CRÉDITO: ALLAN SIEBER_2022
Ele está vivo
Além daquele plano, Bolsonaro ainda tem seus planos
Ana Clara Costa | Edição 187, Abril 2022
Em janeiro, encantada com o desempenho do ex-presidente Lula nas pesquisas, a entourage do PT começou a circular em Brasília com uma desenvoltura que não se via desde o impeachment de Dilma Rousseff – e, discretamente, passou a dar início a uma tarefa própria dos vitoriosos: examinar o mapa de cargos do Executivo, com vistas à montagem do futuro governo. Lula, então vinte pontos percentuais à frente de Jair Bolsonaro, não estava tão otimista. Achava que ainda era necessário se concentrar na campanha, montando palanques e alianças. O senador Jaques Wagner (PT-BA) alertava para o risco do salto alto. O ex-ministro José Dirceu, que se mantém longe da cúpula petista desde o mensalão e a Lava Jato, mandou um recado claro: “É um erro cantar vitória contra quem tem a máquina a seu favor.”
Bingo. As pesquisas das últimas semanas mostraram que Bolsonaro não está morto. Segundo dados da pesquisa do Ipespe, encomendada pela XP Investimentos, sua intenção de voto avançou de 24% para 28% de dezembro do ano passado até março, e sua taxa de rejeição, em nível recorde na história da democracia, recuou dois pontos, estacionando em 63%. Sua gestão, antes considerada ruim ou péssima por 54% dos brasileiros, agora é repudiada por 52%. Uma pesquisa do Datafolha, divulgada no dia 24 de março, encontrou cenário semelhante: Bolsonaro avançou para 26%. São números ainda ruins, mas, para quem boicotou a vacina e governa um país com 660 mil vítimas da pandemia, com a mais alta inflação e a maior taxa de juros desde o Plano Real, 12 milhões de desempregados, a gasolina nas alturas, a Amazônia incendiando, as milícias se expandindo, rachadinhas e propinas em ouro, o resultado não deixa de ser notável.
O Centrão sabe que Bolsonaro não piorar é uma grande notícia. Por isso, alguns de seus perdigueiros do poder que começavam a mandar piscadelas para Lula voltaram a se assanhar com Bolsonaro. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, e Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, reafirmaram o cálculo inicial que os colocou ao lado de Bolsonaro pela reeleição: nada os impede de correr para os braços de Lula – onde se aninhavam até anteontem –, mas é mais fácil manter as coisas como estão do que passar pelo desgaste de uma troca de governo. Eles apostam que o auxílio de 400 reais fará a mágica. Acreditam que, no primeiro mês do pagamento, em janeiro, a população pagou dívidas. No segundo, incrementou a alimentação. No terceiro, realizado em março, terá percebido a melhora de vida e vai atribuir seu bem–estar ao presidente.
É um otimismo. Os 400 reais do auxílio são uma enorme ajuda aos mais pobres, mas não compram nem uma cesta básica, hoje avaliada em cerca de 700 reais em São Paulo, segundo o Dieese. O valor também só paga uma parcela pequena das dívidas, considerando-se que, em média, o brasileiro deve 3,9 mil reais, o equivalente a dez parcelas do auxílio. Resta um agravante: dos 60 milhões que receberam o auxílio durante oito meses no início da pandemia – período em que a popularidade de Bolsonaro saltou de 33% para 46% – dois terços estão agora excluídos do benefício. Antonio Lavareda, o cientista político que analisa os dados do Ipespe, explica a confiança: “É muito difícil para aliados ou membros de um governo imaginarem perder uma eleição dado o volume descomunal de recursos que manobram. E, mesmo assim, às vezes eles perdem.”
Justiça seja feita: o ministro Paulo Guedes, o Posto Ipiranga tornado entreposto, tem feito o que pode para distribuir dinheiro. Seu ministério trabalha com recursos da ordem de 165 bilhões de reais, realocados de fundos garantidores e bancos públicos, para aplicar diretamente na veia, por meio de crédito e antecipação de benefícios já existentes. É um subterfúgio clássico, usado por todos os governos em campanha pela reeleição, a despeito da ironia de ser agora promovido por uma gestão tão orgulhosamente liberal. Para contornar as limitações impostas pela lei em ano eleitoral, Guedes vem atacando nas brechas orçamentárias: antecipação de saques do FGTS, adiantamento do décimo terceiro para aposentados e pensionistas, aumento do crédito consignado, subsídios fiscais, medidas tributárias para contornar o aumento do petróleo. Onyx Lorenzoni, o ministro do Trabalho e Previdência que outrora vivia alvejando Guedes com rajadas de fogo amigo, agora o auxilia na missão.
