Os sinais enviados da Terra para outras civilizações da Via Láctea são motivo de preocupação para alguns: e se eles tiverem como resposta um raio da morte ou um exército de ocupação? IMAGEM: BETTMANN_GETTYIMAGES
E.T., saudações
Corremos riscos ao tentar contato com os extraterrestres?
Steven Johnson | Edição 134, Novembro 2017
No dia 16 de novembro de 1974, astrônomos, autoridades do governo e outros dignitários se reuniram a noroeste de San Juan, a capital de Porto Rico. O observatório de Arecibo, à época o maior radiotelescópio do mundo, seria reaberto. Encaixada na selva, a estrutura gigantesca – uma antena de concreto e alumínio com diâmetro equivalente à altura da Torre Eiffel – fora reformada para melhorar sua resistência aos furacões e multiplicar por dez a precisão de suas imagens.
Para celebrar o evento, os astrônomos capacitaram a máquina, que captava emissões do cosmos, para emitir, pelo menos por alguns instantes, comunicações interestelares. Feitos os discursos, sentaram-se todos em silêncio; no calor pegajoso da tarde, um sistema de alto-falantes repercutiu por quase três minutos uma alternância de duas notas. O padrão era indecifrável, mas muita gente chorou.
Os 168 segundos de som – conhecidos como a mensagem de Arecibo – foram concebidos por Frank Drake, o astrônomo que dirigia a organização responsável pelo observatório. Era o primeiro recado intencional de um ser humano endereçado a outro sistema solar. A mensagem fora traduzida em sons a fim de que os convidados testemunhassem algo, mas o verdadeiro veículo foi um pulso silencioso e invisível de ondas de rádio, viajando à velocidade da luz.
A maioria dos presentes reconheceu na transmissão uma prova de esperança, uma mensagem na garrafa lançada às profundezas oceânicas do espaço. Poucos dias depois, no entanto, Martin Ryle, o astrônomo real britânico, condenou com unhas e dentes a iniciativa: avisar que existíamos nos expunha ao risco de uma catástrofe. E exigiu que a União Astronômica Internacional reprovasse a mensagem de Drake e proibisse qualquer tentativa de comunicação.
Hoje, passadas quatro décadas, ainda não sabemos se os temores de Ryle se justificavam: a mensagem de Arecibo se encontra a muitos anos-luz de seu destino, um aglomerado com cerca de 300 mil estrelas conhecido como M13. No verão do hemisfério Norte, é possível enxergar a constelação de Hércules – são 21 estrelas que parecem desenhar um homem de braços estendidos, talvez ajoelhado. Se percorrêssemos os 400 trilhões de quilômetros que nos separam dessas estrelas, mesmo depois de deixar muito para trás nosso sistema solar, só teríamos completado uma fração mínima do caminho até o M13. Mas, se de algum modo pudéssemos ligar um aparelho de radio-amador e sintonizá-lo na frequência de 2 380 MHz, conseguiríamos captar a mensagem em pleno voo: uma longa série de pulsos rítmicos, mais precisamente em número de 1 679, com uma estrutura clara e repetitiva, logo identificável como produto da vida inteligente.
São escassas as iniciativas de comunicação com formas de vida externas ao planeta. A mais famosa – um disco audiovisual folheado a ouro, com saudações multilíngues e outros produtos da civilização – está a bordo da Voyager I, que só ultrapassou os limites do nosso sistema solar há poucos anos, viajando à velocidade relativamente arrastada de 38 mil quilômetros por hora. Em contraste, ao final dos três minutos de transmissão da mensagem de Arecibo, seus pulsos iniciais já alcançavam a órbita de Marte. A mensagem inteira saiu do sistema solar em menos de um dia.
É verdade que alguns sinais emanados pela atividade humana já chegaram mais longe graças à vazão incidental de transmissões de rádio e televisão. Este é um dos pontos-chave do romance Contato, de Carl Sagan, em que uma civilização alienígena detecta a existência de seres humanos por meio das transmissões televisivas dos Jogos Olímpicos de Berlim, com direito a trechos do discurso de Hitler. Esses sinais – imagens granuladas de Jesse Owens, programas infantis e audiências do senador McCarthy – já foram parar muito mais longe que os pulsos de Arecibo. Mas ao longo dos quarenta anos transcorridos desde que Drake transmitiu sua mensagem, só pouco mais de uma dúzia de mensagens intencionais foram enviadas às estrelas, entre elas uma transmissão dos Beatles cantando Across the Universe. (E só nos resta esperar que os alienígenas, caso existam, ouçam os Beatles antes de Hitler.)
Na era dos radiotelescópios, os cientistas têm investido muito mais na procura de sinais de outras formas de vida. O próprio Drake é mais conhecido por ter iniciado a busca de inteligência extraterrestre – ou Seti, acrônimo de Search for Extraterrestrial Intelligence –, há pouco menos de sessenta anos, quando examinou duas estrelas na tentativa de descobrir ondas de rádio estruturadas. Hoje, o Instituto Seti, organismo sem fins lucrativos, supervisiona uma rede de telescópios e computadores sempre à cata de sinais de inteligência vindos das profundezas do espaço. Um novo projeto, o Breakthrough Listen, em moldes semelhantes ao Seti e financiado por 100 milhões de dólares doados pelo bilionário russo Yuri Milner, promete um aumento substancial de nossa capacidade de detectar sinais de vida inteligente. Contamos com mais caixas de correio interestelares do que em qualquer outro momento, à espera da primeira carta. No entanto, até data bem recente, demonstrávamos pouco interesse em enviar correspondência produzida de próprio punho.
Essa fase de relativo silêncio pode estar com os dias contados. Um grupo recém-formado, conhecido como Meti (de Messaging Extraterrestrial Intelligence, mensagens para inteligência extraterrestre), comandado por um cientista que já esteve envolvido no Seti, Douglas Vakoch, está planejando uma série contínua de mensagens a partir de 2018. E o Breakthrough Listen também se comprometeu a apoiar um programa paralelo, o Breakthrough Message, para a criação das mensagens que transmitiremos às estrelas. Esses planos, porém, encontram certa resistência. Luminares como Elon Musk e Stephen Hawking advertem que o melhor caminho para abordar a questão da vida extraterrestre talvez não seja por aí, na base de fazer amizade. Uma civilização alienígena adiantada pode muito bem responder com a afabilidade demonstrada por Hernán Cortés diante dos astecas.
