O que restou da biblioteca da escritora Carina Luft e seu marido: quando o casal retornou à sua casa atingida pela enchente, setecentos livros jaziam misturados à lama fétida CRÉDITO: DANIEL PINHEIRO_2024
Combateremos à sombra
Escritores, editores e leitores do Rio Grande do Sul viram o caos engolir seus acervos
José Francisco Botelho | Edição 214, Julho 2024
Quando eu era menino, passei dois anos sem ver uma gota de chuva. Foi durante a grande estiagem que, entre 1989 e 1990, atingiu minha cidade natal, Bagé, na região do pampa gaúcho, na fronteira com o Uruguai. Nos campos, o pasto tinha um tom amarelo doentio, e cavalos e bois tombavam mortos de sede. Nas ruas, as pessoas se enfileiravam para coletar a água dos caminhões-pipas. Tomávamos banho de caneca, ou por meio de um balde com furinhos. A piscina do clube se transformou em cisterna.
À medida que os meses passavam e a chuva não vinha, um boato começou a circular. Algumas pessoas diziam que uma maldição pairava sobre a cidade e que seríamos aniquilados por aquele azul impiedoso, onde não havia um fiapo de nuvem. Estava tão desacostumado de ver a chuva que me parecia estranha a simples ideia de que um dia a água voltasse a cair do céu.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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