Andrés Sandoval_2018
Einstein versus Einstein
Davi derrota Golias no tribunal
Roberto Kaz | Edição 141, Junho 2018
O dentista Einstein Oliver tomou um susto quando entrou no site do Superior Tribunal de Justiça numa terça-feira de abril. Emocionado, chamou os filhos e ligou para a advogada. “Foi unânime!”, repetiu aos prantos enquanto lia as páginas do acórdão. Era sua primeira vitória após dezessete anos de uma batalha judicial que ele travava contra o Hospital Israelita Albert Einstein, um dos maiores de São Paulo, situado no bairro do Morumbi.
O duelo de Einstein, o dentista, contra Einstein, o hospital privado, começou no dia 16 de fevereiro de 2001, quando Oliver foi visitado por um oficial de cartório em seu pequeno consultório – o Instituto Einstein de Saúde –, localizado num bairro de classe média baixa paulistano. O oficial trazia uma notificação extrajudicial, em que o dentista era acusado de fazer uso ilegal da marca “Einstein”, já registrada pelo hospital. O estabelecimento exigia que o nome da clínica dentária fosse mudado em oito dias. Três meses depois, o dentista foi processado.
Einstein Oliver é um homem grande e desajeitado de 50 anos que mora com os três filhos num sobrado em São Paulo. Nasceu em São José do Rio Preto, filho de um Pitágoras e irmão de um Thales (o avô gostava de matemática). Morou também em Barretos e Piracicaba, o que acabou por lhe conferir um sotaque caipira triplamente destilado. Foi na cidade natal que abriu sua primeira clínica, o Instituto Einstein da Boca, especializado em implantes dentários.
Em 1999, Oliver mudou-se para São Paulo com a família. Nos primeiros anos na capital, trabalhou como autônomo, num consultório montado num imóvel que pertencia ao então sogro. Em 2001, decidiu abrir uma empresa própria para diminuir o custo com impostos. Foi ao cartório disposto a registrar o nome da clínica que abrira em Rio Preto. O tabelião, no entanto, insinuou que o termo “boca” remetia às bocas de fumo, e o convenceu a trocá-lo por “saúde”. A consulta aos arquivos municipais indicou que o nome estava vago, e a empresa foi registrada conforme a sugestão do tabelião.
Semanas depois, Oliver foi notificado pelo hospital. Vieram em seguida o processo e uma liminar que o impedia de usar a expressão “Albert Einstein” em qualquer contexto comercial, sob pena de multa diária de mil reais. De nada adiantou argumentar que ele já não o fazia (afinal, Oliver usava apenas seu prenome, sem o Albert). Receoso, achou por bem trocar o letreiro por outro mais genérico, que dizia apenas “Clínica de cirurgias e consultório dentário”.
Não bastasse a encrenca com o hospital, pouco tempo depois o Conselho Regional de Odontologia fez uma visita de fiscalização e determinou que o dentista voltasse a incluir seu nome na placa, para se adequar ao estatuto da entidade. Encurralado, Oliver capitulou. “Tirei a placa, tirei tudo. Parei também de anunciar em jornal de bairro, porque a liminar impedia qualquer tipo de publicidade.” Sua clientela, que já não era vasta – “Quem faz implante dentário não costuma contar pros amigos” – evaporou de vez. Em 2012, o dentista passou a vender linguiça.
Representado por um escritório de advocacia especializado em marcas e patentes, o Hospital Albert Einstein acumulou sentenças favoráveis à medida que o processo tramitava nas varas de São Paulo e Brasília. Em 2010, às vésperas do julgamento em segunda instância, o advogado de Oliver deixou o caso. O dentista recorreu então a uma vizinha, Emília Soares de Souza, de 77 anos, que era mãe de um cliente do seu consultório.
Souza não cobrou nada de Oliver e entrou no caso desesperançosa. “Era um hospital gigante contra uma advogada sem nome e nem banca.” Para reivindicar o direito sobre a marca “Albert Einstein”, o estabelecimento alegou que Hans Albert, filho do cientista, dera o consentimento verbal para assentar a pedra fundamental da construção numa visita a São Paulo em 1958. A advogada intuiu que poderia virar o jogo se tivesse acesso ao testamento do físico alemão.
Após ler biografias e cartas de Einstein, Souza encontrou uma cópia do testamento nos autos de outro processo envolvendo uma disputa pelo nome do cientista, no qual o hospital também era parte. “Einstein se divorciou quando Hans era adolescente e fez seu testamento em nome da secretária e da enteada”, explicou a advogada. “Depois da morte delas, tudo ficaria sob a guarda da Universidade Hebraica de Jerusalém.” O filho Hans, portanto, não teria a prerrogativa de autorizar ou não o uso do nome do pai, de acordo com seu raciocínio.
O argumento não convenceu os desembargadores de São Paulo, nem o ministro Marco Aurélio Bellizze, do STJ, que decidiu em favor do hospital de maneira monocrática. Parecia o fim da linha para o dentista. Só que a jurisprudência registrava casos similares que, no passado, haviam sido julgados com resultado oposto em instâncias inferiores (uma das decisões favoreceu a rede americana de restaurantes Einstein Bros., que pretendia se instalar no Brasil). A advogada fez um agravo interno no próprio STJ, que culminou com a vitória de Oliver em abril. O hospital ainda pode entrar com recursos protelatórios.
“É um caso de má-fé”, alegou a advogada Lorimary Gomes Garcia, que representa o hospital. O dentista, argumentou ela, poderia ter registrado a empresa com o nome completo, mas não o fez. “O problema é também do consumidor, que confia na marca Albert Einstein e pode ser induzido ao erro.” Por fim, concluiu Garcia, deveria prevalecer o critério de anterioridade. “O hospital começou a ser erguido antes de o senhor Einstein Oliver nascer.”
O dentista continua vendendo linguiça, que traz de São José do Rio Preto e repassa para restaurantes de São Paulo (escaldado, batizou a nova empresa com nome e sobrenome: Einstein Oliver Comércio de Produtos Alimentícios Ltda.). Pretende reabrir o consultório, sem prejuízo para a venda de embutidos. “Vai me custar mais de 50 mil reais, mas dou um jeito.” O nome? “Instituto Einstein de Saúde, claro.” Suspirou. “O Einstein da saúde sou eu.”
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