Se acreditarmos que essas transmissões têm chance de contatar uma inteligência extraterrestre, a decisão de enviá-las deve ser encarada como uma das mais importantes escolhas que faremos como espécie. Preferimos uma postura introvertida, amontoando-nos atrás da porta enquanto tentamos captar sinais de vida fora da Terra? Ou optamos por uma atitude extrovertida, tomando a iniciativa de puxar conversa?
No esplendor desmobilizado do Forte Mason, ao norte de São Francisco, fica o Interval, um bar e espaço de eventos gerido pela Long Now Foundation, a Fundação Longo Agora, criada pelo escritor e ambientalista Stewart Brand e o músico Brian Eno, entre outros. Com o objetivo de discutir ideias associadas a prazos muito longos, seu plano mais conhecido talvez seja criar um relógio mecânico que marque o tempo por 10 mil anos.
O Interval se mostrou um cenário adequado para conhecer Doug Vakoch, seja porque a Long Now vem assessorando o Meti, seja porque o conceito de mensagens interestelares é o epítome da tomada de decisões a longuíssimo prazo: é possível que o envio de mensagens para o espaço não gere resultados significativos nos próximos mil anos, ou 100 mil.
Perguntei a Vakoch como ele chegara à sua vocação. “Eu gostava de ciência, mas não conseguia me decidir por uma”, ele disse. Depois de algum tempo, ele soube que existia um campo novo, a exobiologia (ou astrobiologia), que especulava sobre as formas que a vida poderia assumir em outros planetas. Os exobiólogos precisam ser versados na astrofísica de estrelas e planetas; nas reações químicas que podem capturar e armazenar energia nesses organismos hipotéticos; na climatologia que explique os sistemas meteorológicos dos planetas potencialmente compatíveis com a vida; e nas formas biológicas com potencial de evoluir nesses ambientes. A exobiologia dispensava Vakoch de se fixar em apenas uma área: “Quando se cogita sobre a vida fora da Terra, transita-se por todas as disciplinas.”
Desde a escola secundária, na década de 70, ele já pensava em modos de comunicação com um organismo evoluído em outro planeta, questão que inspirou um campo relativamente obscuro da exobiologia, a exossemiótica. Àquela época, a radioastronomia já havia se desenvolvido o bastante para permitir que a exossemiótica, então um refinado exercício intelectual, pudesse ter alguma aplicação. Ainda na escola, Vakoch finalizou um projeto extracurricular que envolvia línguas interestelares; e continuou a explorar esse campo ao longo dos estudos superiores, concluídos com um diploma de religião comparada. “A questão que sempre me atraiu e me manteve interessado é o desafio de criar uma mensagem compreensível”, ele disse. Depois da graduação, completou um curso de psicologia clínica, que a seu ver poderia ajudá-lo a entender melhor a mente de algum organismo desconhecido em outro ponto do universo. E, se a paixão exossemiótica o conduzisse a um beco sem saída em termos profissionais, ele poderia atuar como psicólogo.
Enquanto Vakoch cursava sua pós-graduação, o Seti, até então um programa da Nasa sustentado por fundos governamentais, se convertia em uma organização independente sem fins lucrativos, bancada em parte por novas fortunas surgidas no setor de tecnologia. Vakoch se mudou para a Califórnia e entrou para o Seti em 1999. Nos anos seguintes, ele e outros cientistas começaram a explicitar a intenção de também enviar mensagens: a abordagem “passiva” era essencial, mas um Seti “ativo” aumentaria a probabilidade de contato. Temendo pôr em risco suas fontes de financiamento, o conselho diretor resistia. Ao cabo de algum tempo, Vakoch decidiu formar uma organização internacional própria, o Meti, com uma equipe multidisciplinar da qual fazem parte o ex-historiador-chefe da Nasa, Steven J. Dick, a historiadora da ciência de origem francesa Florence Raulin-Cerceau, o ecologista indiano Abhik Gupta e o antropólogo canadense Jerome H. Barkow.
A retomada do interesse em enviar mensagens foi aguçada pela descoberta de novos planetas. Hoje sabemos que o universo está repleto de planetas que ocupam a zona teoricamente habitável apelidada pelos exobiólogos de “Zona Cachinhos de Ouro”, numa referência à história infantil da menina que se perde na floresta e vai parar na casa de uma família de ursos: nem frios nem quentes demais, com a temperatura superficial “no ponto certo” para a existência de água em estado líquido. No início da carreira de Drake, na década de 50, nenhum planeta havia sido observado fora do nosso sistema solar. “Hoje sabemos que praticamente toda estrela é rodeada de planetas”, Vakoch afirma, e acrescenta que “talvez um quinto dessas estrelas possuam planetas potencialmente habitáveis.”
Quando Frank Drake e Carl Sagan cogitavam as primeiras transmissões para o espaço, na década de 60, eles propunham uma abordagem equivalente à proverbial mensagem na garrafa. Se, hoje, não conhecemos os endereços exatos dos planetas onde a vida é provável, já identificamos CEPs bastante promissores. O descobrimento recente dos planetas de Trappist-1, três dos quais potencialmente habitáveis, produziu grande animação, inclusive porque esses planetas, em termos relativos, ficam muito perto daqui, a apenas 40 anos-luz de distância. Se por acaso a mensagem de Arecibo encontrar uma civilização avançada no aglomerado M13, só iremos receber uma resposta dentro de no mínimo 50 mil anos. No entanto, uma mensagem encaminhada diretamente ao sistema de Trappist-1 pode nos valer uma resposta ainda antes do final do século.
