ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2018
Escrito nas estrelas
Fazer mapa astral em ano eleitoral
Paula Scarpin | Edição 140, Maio 2018
No dia 10 de abril, Barbara Abramo telefonou para um cartório de Paracatu, no interior de Minas Gerais. Queria consultar a certidão de nascimento do primogênito de Benedita Gomes da Silva e Joaquim Benedito Barbosa Gomes. Sabia que o parto tinha acontecido em 7 de outubro de 1954, mas precisava também do horário exato para poder fazer o mapa astral de Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. “É fundamental ter o dado correto, porque o céu muda a cada quatro minutos”, justificou a astróloga numa entrevista à piauí.
Barbosa entrou no radar de Abramo depois que passou a aparecer com destaque nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência. Mas os vultos da República há tempos estão no centro de seus interesses. A bem da verdade, a política apareceu em sua vida muito antes que a astrologia. Filha de Claudio e prima de Perseu Abramo, duas figuras históricas do jornalismo brasileiro, ela cresceu acostumada a circular nos bastidores do poder – além do envolvimento de boa parte de sua família com a fundação do PT.
Por influência doméstica, Abramo cursou ciências sociais na USP; por influência dos astros, foi estudar o zodíaco. “Tenho sol em Capricórnio, ascendente em Escorpião e lua em Leão”, disse para justificar sua trajetória, sem explicar as implicações dessa configuração astral. Foi durante a primeira gravidez que caiu em suas mãos um livro sobre astrologia. Fascinada, matriculou-se num curso sobre o tema na extinta Escola Júpiter, fundada por ninguém menos que o filósofo Olavo de Carvalho, hoje uma referência da direita brasileira. “Na época ele era filiado ao Partido Comunista”, disse Abramo. “Dizia para lermos Aristóteles e tinha uma visão mais filosófica da astrologia. Aprendi muito com ele.”
Embora acostumada a ser motivo de chacota dentro de casa, Abramo conseguiu impor a vocação até ao pai, o mais cético. Um dia, ao perceber que ele conversava por telefone com Ulysses Guimarães, líder do MDB, postou-se ao seu lado. O olhar de súplica amoleceu o coração de Claudio Abramo: “Doutor Ulysses, minha filha, que involuiu do marxismo para a magia negra, quer saber o horário exato do seu nascimento.” Segundo ela, àquela altura, não havia nada que sugerisse o fim trágico do político, morto num acidente de helicóptero em 1992.
Abramo hoje conta com os amigos jornalistas para conseguir o horário de nascimento dos políticos. Quando soube que Jair Bolsonaro iria ao programa de Mariana Godoy na RedeTV!, ligou na hora para ela. “Você precisa ajudar a causa dos astrólogos”, implorou. Longe das câmeras, o presidenciável pelo PSL disse à entrevistadora que nasceu entre cinco e cinco e meia da manhã. A informação não fez sentido para Abramo. “Fiz o mapa e não batia em nada. Não era possível que fosse nesse horário.” Uma consulta ao cartório onde o deputado foi registrado revelou que, na verdade, ele nascera às duas e meia da manhã. “Aí, sim, fez sentido”, disse ela, em tom aliviado.
A astróloga não entrou em detalhes sobre como a diferença poderia ter afetado a personalidade de Bolsonaro. “Não tinha a menor chance de ele ter ascendente em Peixes, um signo de água”, alegou. Seria o presidenciável um homem mais afável ou ponderado caso tivesse nascido às cinco e meia? “Não dá pra simplificar desse jeito.”
Em 2014, Abramo assinava o horóscopo diário da Folha de S.Paulo e não se furtava a comentar o momento político do país em função da configuração dos astros. “Lua nova em Gêmeos sinaliza fortalecimento das oposições ao governo Dilma nos próximos dias”, ela escreveu em 28 de maio daquele ano. Muitos leitores acusaram o jornal de usar a coluna de astrologia para marcar posição política. A ombudsman Vera Guimarães Martins chegou a escrever uma coluna para defender a seriedade do trabalho da astróloga. “Acusar o jornal de politizar o horóscopo só revela o grau de irracionalidade e conflagração politica”, escreveu. E recomendou: “Neste ano, Barbara, é melhor falar de unicórnios.”
Abramo continuou a tratar de política em suas previsões, como sempre fizera (em 2003, por exemplo, foi uma das autoras do livro O Governo Lula e os Astros). A associação dos dois universos lhe parece mais que natural. “A astrologia está intimamente ligada ao poder desde sempre”, disse. “Na Babilônia, onde foi inventada, os astrólogos tinham status de ministros.”
Hoje Abramo é a astróloga do UOL, onde assina o horóscopo diário e uma coluna mensal. Também usa sua página no Facebook para informes mais urgentes – como no dia em que o juiz Sérgio Moro decretou a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva. “Verdadeira aula de astrologia prática o que tá acontecendo agora em São Bernardo do Campo”, ela escreveu na ocasião. A indecisão que cercava a reação do presidente ao mandado de prisão – “diz que diz, vai e volta, decide não decide, fala e desfala” – seria um exemplo típico das confusões que o Mercúrio retrógrado provoca na vida dos nascidos sob todos os signos. (Os astrólogos falam em “Mercúrio retrógrado” quando esse planeta parece estar andando de trás para a frente no céu noturno.)
Abramo notou ainda que, no que dependesse dos astros, Lula não teria a menor condição de sair candidato em outubro, mesmo que não tivesse sido condenado em segunda instância. “Isso se observa pela posição de Urano em quadratura à trinca de astros em Câncer, na época da eleição”, ela escreveu na rede social, sem dar maiores explicações.
A astróloga disse que nunca encontrou ânimos tão acirrados. “A cada vez que posto alguma coisa sobre Lula ou Bolsonaro, sou bombardeada pelos seguidores deles”, disse. A polarização política a levou a tomar uma decisão: pela primeira vez, vai publicar seu tradicional mapa astral dos presidenciáveis de forma anônima, “para evitar vômitos de ódio e grosserias”, conforme anunciou; só revelará quem é quem ao final da rodada. No caso do libriano Joaquim Barbosa, Abramo ainda aguarda que o cartório envie a certidão com o horário de nascimento. “Pela compleição física, o ascendente deve ser de algum signo de terra ou água”, arriscou.
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