Se o liberal cobriu-se com verbas de Estado, o misógino agora é todo mulheres. As pesquisas qualitativas da campanha do presidente mostram que Bolsonaro precisa atacar em três frentes: apagar a memória de que boicotou a vacina, atrair o eleitorado que ganha menos de 1,5 mil reais (hoje mais lulista) e ganhar o voto feminino. Por isso, o governo lançou um “pacote mulher”, chamado Brasil para Elas, para conceder microcrédito para microempresárias e oferecer oficinas de empreendedorismo. Daniella Consentino, braço direito de Guedes, está encarregada de tocar o plano com uma orientação inequívoca: o dinheiro precisa chegar à mão das mulheres. Faz sentido. O Ipespe informa que só 21% delas votariam em Bolsonaro, contra 35% dos homens.
Para encorpar o argumento pró-mulher, o Centrão tratou de deflagrar um ataque triplo, mas acabou duplamente fracassado. O primeiro ataque foi ampliar a participação de Michelle Bolsonaro em eventos públicos, coisa que o presidente se negava a fazer, mas mudou de ideia. O Centrão levou. O segundo era convencer a ministra Damares Alves a ficar no governo para ajudar a melhorar o desempenho do presidente no eleitorado feminino, mas Bolsonaro preferiu que ela mantivesse sua candidatura, preocupado em ter aliados leais no Congresso, caso se reeleja. A terceira frente era escalar a ministra Tereza Cristina para candidata a vice. O Centrão também não levou. Bolsonaro parece decidido a preencher a vaga com o general da reserva Walter Braga Netto, o ministro da Defesa que aderiu às franjas mais radicais do bolsonarismo ao ingressar no governo.
Se tudo der errado, há uma discreta torcida no governo pelo caos – no caso, um agravamento da guerra na Ucrânia. Se as consequências se multiplicarem, o primeiro passo seria decretar o estado de calamidade no Brasil – o que tem a enorme vantagem de neutralizar as restrições orçamentárias impostas pela lei eleitoral. Sob o estado de calamidade, o governo teria amplo espaço no Orçamento da União para fazer gastos não previstos. Entre eles, já se estuda a concessão de crédito extraordinário – que passa por estados e municípios – e um auxílio mais encorpado que os atuais 400 reais.
Bolsonaro tem seus planos para vencer a eleição, mas não abandonou aquele plano – o de virar a mesa, no caso de perder nas urnas. É preciso um otimismo radical para imaginar que, derrotado em outubro, Bolsonaro estará no Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro de 2023 aguardando que o vencedor suba a rampa para lhe colocar a faixa presidencial no peito. Nenhum dos planos de campanha – o auxílio emergencial, os 165 bilhões de reais, os acenos às mulheres – supõe a eliminação do jogo bruto. Nele, a tática mais conhecida são as mentiras sobre fraudes na urna eletrônica, que preparam o terreno para a recusa de Bolsonaro em aceitar uma eventual derrota. Modelo Trump.
O problema de Bolsonaro é que 2022 não é 2018 e, segundo os especialistas em pesquisas, o antipetismo não decide mais a eleição. Em meados de dezembro, quando parecia plausível que Lula vencesse no primeiro turno, o cientista político Maurício Moura, da Ideia Big Data, alertava que a força do antipetismo tornava esse cenário altamente improvável. Mas, se o antipetismo impede uma vitória acachapante do PT, também não tem empuxo para eleger seu adversário – como aconteceu em 2018. “Essa será uma eleição difícil, em que o eleitorado vai avaliar o governo atual por seus feitos e malfeitos”, diz Moura. “O que contará, nesta eleição, é o bem-estar da população. Para que Bolsonaro consiga ultrapassar Lula, terá que ir além do antipetismo.”
Murilo Hidalgo, diretor do Instituto Paraná Pesquisas, que faz as sondagens solicitadas pelo partido do presidente, diz que, a despeito da relevância da pauta econômica, Bolsonaro não descartará as pautas ideológicas. “Claro que se a gasolina estiver a 12 reais, essa será a discussão. Mas, se houver normalidade, não tem como Bolsonaro não manter foco nos costumes”, diz Hidalgo. Um levantamento encomendado por uma instituição financeira em março perguntou a 1,5 mil eleitores sobre os maiores problemas de hoje. Ninguém falou em “pautas ideológicas”, e 68% citaram emprego e renda. Sugere que são reduzidas as chances de os planos de Bolsonaro darem certo – mas sempre haverá aquele plano.
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