Frank Drake, hoje com 87 anos, vive com a mulher numa floresta de sequoias ao sul de São Francisco. O acesso à sua casa contorna uma sequoia com mais de 2 metros de diâmetro. Assim que desci do carro, pensei no longo agora: o homem que manda mensagens com um trânsito potencial de 50 mil anos vive cercado de árvores que devem ter brotado pelo menos há mil anos.
Quando começamos a conversar sobre Arecibo, Drake, aposentado havia mais de uma década, incendiou-se com a lembrança. “Íamos inaugurar aquele colosso e me pediram para organizar uma cerimônia grandiosa”, ele contou. “Bem, para tanto era preciso um momento memorável. E o que poderíamos fazer de mais espetacular? Mandar uma mensagem!”
Mas como se dirigir a uma forma de vida que pode ou não existir, e sobre a qual só se sabe que teria evoluído em algum ponto da Via Láctea? O primeiro passo é explicar como sua mensagem deve ser lida, o que em exossemiótica se conhece por primer, “cartilha”. Na Terra, você aponta para uma vaca e diz “vaca”. As placas que a Nasa enviou para o espaço a bordo da Pioneer e da Voyager, por serem objetos físicos, podiam conter informações visuais, o que permitiria a conexão entre as palavras e os objetos a que se referem. Você desenha uma vaca, escreve ao lado a palavra “vaca” e aos poucos uma linguagem se esboça. Objetos físicos, no entanto, não têm como se deslocar a uma velocidade que os transporte a um destinatário potencial numa escala de tempo praticável. Para chegar ao outro lado da Via Láctea, será necessário recorrer a ondas eletromagnéticas.
Como, porém, apontar para alguma coisa com uma onda de rádio? Mesmo que você inventasse um modo de indicar a imagem de uma vaca usando sinais eletromagnéticos, os alienígenas não terão vacas em seu mundo, e o mais provável é que a referência não lhes diga nada. Assim, você precisa pensar muito para encontrar algo que nossos hipotéticos amigos do sistema de Trappist-1 possam ter em comum conosco. Se a civilização deles for avançada a ponto de reconhecer dados estruturados em ondas de rádio, eles devem compartilhar conosco muitos conceitos científicos e tecnológicos. Se forem capazes de receber nossa mensagem, isto significa que sabem detectar perturbações estruturadas no espectro eletromagnético, o que significa um razoável entendimento do que seja o espectro eletromagnético.
O segredo, então, é simplesmente iniciar a conversa. Drake supôs que alienígenas inteligentes possuiriam o conceito dos números naturais: 1, 3, 10 etc. E, se conhecem os números, é bem provável que dominem o resto do que conhecemos como aritmética ou matemática básica: soma, subtração, multiplicação, divisão. Se conhecem a multiplicação e a divisão, hão de entender o conceito de números primos – o número primo é aquele que só é divisível por si mesmo e por 1. (Em Contato, a mensagem alienígena interceptada na Terra começa com uma longa sequência de números primos: 1, 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23…) Muitos objetos no espaço, como os pulsares, emitem sinais de rádio com certa periodicidade: clarões de atividade magnética que surgem e desaparecem a intervalos regulares. Os números primos, contudo, são um sinal que indica vida inteligente. “A natureza nunca emprega números primos”, diz Drake. “Mas os matemáticos sim.”
A mensagem de Arecibo criada por Drake utilizava um parente próximo dos números primos. Ele decidiu enviar exatamente 1 679 pulsos, porque 1 679 é um número semiprimo: só pode ser formado pela multiplicação de dois números primos, no caso 73 e 23. Drake usou esse expediente matemático para transformar seus pulsos de energia eletromagnética num sistema visual. Para simplificar sua abordagem, imagine que você receba uma mensagem composta por dez letras x e cinco letras o: xoxoxxxxoxxoxox. Você percebe que o número 15 é um semiprimo, e organiza os números numa grade de 3 por 5, deixando as letras o (ou zeros) como espaços em branco. O resultado é o seguinte:
x x x
xxx x
x x x
Se você for um falante do inglês, poderá reconhecer uma saudação, a palavra hi, mapeada apenas com o uso de uma linguagem binária de estados ligado-desligado. E Drake adotou a mesma abordagem, só que usando um semiprimo muito maior, que exigiu uma grade de 23 por 73 para enviar uma mensagem bem mais complexa. Como seus correspondentes imaginários em M13 podem não entender as línguas humanas, Drake preencheu a grade com uma combinação de referentes matemáticos e visuais. O alto da grade contém os números de 1 a 10 em código binário – anunciando aos alienígenas que, dali em diante, os números seriam representados com esses símbolos.
Depois de estabelecer uma forma de contar, Drake associou o conceito desses números a referências que os habitantes de M13 devem ter em comum conosco. Para essa etapa, codificou os números atômicos de cinco elementos: hidrogênio, carbono, nitrogênio, oxigênio e fósforo, os blocos constituintes do dna. Outras partes da mensagem tinham uma orientação mais visual. Drake usou os pulsos ligado-desligado do sinal de rádio para “desenhar” a imagem pixelada de um corpo humano. Incluiu ainda um esboço do nosso sistema solar e do próprio telescópio de Arecibo. E a mensagem dizia: “É assim que contamos; somos feitos disso; é daqui que viemos; esta é a nossa aparência; e esta é a tecnologia que usamos para lhes enviar a presente mensagem.”
Por mais inventiva que fosse a exossemiótica de Drake em 1974, a mensagem de Arecibo era, em última instância, muito mais uma prova de conceito que uma tentativa autêntica de contato, como Drake é o primeiro a admitir. Antes de mais nada, os 25 mil anos-luz que nos separam do aglomerado M13 levantam uma dúvida legítima quanto à mera possibilidade de ainda existirem seres humanos – ou reconhecivelmente humanos – no momento em que a resposta chegar. A escolha do ponto de destino da mensagem foi arbitrária. Já o projeto Meti pretende visar planetas próximos em zonas habitáveis.
