ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2014
Ensino de língua
I want to see you in the World Cup
Tarcísio Badaró | Edição 92, Maio 2014
Oito e meia da manhã. Ágatha chega com pontualidade britânica. De um loiro quase branco, os cabelos caem em caracóis até a altura dos ombros; o short jeans cobre apenas parte das nádegas; a blusa deixa à mostra a barriga e as pimentas tatuadas nas costas. Antes mesmo de saudar o professor, Ágatha vê o quadro-negro apinhado de palavras em inglês – algumas ela até conhecia de ouvido. “!” aqui, “Relou!” ali, ela senta e dá início a um arrazoado sobre a invariável má conduta dos fregueses endinheirados. Em seguida, conta, satisfeita, como conquistou um cliente colombiano ao desembainhar um “Hola, ¿cómo estás?”. E logo passa a discutir o uso do termo “prostituta”, a que se opõe com ferocidade. “Sou uma profissional do sexo”, afirma. “A working girl”, faz coro o professor, que acha graça dos comentários, entremeando vários deles com um “Oh, my God!”.
No quadro, os temas do dia: profissões, dias da semana, vogais. Precisariam aguardar um pouco para começar a função, pois a outra aluna estava atrasada. Vinte minutos depois, Laura rompeu como um furacão, com sua voz aguda e uma risada inconfundível. “Espera que eu preciso copiar o quadro”, avisou antes que o professor ameaçasse seguir adiante. Laura cumprimentou a colega com um nome que surpreendeu o mestre, mas ele nada perguntou.
Igor Fuchs já nem sabe por que ainda estranha – afinal, algumas estudantes adotavam um nome diferente a cada semana. Ágatha percebeu a surpresa do teacher e, quando esboçava uma explanação mercadológica sobre os nomes de guerra, a outra encerrou o assunto por outro viés: “O que você esperava de uma loira? Só podia ser mentirosa!” Ia começar mais uma aula de inglês para profissionais do sexo de Belo Horizonte.
As “aulas de inglês para as putas”, como ficou vulgarmente conhecido o curso, foram um estrondo na mídia. Quando, logo nos primeiros dias de 2013, surgiu a notícia de que a Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig) estava organizando aulas de idiomas para instrumentalizar as profissionais do sexo a lidar com clientes estrangeiros na Copa do Mundo no Brasil, a imprensa nacional e estrangeira correu para a Guaicurus.
A zona de baixo meretrício da capital mineira, uma histórica região boêmia – que chega a ser comparada com o Bairro da Luz Vermelha, de Amsterdã, mas que lembra mais a Vila Mimosa, no Rio, e o Jardim Itatinga, em Campinas –, ganhou as manchetes. “Eu dei entrevista para tudo quanto é jornal. Era a Globo, a Record… Veio gente do exterior gravar: da HBO, da Espanha, da Itália, da França. Fiquei internacional”, contou Laura, 56 anos, prostituta, aluna e também uma das diretoras da associação.
A Aprosmig fica na rua Guaicurus, que é onde cerca de mil mulheres trabalham diariamente, em 21 “hotéis”, cobrando de 10 a 35 reais por um “programa básico”, uma unidade compartilhada por todas as profissionais e sinônimo para “três posições e uma chupadinha” – não necessariamente nessa ordem. Um desses hotéis, o Cristal, é onde Ágatha Pimentinha bate o ponto quando não está estudando inglês.
“Nice to meet you too”, respondeu, sorridente, a Pimentinha, confiante da resposta correta, apesar da pronúncia duvidosa. A lição caminhava bem, ainda que as duas estudantes se dispersassem com muita facilidade. O professor falava e elas às vezes respondiam, às vezes repetiam o que tinham acabado de ouvir. O termo hairdresser empacou o andamento da aula. Nem mesmo as dicas do professor ajudaram, já que a primeira resposta para “algo de que as mulheres gostam muito” foi “dinheiro”, e a segunda, “homem rico”.
Afora as profissões, o foco era treinar perguntas e respostas úteis no momento de acertar um programa, além de dar conta do vocabulário oficioso, com implicações de tempo, serviço e valor. Este último, já no final da aula, atravancou novamente os ensinamentos. Ágatha, que garante se interessar mais por dinheiro que por salão de beleza, não foi capaz de responder, em inglês, que o programa dela custa 15 dólares.
Ágatha nasceu no Recife e lá foi batizada. Antes mesmo de aprender a pronunciar seu verdadeiro nome, mudou-se para Piracicaba, no interior paulista, onde se prostituiu pela primeira vez mal tinha festejado seu 16º aniversário. Hoje tem 26 anos, e trabalha há três na Guaicurus, que descobriu por indicação de uma colega. Achou o negócio lucrativo a ponto de se mudar para Belo Horizonte. Deixou os dois filhos com o ex-marido, e diz ganhar cerca de 800 reais em um “dia bom”, quando chega a fazer vinte programas. Porém, levanta bem menos num dia ruim como aquela segunda-feira. “Por causa do curso, eu já vou começar a trabalhar só de tarde. É final de mês, ninguém tem dinheiro. Então, se eu fizer cinco hoje, já vai ser muito.”
Fraco como promete ser o dia tem sido o quórum nas aulas para as working girls. Assim como o interesse da imprensa, no princípio o curso atraiu as garotas. Nos primeiros meses, quinze professores voluntários assumiram o compromisso, e mais de dez turmas foram abertas, para aulas de inglês, espanhol, francês e italiano. Mr. Fuchs, o professor de inglês nas manhãs de segunda, chegou a ter dezoito alunas, ainda que não muito regulares. “Algumas foram desanimando, outras pensam que perdem dinheiro fechando o quarto e vindo aqui estudar. Há também as meninas que não aguentaram as ironias de seus pares, que ficavam pegando no pé; e enfim há também aquelas que aprenderam o suficiente para atender um cliente e pararam de frequentar o curso.”
Ágatha não se enquadra em nenhum desses casos. Ela é persistente. A pernambucana, que diz ter completado o 2º grau sem passar pelo inglês, forma com Laura o núcleo duro. “Elas sempre foram as mais assíduas”, explica o professor, “e hoje são as remanescentes.” A aula se encerra assim que as duas, a trancos e sopros, conseguem cobrar 15 dólares pelo fictício programa with-condom-three-positions-and-blowjob-for-ten-or-fifteen-minutes. Isso não só anunciou o fim da aula, como também uma inflação para os próximos meses: “Na Copa tudo é mais caro, uai!”