Cartela de ácido decorada com o Chapeleiro Maluco de Alice no País das Maravilhas, criação do designer americano Mark McCloud, que batizou sua coleção de "instituto de arte ilegal" FOTO: CORBIS (DC)_LATINSTOCK
Estados alterados
Minhas viagens químicas como um jovem médico neurologista
Oliver Sacks | Edição 74, Novembro 2012
Viver só o dia a dia é pouco para os seres humanos. Precisamos transcender, delirar, escapar; precisamos de significados e de explicações; precisamos enxergar um sentido geral em nossas vidas. Precisamos de esperança, de uma perspectiva de futuro. E precisamos de liberdade (ou, pelo menos, da ilusão de liberdade) para irmos além de nós mesmos, seja com telescópios, microscópios e outros meios tecnológicos, seja em estados mentais que nos possibilitem viajar para outros mundos, além de nossas circunstâncias imediatas.
Podemos buscar, também, um relaxamento das inibições, de modo a estabelecer uma conexão mais fluida com os outros, ou meios de tornar nossa consciência do tempo e da mortalidade mais fácil de suportar. Procuramos férias de nossas restrições internas e externas, uma sensação mais intensa do aqui e agora, da beleza e do valor do mundo em que vivemos.
À moda do poeta inglês William Wordsworth, muitos de nós encontram “sugestões de imortalidade” na natureza, na arte, no pensamento criativo ou na religião. Certas pessoas conseguem atingir estados de transcendência através da meditação ou de outras técnicas de indução de transes, ou por meio da oração e de práticas espirituais. Mas as drogas oferecem um atalho, prometem uma transcendência imediata. Esses atalhos existem porque certas substâncias podem estimular diretamente funções cerebrais complexas.
Todas as culturas encontraram veículos químicos para a transcendência, e em determinado momento o uso dessas substâncias intoxicantes se institucionalizou em um nível mágico ou sagrado. O uso cerimonial de componentes psicoativos encontrados em plantas tem uma longa história e persiste até hoje em rituais xamânicos e religiosos no mundo inteiro.
Num plano menos ambicioso, as drogas são usadas não tanto para iluminar, expandir ou concentrar a mente, mas pela sensação de prazer e euforia que podem proporcionar. Mesmo os primeiros mórmons, proibidos de consumir chá ou café, em sua longa marcha até o estado de Utah encontraram na beira da estrada uma erva simples, o chá mórmon, cuja infusão restabelecia e estimulava os combalidos peregrinos. Era a éfedra, que contém efedrina, similar às anfetaminas em seus aspectos químico e farmacológico.
Muitas pessoas experimentam drogas, alucinógenas ou não, em sua adolescência ou nos tempos de faculdade. Eu só fui experimentá-las depois dos 30 anos, quando já era residente de neurologia. Essa longa virgindade não se devia à falta de interesse. Eu tinha lido os grandes clássicos – Confissões de um Comedor de Ópio, de Thomas de Quincey, e Paraísos Artificiais, de Baudelaire – ainda no colégio. Li a história do escritor francês Théophile Gautier, que em 1845 visitou o recém-criado Club des Hashischins, num canto sossegado da Île Saint-Louis. O haxixe, na forma de uma pasta verde, tinha sido trazido pouco antes da Argélia, e fazia furor em Paris. No salão, Gautier consumiu uma porção considerável de haxixe. Num primeiro momento não sentiu nada fora do normal, mas logo, conta ele, “tudo parecia maior, mais rico, mais esplêndido”, e em seguida ocorreram algumas mudanças mais específicas:
Um personagem enigmático apareceu de repente diante de mim… Seu nariz era curvo como um bico de ave, seus olhos verdes, que ele enxugava amiúde com um lenço grande, eram rodeados por três círculos castanhos, e preso ao nó da gravata num colarinho branco alto e engomado havia um cartão de visita que dizia: Daucus-Carota, du Pot d’or… Pouco a pouco, o salão foi sendo tomado por figuras fora do comum, do tipo que encontramos apenas nas gravuras de Callot ou nas águas-tintas de Goya; uma mistura de fragmentos desconexos, de formas humanas e bestiais.