Um dos mais recentes planetas incluídos nessa lista está na órbita da estrela Gliese 411, uma anã vermelha situada a 8 anos-luz da Terra. Num fim de tarde de primavera nas montanhas de Oakland, enquanto nosso próprio sol se punha por trás da ponte Golden Gate, Vakoch e eu nos encontramos num dos observatórios do Chabot Space & Science Center para dar uma olhada na Gliese 411. A meia-lua alta no céu reduzia nossa visibilidade, porém não a ponto de me privar a visão do tênue brilho cor de tangerina da estrela, um ponto isolado de luz borrada que percorreu quase 80 trilhões de quilômetros pelo universo até pousar na minha retina. Mesmo com a potência do telescópio de Oakland, não havia meio de localizar algum planeta orbitando a anã vermelha. Ainda assim, em fevereiro deste ano, no topo do vulcão extinto Mauna Kea, no Havaí, uma equipe de astrônomos munidos do telescópio Keck I anunciou que detectara, na órbita de Gliese, uma “superterra”, um planeta rochoso e quente maior do que o nosso.
O grupo Meti aspira a um desempenho superior ao da mensagem de Arecibo não só mirando planetas específicos, como essa superterra ao redor de Gliese, mas reformulando a própria natureza da mensagem. “A concepção original de Drake se baseia na hipótese de que toda vida inteligente é dotada de visão”, disse Vakoch. Diagramas visuais – formados por grades de semiprimos ou gravados em placas de metal – nos parecem uma forma quase obrigatória de codificar os dados a transmitir, já que os humanos, por acaso, são dotados de um sentido visual de acuidade fora do comum. No entanto, pode ser que os alienígenas tenham seguido um rumo evolutivo diferente, construindo uma civilização tecnologicamente avançada com base numa inteligência apoiada em outro sentido: a audição, por exemplo, ou alguma outra maneira de distinguir o mundo ao redor, para a qual sequer existe equivalente entre os terráqueos.
Como costuma ocorrer nas discussões dos programas Seti e Meti, a questão das mensagens visuais nos leva a uma reflexão mais profunda, neste caso sobre a conexão entre inteligência e acuidade visual. Não por acaso, por tantas vezes os olhos tiveram um desenvolvimento independente ao longo da vida na Terra, já que a luz transmite informação de forma muito mais rápida que qualquer outro canal. E essa vantagem na velocidade de transmissão pode muito bem se aplicar a outros planetas da zona habitável, mesmo situados do outro lado da Via Láctea. Assim, parece plausível que outras criaturas inteligentes também tenham evoluído com alguma espécie de sistema visual.
No entanto, mais universal que a visão seria a experiência do tempo. A obra de Hans Freudenthal, Lincos: Design of a Language for Cosmic Intercourse [Lincos: Criação de uma Língua para Relações Cósmicas], um livro seminal de exossemiótica publicado mais de meio século atrás, atribuía um peso imenso a sinais temporais em seu estágio de “cartilha”. Vakoch e seus colaboradores recorreram à linguagem de Freudenthal em seus primeiros esboços de mensagem. Em Lincos – abreviação do latim lingua cosmica –, a duração é usada como bloco constitutivo fundamental. Um pulso de certa duração (digamos, em termos humanos, um segundo) é seguido por uma série de pulsos que significa a “palavra” usada para um; um pulso com a duração de seis segundos é seguido pela “palavra” seis. As palavras usadas para descrever as propriedades matemáticas básicas podem ser formadas pela combinação de pulsos de diferentes durações. A propriedade da adição, por exemplo, pode ser demonstrada pelo envio das “palavras” três e seis e, em seguida, um pulso com a duração de nove segundos. “É uma forma de indicar objetos sem nada à nossa frente”, explica Vakoch.
Outros entusiastas do envio de mensagens acham que não precisamos nos preocupar com cartilhas ou referentes comuns. “Não faz sentido transmitir relações matemáticas, o valor do número pi, números primos ou a sequência de Fibonacci”, declarou o astrônomo-chefe do Seti, Seth Shostak, num livro de 2009. “Se a ideia é emitir uma mensagem da Terra, proponho simplesmente conectar os servidores do Google ao transmissor. Mandar toda a World Wide Web para os alienígenas levaria mais ou menos seis meses; se usarmos lasers infravermelhos, podemos encurtar esse tempo para não mais que dois dias.” Shostak acredita que a simples enormidade dos dados transmitidos capacitaria os alienígenas a decifrá-los. Existe um precedente para essa ideia na história dos arqueólogos estudiosos de línguas mortas: o código mais difícil de decifrar é sempre o que possui menos fragmentos.
Transmitir a totalidade do Google seria uma continuação lógica da mensagem de Drake em 1974, se não em termos de codificação, pelo menos no que diz respeito ao conteúdo. “O problema da mensagem de Arecibo é que, num certo sentido, ela é breve, mas sua pretensão é enciclopédica”, Vakoch disse enquanto esperávamos o céu escurecer acima das montanhas de Oakland. “E uma das hipóteses que estamos considerando para a nossa transmissão é o extremo oposto. Não seremos enciclopédicos, e sim seletivos. Em vez de propor esse mergulho num imenso mar de dados digitais, tentar obter uma solução elegante. Parte do processo é decidir quais são os conceitos mais fundamentais de que precisamos.” Existe algo de provocativo na questão com que Vakoch se debate aqui: de todas as muitas manifestações das nossas realizações como espécie, qual é a mensagem mais simples que podemos criar para dizer que somos interessantes, merecedores de uma resposta interestelar?
Para os críticos do Meti, porém, o que deveria estar nos preocupando é a forma que a resposta pode assumir: um raio da morte, ou um exército de ocupação.
Antes de Doug Vakoch dar entrada nos papéis para fundar a organização sem fins lucrativos Meti International, em julho de 2015, uma dúzia de luminares de ciência e tecnologia, entre eles Elon Musk, da SpaceX, assinou uma declaração opondo-se categoricamente ao projeto, pelo menos sem um debate em escala planetária. “Enviar sinais para outras civilizações da Via Láctea causa preocupação a todos os habitantes da Terra, tanto em relação à mensagem quanto às consequências desse contato. Antes de mais nada, urge ocorrer, em escala mundial, uma discussão científica, política e humanitária.”
