questões virtuais
E.T. de Ipanema
A história de um falso acaso
Armando Antenore
Já virou hábito. Todos os dias, quando acordo, olho para a esquerda e verifico se a fotografia continua lá, presa à parede branca, entre molduras de metal e sob um vidro levemente fosco. Na verdade, não verifico coisa nenhuma. Sei que o quadro estará sempre ali, intacto e junto da ampla janela que ilumina o pequeno dormitório. Mesmo assim, repito com perseverança o ato de observá-lo pela manhã, como um vigia inútil ou um pastor que teima em zelar por ovelhas incapazes de fugir. Não se trata de mania nem superstição. É realmente um hábito, que adquiri quase sem notar.
Salvo engano, mandei emoldurar a imagem no começo de 2019, pouco depois de me mudar para o quarto e sala onde ainda moro sozinho. A foto certamente não se destaca pelo tamanho. Tem apenas 20 cm de comprimento por 13 cm de largura. Muitos dos que já me visitaram nem sequer a perceberam. Não se aproximaram dela para apreciar a cena idêntica à que ilustra esta reportagem ou perguntar quem, afinal, é aquela mulher de capacete espelhado. Caso me perguntassem, confesso que não conseguiria responder. Tampouco saberia informar em que praia a misteriosa personagem se deixara retratar. Tudo o que dissesse seria pura suposição e revelaria mais sobre mim do que sobre a foto.

Armando Antenore
Editor da piauí, é autor de Júlia e Coió, Rita Distraída e Sorri, Lia! (Edições SM)