Na década de 1890, os ocidentais também começavam a provar o peiote ou mescal, cacto antes usado apenas em cerimônias místicas dos indígenas americanos. No meu ano de calouro em Oxford, livre para percorrer as estantes da Biblioteca Radcliffe de Ciências, li os primeiros relatos publicados sobre a intoxicação com o peiote, entre eles os de Havelock Ellis e SilasWeir Mitchell. Ambos eram médicos, não apenas literatos, e isso parecia emprestar peso e credibilidade maiores às suas descrições. Fiquei cativado pelo tom seco de Mitchell e a naturalidade com que ele consumia o que na época era uma droga desconhecida, com efeitos ignorados.
A certa altura, escreveu Mitchell num artigo de 1896 para o British Medical Journal, ele tomou uma boa porção de um extrato produzido a partir do peiote, seguida de uma dose adicional. Embora tenha percebido que seu rosto estava corado, suas pupilas dilatadas, e ele apresentasse “uma tendência a falar muito, e de vez em quando… errar o emprego de uma palavra”, ainda assim continuou a fazer suas visitas domiciliares, e esteve com vários pacientes. Mais adiante, depois de três novas doses, deitou-se em silêncio num quarto escuro, onde experimentou “duas horas encantadas”, repletas de efeitos cromáticos:
Delicadas películas flutuantes de cor – geralmente lindos tons neutros de roxo e cor-de-rosa. Elas se deslocavam de um lado para o outro – ora aqui, ora ali. Depois, um jorro abrupto de incontáveis pontos de luz branca atravessou meu campo de visão, como se a Via Láctea tivesse começado a fluir, num rio resplandecente, diante dos meus olhos.
À diferença de Mitchell, que se concentrava nas alucinações coloridas e geométricas, que ele comparou em parte às da enxaqueca, Aldous Huxley, escrevendo sobre a mescalina na década de 50, concentrou-se na transfiguração do mundo visual, que lhe aparecia dotado de uma beleza e de um significado luminosos e divinos. Huxley comparava essas experiências com drogas às dos grandes visionários e artistas, mas também às experiências psicóticas de alguns esquizofrênicos. Tanto a genialidade quanto a loucura, sugeria Huxley, residiam nesses estados mentais extremos – ideia não muito diversa das formuladas por De Quincey, Coleridge e Baudelaire em relação às suas próprias experiências ambíguas com o ópio e o haxixe (e amplamente descritas em 1845 no livro de Moreau, O Haxixe e a Alienação Mental). De Huxley, li As Portas da Percepção e O Céu e o Inferno quando foram publicados, nos anos 50, e me senti especialmente instigado pelo que ele escreveu sobre a geografia da imaginação e a dimensão em que ela existia – região mental não utilizada em situações normais e que ele chamava de “antípodas da mente”.
Eu havia lido muito, mas não tinha qualquer experiência própria com drogas até 1953, quando meu amigo de infância Eric Korn veio para Oxford. Ficamos animados ao ler sobre a descoberta do LSD por Albert Hofmann, e encomendamos 50 microgramas da substância (na época ainda legal) ao seu fabricante suíço. Com modos solenes, dividimos a droga e tomamos 25 microgramas cada um – sem saber das maravilhas ou horrores à nossa espera. Tristemente, eles não fizeram nenhum efeito em nós dois. (Devíamos ter encomendado 500 microgramas, e não 50.)
Quando me formei em medicina, no final de 1958, tinha concluído que queria ser neurologista, para saber como o cérebro encarnava a consciência e a identidade e compreender seus incríveis poderes de percepção, produção de imagens, memória e alucinação. Uma nova orientação surgia na neurologia e na psiquiatria na época. Era o início da era da neuroquímica, com os primeiros vislumbres da gama de agentes químicos, os neurotransmissores, que possibilitavam a comunicação entre as células nervosas e diferentes partes do sistema nervoso. Ao longo das décadas de 50 e 60, descobertas nesse sentido chegavam de todo lado, embora ainda não fosse nada claro como elas se encaixavam umas nas outras. Descobriu-se, por exemplo, que o cérebro parkinsoniano continha pouca dopamina, e que administrar uma precursora da dopamina, a levodopa, podia aliviar os sintomas do mal de Parkinson. De outro lado, viu-se que os tranquilizantes, introduzidos no início da década de 50, podiam inibir a dopamina e desencadear uma espécie de parkinsonismo químico. Fazia cerca de 100 anos que a medicação típica para o mal de Parkinson eram as drogas anticolinérgicas, que inibem a produção do neurotransmissor acetilcolina. Mas como interagem os sistemas da dopamina e da acetilcolina? Por que os opiáceos – ou a cannabis – produzem efeitos tão fortes? Será que o cérebro tem receptores especiais para os opiáceos, e produz opioides para consumo próprio? Existiria um mecanismo semelhante para receptores da cannabis e canabinoides? Por que o LSD tinha uma potência tão grande? Seriam todos os seus efeitos explicáveis a partir de alterações da serotonina no cérebro? Que sistemas transmissores governariam os ciclos de sono e vigília, e qual poderia ser o fundamento neuroquímico dos sonhos e alucinações?