Um dos signatários foi David Brin, astrônomo e escritor de ficção científica que vem conduzindo uma série de discussões vivas mas cordiais com Vakoch. “Simplesmente não acredito que alguém deva submeter nossos filhos a um fato consumado com base em hipóteses e suposições que jamais foram postas à prova nem submetidas à revisão crítica entre pares”, disse, durante uma conversa por Skype – ele estava em seu escritório, no sul da Califórnia. “Se você quer fazer alguma coisa que vai mudar alguns dos parâmetros observáveis fundamentais do nosso sistema solar, que tal promover uma avaliação prévia do impacto ambiental?”
O movimento anti-Meti se escora numa probabilidade estatística sombria: se um dia conseguirmos entrar em contato com outra forma de vida inteligente, então, quase por definição, nossos novos amigos serão bem mais avançados do que nós. A melhor maneira de entender esse argumento é considerar, numa base percentual, o quanto na verdade nossa civilização de alta tecnologia é jovem. Só começamos a emitir sinais estruturados de rádio da Terra mais ou menos nos últimos 100 anos. Se o universo tiver exatamente 14 bilhões de anos de idade, então nosso planeta terá levado 13 999 999 900 anos para dominar a comunicação pelo rádio. A probabilidade de nossa mensagem chegar a uma sociedade que venha usando o rádio por um período de tempo mais curto, ou mesmo similar, é absurdamente pequena. Imagine outro planeta cujo ritmo evolutivo seja apenas um décimo de 1% diferente do nosso: se estiverem mais avançados, já estarão usando o rádio (e as tecnologias que o sucederam) há 14 milhões de anos. Claro que, dependendo de onde vivam no universo, seus sinais podem levar milhões de anos para chegar a nós. Mas mesmo considerando essa demora na transmissão, o mais provável, no caso de captarmos um sinal de outra galáxia, é que nos vejamos em conversa com uma civilização mais avançada.
Foi essa assimetria que convenceu tantos de que o Meti não é uma boa ideia. A história da exploração colonial aqui na Terra pesa para os críticos do Meti. Stephen Hawking, por exemplo, fez a seguinte observação numa série de documentários de 2010: “Se alienígenas viessem nos visitar, o resultado seria similar ao desembarque de Colombo, que não deu nada certo para os nativos do continente.” E David Brin faz eco à crítica de Hawking: “Todos os casos que conhecemos de contato entre uma cultura tecnologicamente mais adiantada e uma de menor avanço resultaram, no mínimo, em muito sofrimento.”
Os defensores do Meti rebatem as críticas. Primeiro, o cavalo já saiu da cocheira, uma vez que há décadas deixamos “vazar” ondas de rádio na forma de transmissões de tevê – tanto de telejornais quanto de indigentes programas infantis – e, como outras civilizações podem ser muito mais adiantadas que a nossa e, assim, capazes de detectar até os sinais mais fracos, parece provável que sejamos visíveis para alguns extraterrestres. “Pode ser que haja muito mais civilizações no universo e que existam habitantes inclusive em planetas próximos, mas até agora eles se limitam a nos observar”, afirma Vakoch. “É como se vivêssemos em algum zoológico galáctico, e eles nos vissem como zebras conversando umas com as outras. E se num dado momento uma dessas zebras se vira para você e, com os cascos, começa a riscar a sequência dos números primos? Você vai se relacionar com ela de outra maneira!”
Brin considera perigoso esse argumento por subestimar a diferença de uma transmissão Meti, com alta potência e alvo definido, do extravasamento passivo de sinais de rádio e tevê muito mais difíceis de detectar. “Imagine o seguinte: você quer se comunicar com um acampamento de escoteiros do outro lado do lago, daí se ajoelha na margem e começa a bater na água em código Morse”, ele diz. “Se forem escoteiros de espetacular competência tecnológica, e se por acaso também estiverem olhando na sua direção, podem construir instrumentos para filtrar e tornar mais claros seus sinais. Então você pega o seu ponteiro laser e aponta para o cais do lago do lado deles. E é exatamente esta a diferença de ordem de grandeza entre captar reprises de I Love Lucy da década de 80, quando chegamos ao auge do ruído nas telecomunicações, e a transmissão que esses caras querem fazer.”
Os defensores do Meti também afirmam que uma invasão ao estilo dos klingons, de Jornada nas Estrelas, é altamente implausível, tendo em vista as distâncias envolvidas. Se as civilizações avançadas fossem capazes de se transportar galáxia afora à velocidade da luz, já teríamos esbarrado com elas. A situação mais provável é que apenas as comunicações possam viajar tão depressa, de modo que, na verdade, a presença malévola em algum planeta distante só poderá responder nos mandando sua versão de mensagens de ódio. Os críticos do projeto, porém, não veem fundamento nessa sensação de segurança. Num artigo para a revista Scientific American, o ex-presidente do conselho do Instituto Seti, John Gertz, afirma que “uma civilização mal-intencionada e apenas um pouco mais desenvolvida do que a nossa pode estar apta a aniquilar a Terra, lançando um pequeno projétil com uma toxina autorreplicável ou máquinas microscópicas habilitadas a se reproduzir e consumir toda a matéria do planeta; ou um míssil viajando a uma porcentagem apreciável da velocidade da luz; ou então algum armamento que nem sequer imaginamos.”
Para Brin, nosso progresso tecnológico pode sinalizar o estágio de uma civilização mais adiantada em termos de combate interestelar: “É possível que, dentro de apenas cinquenta anos, possamos criar um foguete de antimatéria apto a transportar um projétil substancial de vários quilogramas, à metade da velocidade da luz, com a trajetória calculada para interceptar a órbita de um planeta a 10 anos-luz de distância.” E esses poucos quilos bastariam, numa colisão a tal velocidade, para produzir uma explosão muito maior que as detonações combinadas de Hiroshima e Nagasaki. “E se nós seremos capazes disso daqui a cinquenta anos, imagine o que outros poderão fazer, e isso sem desobedecer a Einstein ou às leis da física.”
