ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2013
Escândalo no bandejão
Uma tempestade num copo de creme de chocolate com avelã
Carol Pires | Edição 80, Maio 2013
Se a ocasião faz o ladrão, a direção da Universidade Columbia devia esperar o que estava por vir quando decidiu servir Nutella à vontade para milhares de estudantes ansiosos com prazos e provas. A iguaria era oferecida apenas nos fins de semana, mas desde a volta das férias de inverno estava diariamente à disposição dos clientes do Ferris Booth Commons, um dos três restaurantes do campus em Manhattan, Nova York.
A conquista era obra de Peter Bailinson, um menino de 20 anos, loiro e de olhos azuis. Ao ser aceito em Columbia no semestre passado, ele ainda não sabia se queria se formar em economia ou cultura asiática, mas tinha um objetivo claro: fazer amigos. “Adorei conhecer um monte de gente nos primeiros dias, mas os veteranos me disseram que, passada a empolgação da primeira semana, seria muito mais difícil conhecer alguém novo”, contou ele numa conversa em março. Para não correr riscos, candidatou-se a representante do Comitê Consultivo para Restaurantes.
Eleito, Bailinson passou a coletar pedidos e reclamações dos estudantes e levá-los à direção. Na primeira reunião do ano, apresentou uma reivindicação unânime: os alunos queriam Nutella, a calórica pasta de chocolate e avelã criada pelo italiano Pietro Ferrero durante a Segunda Guerra Mundial, quando o derivado do cacau era racionado em seu país.
O pedido foi acatado sem hesitação e, na segunda semana de fevereiro, o Ferris Booth incluiu o manjar no bufê à disposição dos alunos. A pasta foi servida numa bandeja funda de metal, na bancada onde já eram oferecidas pasta de amendoim, geleia e manteiga, na mesa ao lado dos pães e cereais.
Por 12,79 dólares (ou 26,07 reais), os clientes do Ferris Booth podem comer e repetir à vontade. O cardápio é variado entre sopas, salada, comida mexicana, sanduíches, pizzas e massas. Porém, como é possível comer melhor e por menos fora do campus, quem frequenta o restaurante são os calouros, obrigados a pagar o plano semestral de 2 210 dólares para ter de quinze a dezenove refeições por semana – uma medida que visa estimular a socialização dos novatos.
Depois de uma semana, a diretora executiva dos restaurantes procurou Peter Bailinson, alarmada com o custo inesperado para a reposição do item. A explicação parecia óbvia: estudantes chocólatras estavam aproveitando a boca-livre para estocar o objeto de desejo. “Sei que muitos alunos roubam garfos, colheres, pratos, copos, molhos e outras coisas dos restaurantes”, admitiu Bailinson. “Não era surpreendente que estivessem levando Nutella também.”
Num grupo fechado do Facebook para estudantes de Columbia, o representante publicou uma mensagem pedindo que ninguém pegasse mais Nutella do que o necessário. O consumo diário do quitute, acrescentou, chegava a 45 quilos, a um custo de cerca de 5 mil dólares por semana ao restaurante. Daí à suspeita de superfaturamento foi um passo: no Walmart, onde o pote de 750 gramas custa 6,56 dólares, a soma permitiria comprar 572 quilos do produto.
Duzentas pessoas curtiram o post e quarenta comentaram, o que chamou a atenção de uma estudante de jornalismo que trabalha no Columbia Spectator cobrindo o dia a dia do campus. No início de março o Nutellagate já se tornara objeto de reportagens do Huffington Post e do New York Times. Em entrevista para a CNN, Bailinson explicou que os números eram apenas uma estimativa, e negou que a universidade tivesse gastado 5 mil dólares semanais com Nutella. Mas o estrago já estava feito, e o número circulou. Não faltou quem o comparasse aos 45 mil dólares que a universidade cobra de anuidade, em média.
No Ferris Booth, os funcionários tiraram o corpo fora. A hostess que controla o acesso dos estudantes fez que não era com ela. “Fico aqui na porta, longe de tudo, não vejo o que acontece”, desconversou. O dominicano que repõe a Nutella confirmou que o creme acaba rápido, mas ressaltou que não sabia dizer se era por fome ou cleptomania, já que fica nos fundos do restaurante. Os garçons estavam ocupados demais servindo os comensais. Entre os alunos, ninguém parecia saber de nada.
A universidade reagiu de forma bem-humorada. Em nota oficial, negou que o Departamento de Literatura Comparada tivesse se unido ao de Neurociência para investigar o impacto proustiano da pasta de chocolate sobre a memória humana. A universidade esclareceu que os gastos exagerados se limitaram à primeira semana, quando foram empenhados 2 500 dólares para repor a sobremesa. A partir daí, o orçamento se estabilizou em 450 dólares semanais, razoáveis para um restaurante que serve 3 600 estudantes por dia.
Bailinson gosta de passar Nutella nos crepes que prepara para si no café da manhã de sábado, mas não é um fã incondicional. Com o Nutellagate, ele ao menos conseguiu o que queria: por alguns dias, foi o cara mais popular da faculdade. “Um monte de gente com quem eu não falava havia um tempão me escreveu depois de ver as reportagens”, contou, animado. “Uma semana depois todo mundo parou de falar nisso.”
Ainda está por ser provado o impacto do escândalo sobre o mercado negro da iguaria. No começo de abril, quando a poeira já havia baixado, a polícia de Bad Hersfeld, na Alemanha, confirmou que ladrões haviam roubado de uma transportadora 5,5 toneladas de Nutella, um carregamento avaliado em 42 mil reais. Do outro lado do Atlântico, em Columbia, a notícia foi recebida com discretos sorrisos de esperança.
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