da terapia por mensagem de texto é a perda da comunicação não verbal entre paciente e terapeuta. “As letras podem ter menos nuances que a voz ou um encontro pessoal”, ressaltou o psicólogo Albert Mehrabian, que pesquisa o tema na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. “A entonação conta muito no diálogo. E a confiança também. É preciso estabelecer uma relação entre duas pessoas para que haja abertura, por mais que essa relação seja impessoal e não deva ser confundida com amizade. Tenho dúvidas se um sistema de mensagens consegue dar conta disso.”
Uma das maneiras que a Talkspace encontrou para combater as críticas por ter montado uma linha fordista de atendimento psicológico foi bolar serviços personalizados. Há dois meses, a empresa passou a oferecer atendimento pelo Skype, a 29 dólares por sessão de meia hora. Se depender de clientes como Mark Adam, a modalidade não vai pegar. “Eu teria de esperar o meu dia chegar para falar o que sinto”, protestou. “Não funciona mais assim, eu quero compartilhar as coisas na hora.”
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