O mais interessante é que o próprio Frank Drake não apoia os esforços do Meti, embora não tema os hipotéticos conquistadores interestelares de que falam Hawking e Musk. “O tempo todo mandamos mensagens, a troco de nada”, ele diz. “Já existe uma imensa concha de sinais à nossa volta, com um diâmetro de 80 anos-luz. Uma civilização só um pouco mais avançada que a nossa há de estar habilitada a captar tudo isso. A questão, portanto, é que já estamos emitindo copiosas informações sobre nós.” Drake acredita que o mesmo deva acontecer com qualquer civilização adiantada em outro planeta, de modo que cientistas como Vakoch deveriam se dedicar a captar esses sinais, em vez de se preocupar com uma resposta. O Meti irá consumir recursos, diz Drake, que seriam “muito mais bem gastos na captação, e não no envio”.
Os críticos do Meti, é claro, podem estar certos quanto à assustadora sofisticação dessas outras civilizações, presumivelmente mais antigas que a nossa; podem estar enganados, porém, quanto à provável natureza da resposta delas. Sim, elas talvez possam disparar projéteis do outro lado da galáxia a um quarto da velocidade da luz. Mas sua longevidade também sugere que descobriram como evitar a autodestruição em escala planetária. Como afirmou Steven Pinker, os humanos vêm se tornando cada vez menos violentos ao longo dos últimos 500 anos; as mortes per capita ocasionadas por conflitos militares chegaram provavelmente ao número mais baixo de todos os tempos. Não será esse um padrão recorrente em todo o universo, desdobrando-se numa escala de tempo muito maior – quanto mais antiga uma civilização, menos belicosa ela se torna? E, nesse caso, se conseguirmos mandar uma mensagem aos extraterrestres, talvez de fato eles venham a nós em paz.
Esse tipo de questão nos conduz inevitavelmente aos dois exercícios intelectuais fundamentais em que se basearam o Seti e o Meti: o Paradoxo de Fermi e a Equação de Drake. O paradoxo, formulado pelo físico italiano e prêmio Nobel Enrico Fermi, parte da hipótese de que o universo contém um número inconcebivelmente grande de estrelas, das quais uma porcentagem significativa tem planetas em sua órbita na faixa considerada habitável. Se vida inteligente emergir numa fração ínfima desses planetas, o universo fervilharia de civilizações adiantadas. Ainda assim, até os dias de hoje, não vimos indício dessas civilizações, mesmo depois de várias décadas esquadrinhando os céus com as pesquisas do Instituto Seti. A pergunta de Fermi, surgida, ao que parece, num almoço em Los Alamos, no início dos anos 50, era simples: “Onde está todo mundo?”
A Equação de Drake tenta responder a esta pergunta e data de um dos grandes encontros acadêmicos de toda a história da astronomia: uma conferência realizada em 1961 no Observatório Nacional de Radioastronomia, em Green Bank, na Virginia Ocidental, reunindo Frank Drake, Carl Sagan, então com 26 anos, e o estudioso dos golfinhos (e mais tarde psiconauta) John Lilly, entre outros. Durante o encontro, Drake falou de suas reflexões sobre o Paradoxo de Fermi, formuladas como uma equação. Se começássemos a esquadrinhar o cosmos em busca de sinais de vida inteligente, Drake perguntava, qual seria a probabilidade de realmente detectar alguma coisa? A equação não gera uma resposta clara, porque o valor de quase todas as variáveis, desconhecido à época, continua em grande parte desconhecido meio século mais tarde. Mas ainda assim a equação teve um efeito esclarecedor. Em forma matemática, seu enunciado é o seguinte:
N = R* x fp x ne x fl x fi x fc x L
N representa o número de civilizações existentes e capazes de comunicação na Via Láctea. A variável inicial, R*, corresponde à taxa (R, de rate) de formação de estrelas na galáxia, o que daria o número total de sóis em potencial que poderiam sustentar a vida. E as variáveis que se seguem servem como uma espécie de sequência imbricada de filtros: dado esse número de estrelas existentes na Via Láctea, que fração (f) delas pode ter planetas (p), e qual número (n) destes possuirão condições ambientais (e, de environment) de sustentar a vida? Desses planetas potencialmente hospitaleiros, em qual fração a vida (l, de life) chega de fato a emergir, que fração dessa vida evolui até a inteligência (i), e qual fração dessa vida inteligente acaba redundando numa civilização (c) capaz de emitir sinais detectáveis para o espaço? Ao final da equação, Drake colocou a variável crucial L, que exprime a duração (length) média do tempo em que essas civilizações emitem sinais assim.
O que torna a Equação de Drake tão fascinante é, em parte, a maneira como obriga a mente a lidar com tantas disciplinas diferentes num mesmo arcabouço. À medida que você se desloca da esquerda para a direita, vai transitando da astrofísica para a bioquímica, daí para a teoria da evolução e para a ciência cognitiva, até chegar às teorias do desenvolvimento tecnológico. E o valor arbitrado para cada uma das variáveis da Equação de Drake acaba por revelar toda uma visão de mundo: você pode achar que a vida é rara, mas que quando emerge geralmente resulta em vida inteligente; ou pode achar que a vida microbiana é praticamente onipresente no cosmos, mas que quase nunca se formam organismos mais complexos. A equação pode evidentemente levar a resultados muito diversos, dependendo dos valores atribuídos a cada variável.
O valor mais provocativo é o último: L, a duração média de uma civilização apta a transmitir sinais de rádio. Ninguém precisa ser uma Poliana para estimar um valor de L relativamente alto. É só acreditar que as civilizações podem se tornar autossustentáveis e sobreviver milhões de anos. E basta que uma em cada mil formas de vida inteligente redunde numa civilização que dure 1 milhão de anos para o valor de L sofrer um aumento significativo. Agora, se você atribuir um valor baixo a L, isso implicará uma nova pergunta: Por que ele se mantém baixo assim? Será que civilizações tecnológicas surgem e desaparecem a todo momento na Via Láctea, como vaga-lumes espalhados pelo espaço? É porque esgotam seus recursos? Porque promovem sua própria destruição?