Ao iniciar minha residência em neurologia, em 1962, encontrei um ambiente impregnado dessas questões. A neuroquímica estava claramente na moda, assim como – perigosamente, sedutoramente, especialmente na Califórnia, onde eu estudava – as drogas propriamente ditas.
Comecei com a maconha. Um amigo em Topanga Canyon, onde eu morava na época, me ofereceu um baseado; dei duas baforadas e fiquei paralisado com o que aconteceu em seguida. Eu olhava para a minha mão e ela parecia preencher todo o meu campo visual, crescendo e crescendo ao mesmo tempo que se afastava de mim. Finalmente, tive a impressão de que eu via aquela mão estendida por todo o universo, com vários anos-luz ou parsecs de extensão. Ainda tinha a aparência de uma mão viva, humana, mas essa mão cósmica também lembrava, de algum modo, a mão de Deus. Minha primeira experiência com a maconha foi marcada pela mistura do neurológico e do divino.
Na Costa Oeste americana, no começo da década de 60, o LSD e as sementes de ipomeia [Ipomœa purpurea, também conhecida no Brasil como “bons-dias” ou “campainha”] eram fáceis de encontrar, de maneira que decidi experimentá-los também. “Mas se você quer uma experiência realmente incrível”, disseram os meus amigos da Muscle Beach, “tome Artane.” Achei surpreendente, pois sabia que o Artane, uma droga sintética similar à beladona, era usada em doses modestas (dois ou três comprimidos ao dia) no tratamento do mal de Parkinson, e que drogas desse tipo, em grandes quantidades, podem produzir delírio. (Tais delírios vêm sendo observados há muito tempo depois da ingestão acidental de plantas como a erva-moura, o estramônio e o meimendro.) Mas será que o delírio podia ser divertido? Ou informativo? Ficaria a pessoa em posição de observar o funcionamento aberrante do próprio cérebro – e apreciar seus prodígios? “Vá em frente”, insistiam meus amigos. “Tome vinte de uma vez – você ainda vai manter um controle parcial da sua cabeça.”
Então, num domingo de manhã, contei vinte comprimidos, engoli todos com um copo de água, e me sentei para esperar o efeito. Será que o mundo se transformaria, renasceria, como Huxley tinha descrito em As Portas da Percepção e eu próprio tinha experimentado com a mescalina e o LSD? Haveria ondas de sensações de volúpia e deleite? Haveria ansiedade, confusão mental, paranoia? Estava preparado para todos esses efeitos, mas nenhum deles ocorreu. Fiquei com a boca seca e as pupilas dilatadas, e achei difícil ler, mas só isso. Não senti qualquer efeito psíquico – foi muito decepcionante. Não sabia exatamente o que esperava, mas esperava alguma coisa.
Estava na cozinha, pondo uma chaleira no fogo para fazer chá, quando ouvi alguém bater na porta da frente. Eram meus amigos Jim e Kathy, que costumavam aparecer nas manhãs de domingo. “Podem entrar, a porta está aberta”, gritei, e enquanto eles se acomodavam na sala perguntei como queriam seus ovos. Jim disse que preferia fritos com a gema mole. Kathy preferia a gema passada. Conversamos fiado enquanto eu preparava os ovos com presunto – havia portas baixas de vaivém entre a cozinha e a sala, então nos ouvíamos perfeitamente bem. Cinco minutos depois, eu gritei “Está tudo pronto”, pus os pratos de ovos com presunto numa bandeja e fui para a sala – que estava vazia. Nada de Jim nem de Kathy, nenhum sinal de que tivessem passado por lá. Fiquei tão abalado que quase deixei a bandeja cair no chão.