Desde que Drake formulou sua equação em 1961, dois desenvolvimentos cruciais mudaram nossa visão do problema. Primeiro, os valores do lado esquerdo da equação (representando o número de estrelas com planetas potencialmente habitáveis) tiveram um crescimento de várias ordens de grandeza. E, segundo, faz décadas que tentamos captar sinais de rádio e nunca ouvimos nada. Como diz Brin: “Alguma coisa vem mantendo baixo o resultado da Equação de Drake. E não há discordância quanto a isso entre os participantes da discussão em torno do Seti; todos concordam, mas ninguém sabe qual dos elementos da panóplia da equação é o responsável por esse efeito.”
Se os valores do lado esquerdo não param de crescer, a questão é saber quais variáveis do lado direito são os filtros decisivos. Como diz Brin, queremos que o filtro esteja atrás de nós, e não na única variável, L, que ainda se encontra em nosso futuro. Queremos que o surgimento da vida inteligente seja absurdamente raro; se o contrário for verdade, e a vida inteligente for abundante na Via Láctea, então os valores de L só podem ser baixos, medidos talvez em séculos e nem mesmo em milênios. Neste caso, a adoção de um estilo de vida tecnologicamente adiantado poderia ser praticamente simultânea à extinção. Primeiro você inventa o rádio, depois cria tecnologias com potencial de destruir toda a vida em seu planeta e pouco depois aperta o botão e sua civilização se apaga.
A questão do valor de L explica por que tantos opositores do Meti – como Musk e Hawking – também se preocupam com outras ameaças capazes de produzir nossa extinção: computadores superinteligentes, robôs nanoscópicos fora de controle, armas nucleares, asteroides. Num universo em que o valor de L é baixo, a aniquilação em escala planetária é uma possibilidade iminente. Mesmo que só uma fração ínfima das civilizações alienígenas se mostre inclinada a disparar um pequeno projétil contra nós à metade da velocidade da luz, valerá a pena enviar uma mensagem se houver a mínima probabilidade de uma resposta que resulte na destruição total da vida na Terra?
Existem outras explicações, mais benévolas, para o Paradoxo de Fermi. O próprio Drake mostra-se pessimista em relação ao valor de L, mas não por razões distópicas. “É que estamos melhorando quanto ao uso da tecnologia”, ele explica. As descendentes atuais das antigas torres de transmissão de tevê e rádio – emissoras involuntárias de Elvis para as estrelas – são muito mais eficazes no uso de energia, e os sinais que ainda “extravasam” da Terra são significativamente mais fracos que na década de 50. Na verdade, compartilhamos uma quantidade cada vez maior de informações via fibra óptica e outros meios terrestres, que não vazam para além da nossa atmosfera. É possível que as sociedades tecnologicamente avançadas de fato se comportem como vaga-lumes, não por serem autodestrutivas: apenas dão preferência à comunicação a cabo.
Para alguns críticos do Meti, porém, mesmo uma interpretação menos apocalíptica do Paradoxo de Fermi ainda sugere cautela. É possível que as civilizações avançadas tendam a chegar a um ponto a partir do qual escolham não transmitir sinais detectáveis por seus vizinhos da Via Láctea. “É a outra resposta para o Paradoxo de Fermi”, Vakoch diz com um sorriso. “Existe um Stephen Hawking em cada planeta, e é por isso que não captamos nada do que vem deles.”
Em sua casa na Califórnia, em meio às sequoias, Frank Drake guarda uma versão da mensagem de Arecibo codificada num formato bem diferente dos pulsos de rádio: um vitral colorido, na sala de estar, uma grade de pixels num fundo azul cerúleo que quase lembra o jogo Space Invaders. Existe algo na questão do Meti que força a mente a se estender para além de seus limites habituais. Você precisa imaginar alguma forma radicalmente diversa de inteligência, usando apenas sua inteligência humana. Você precisa imaginar escalas de tempo em que uma decisão tomada em 2017 pode desencadear consequências momentosas 10 mil anos no futuro. A mera enormidade dessas consequências já desafia nossas medidas habituais de causa e efeito. Independentemente de achar que os alienígenas sejam guerreiros ou mestres zen, se acreditar que o Meti tem uma chance razoável de estabelecer contato com outro organismo inteligente em algum ponto da Via Láctea, você precisa aceitar que talvez dependa desse pequeno grupo de astrônomos, autores de ficção científica e patronos bilionários – às voltas com discussões sobre números semiprimos e a ubiquidade da inteligência visual –, a decisão que pode vir a ser a mais transformadora de toda a história da civilização humana.
O que nos traz de volta a uma questão muito mais terrena, embora não menos complicada: quem toma as decisões? Ao cabo de muitos anos de discussão, a comunidade do Seti chegou a um acordo quanto ao procedimento que cientistas e organismos governamentais devem seguir caso as pesquisas esbarrem de fato com um sinal inteligível vindo do espaço. Esses protocolos recomendam especificamente “não mandar qualquer resposta a um sinal ou outro indício de inteligência extraterrestre até que se façam as consultas internacionais apropriadas”. Mas ainda não existe um conjunto equivalente de diretrizes regendo nossas próprias emissões interestelares.
Uma das participantes do debate em torno do Meti, Kathryn Denning, antropóloga da Universidade York, em Toronto, afirma que nossas decisões quanto ao contato extraterrestre são mais políticas que científicas. “Se eu precisasse tomar uma posição, diria que acho essencial uma consulta ampla relativa ao Meti, e que respeito muito os esforços nesse sentido”, ela diz. “Por mais consultas que se façam, é inevitável uma discordância quanto a recomendar a transmissão, e não acho que nesse tipo de situação a decisão possa vir de uma eleição majoritária, ou mesmo por maioria qualificada… Assim, isso sempre nos remete à mesma pergunta: É correto que algumas pessoas transmitam mensagens com esse alcance, contrariando a vontade de outros?”
Num certo sentido, o debate em torno do Meti corre em paralelo a outras decisões que podem afetar nossa existência e que precisaremos enfrentar nas próximas décadas, à medida que avança nossa capacidade científica e tecnológica. Devemos criar máquinas tão inteligentes a ponto de nossa capacidade intelectual não entender mais seu funcionamento? Devemos procurar uma “cura” para a morte, como propõem tantos especialistas em tecnologia? Como o Meti, estas decisões figuram entre as potencialmente mais momentosas que os seres humanos jamais terão tomado; ainda assim, é ínfimo o número de pessoas que participam ativamente nessas decisões – ou sequer têm conhecimento de que tais decisões estão sendo tomadas.
“Precisamos repensar o processo da mensagem, de modo a enviar mensagens gradativamente mais inclusivas”, diz Vakoch.
Qualquer mensagem inicial haverá de ser muito limitada, muito incompleta. Mas é assim mesmo. Deveríamos imaginar meios de tornar a próxima remessa melhor e mais abrangente. Em termos ideais, precisamos incorporar tanto a especialização técnica – as pessoas que vêm refletindo sobre essas questões num espectro variado de disciplinas – quanto a opinião de leigos. Tendemos a agir de forma a excluir uma das duas. Apurar a opinião dos leigos de modo a transformar o conteúdo das mensagens é fazer uma pesquisa sobre o tipo de coisas que as pessoas gostariam de dizer. É importante saber quais os temas gerais sobre os quais as pessoas gostariam de falar, e depois traduzi-los numa mensagem em Lincos.
Quando perguntei a Denning qual a posição dela quanto ao Meti, ela me respondeu: “Só posso responder a essa pergunta com outra: Por que você está me fazendo essa pergunta? Por que a minha opinião deve ter mais peso que a de uma menina de 6 anos vivendo na Namíbia? Tanto eu como ela seremos igualmente afetadas pelo resultado, na verdade ela mais que eu, pois a probabilidade de morrer antes que ocorra alguma consequência da transmissão é um pouco maior para mim – supondo que ela vá ter acesso a água limpa e cuidados de saúde decentes, e não morra ainda muito jovem em alguma guerra.” E continuou: “Creio que o debate sobre o Meti pode ser um desses raros casos em que o conhecimento científico é altamente relevante para a discussão, mas sua conexão com as decisões mais óbvias é no máximo tênue, pois em última análise tudo depende de quanto risco a população da Terra se dispõe a tolerar… E por que exatamente deve caber apenas aos astrônomos, cosmólogos, físicos, antropólogos, psicólogos, sociólogos, biólogos, escritores de ficção científica ou qualquer outra pessoa (em qualquer ordem), a decisão sobre qual deve ser esse grau de tolerância?”
Enfrentar a questão do Meti sugere, ao menos para mim, que o único invento de que a sociedade humana necessita é mais conceitual que tecnológico. Precisamos definir uma categoria especial de decisões que podem gerar um risco potencial de extinção. Novas tecnologias (como computadores superinteligentes) ou intervenções (como o Meti) que envolvam um risco ainda que mínimo de causar a extinção humana demandam uma forma inédita de supervisão global. E parte desse processo deve acarretar, como sugere Denning, a definição de alguma medida da tolerância ao risco em escala planetária. Sem ela, por falta de outras regras, a agenda será sempre definida pelos jogadores, e o restante de nós terá de viver com as consequências das apostas deles.
Em 2017, a ideia da supervisão global de qualquer atividade, por mais que comprometa nossa existência, pode soar ingênua. As tecnologias também podem ser inevitáveis, e talvez só possamos aplicar-lhes algum freio por pouco tempo: se o contato com alienígenas é tecnicamente possível, então alguém, em algum lugar, há de fazê-lo muito em breve. É raro o precedente histórico de humanos que escolhem renunciar a alguma nova tecnologia – ou preferem não entrar em contato com outra sociedade – devido a alguma ameaça que talvez nem chegue ao longo de várias gerações. Mas pode estar na hora de tomar algum partido. E este é um dos benefícios inesperados do debate em torno do Meti, seja qual for a posição que se escolha. Pensar sobre o tipo de civilização com a qual podemos dialogar acaba por nos fazer pensar ainda mais sobre o tipo de civilização que desejamos.
Terminando minha conversa com Frank Drake, retornei à questão do silêncio crescente do planeta: tantos sinais menos eficazes de rádio e televisão sucedidos pelas transmissões indetectáveis da era da internet. Talvez este seja o argumento de longo prazo a favor do envio de mensagens, sugeri; mesmo que não cheguem antes do fim das nossas vidas, teremos criado um sinal que pode tornar possível uma conexão interestelar daqui a milhares de anos.
Drake se inclinou e aquiesceu. “E isso nos propõe uma questão interessante e não científica: Serão altruístas as civilizações extraterrestres? Será que reconhecem esse problema, e criaram um farol em benefício dos outros habitantes do universo? Para mim, a questão é na verdade darwiniana. Acho que a evo-lução favorece as sociedades altruístas. E por isso meu palpite é que sim. Acho que cada civilização pode ter criado um sinal bem nítido e potente.” Dado o tempo de trânsito através do universo, este sinal pode muito bem durar mais que a nossa espécie, caso em que pode servir, em última instância, como memorial e como mensagem – uma versão interestelar das grandes pirâmides do Egito: a prova de que um organismo tecnologicamente avançado se desenvolveu neste planeta, seja qual for seu destino final.
Enquanto eu contemplava a mensagem de Arecibo no vitral da casa de Drake, no meio do bosque de sequoias, pareceu-me que uma civilização altruísta – desejosa de chegar ao outro lado do cosmos em paz – é algo a que deveríamos aspirar, a despeito do potencial de risco. Queremos ser o tipo de civilização que prega tábuas nas janelas e finge não haver ninguém em casa, por medo de alguma ameaça desconhecida que paire no céu escuro? Ou queremos ser um farol?