Não tinha me ocorrido nem por um instante que as vozes de Jim e Kathy, suas “presenças”, fossem irreais, alucinatórias. Tivemos uma conversa amigável e comum, como era de hábito. As vozes deles eram as mesmas de sempre – não havia nenhum sinal, até eu atravessar as portas de vaivém e encontrar a sala vazia, de que toda aquela conversa, pelo menos a parte do lado deles, tinha sido inventada pelo meu cérebro.
Fiquei não só pasmo como também muito assustado. Com o LSD e outras drogas, eu sempre sabia o que estava acontecendo. O mundo tinha uma aparência diferente, a sensação era diferente. Mas minha “conversa” com Jim e Kathy não tinha nada de especial; foi totalmente corriqueira, sem nada que a caracterizasse como uma alucinação. Pensei nos esquizofrênicos que conversam com suas “vozes”, mas em geral as vozes da esquizofrenia são de zombaria ou acusação, não falam sobre presunto, ovos e o tempo.
“Cuidado, Oliver”, eu disse a mim mesmo. “Não vá perder o controle. Não deixe isso acontecer de novo.” Mergulhado em meus pensamentos, comi lentamente os meus ovos com presunto (e também os de Jim e Kathy) e depois decidi descer até a praia, onde veria o Jim e a Kathy de verdade e todos os meus amigos, podendo dar um mergulho e passar uma tarde sossegada.
Pensava nisso quando tomei consciência de um barulho de motor acima de mim. Fiquei intrigado por um momento, e depois percebi que era um helicóptero se preparando para pousar e trazendo os meus pais, que, tendo resolvido me fazer uma visita de surpresa, haviam chegado de Londres e, depois de desembarcarem em Los Angeles, fretaram um helicóptero para trazê-los até Topanga Canyon. Corri para o banheiro, tomei um banho rápido e vesti uma camisa e calças limpas – o melhor que podia fazer nos três ou quatro minutos que me restavam até a chegada deles. O barulho era quase ensurdecedor, e me dei conta de que o helicóptero devia ter pousado na pedra plana ao lado da minha casa. Corri para fora, animado para receber os meus pais – mas a pedra estava vazia, não havia helicóptero nenhum à vista, e o barulho do motor cessou abruptamente. O silêncio e a solidão, a decepção, me reduziram às lágrimas. Eu tinha ficado tão alegre, e agora não restava mais nada.
Voltei para dentro de casa e pus a chaleira no fogo para outra xícara de chá quando minha atenção foi atraída por uma aranha na parede da cozinha. Quando cheguei mais perto, a aranha disse: “Alô!” Não me pareceu nada estranho que uma aranha me dissesse alô (assim como Alice não achava estranho o Coelho Branco falar). Respondi “Alô, cara”, e com isso começamos uma conversa, quase toda sobre questões bastante técnicas de filosofia analítica. Esse rumo talvez tenha sido sugerido pelas primeiras palavras que a aranha me disse, querendo saber se eu achava que Bertrand Russell tinha mesmo destruído o paradoxo de Frege. Ou talvez fosse a sua voz – precisa, incisiva e muito semelhante à de Russell, que eu tinha ouvido no rádio. (Décadas mais tarde, mencionei essas tendências russellianas da aranha ao meu amigo Tom Eisner, que é entomólogo; ele assentiu com ar muito sério, e disse: “Sei, conheço essa espécie.”)
Durante a semana eu evitava as drogas, trabalhando como residente no departamento de neurologia da Ucla, a Universidade da Califórnia em Los Angeles. Ficava impressionado e tocado – como antes, nos meus tempos de estudante em Londres – com a gama de experiências neurológicas dos pacientes. Descobri que só poderia compreendê-las bem, ou conciliar-me emocionalmente com essas experiências, se tentasse descrevê-las ou transcrevê-las. Foi então que escrevi meus primeiros artigos publicados e meu primeiro livro. (Que nunca foi publicado, porque perdi os originais.)
Mas nos fins de semana eu continuava a fazer experiências com drogas. Lembro-me nitidamente de um episódio em que uma cor mágica apareceu para mim. Eu tinha aprendido, ainda menino, que existem sete cores no espectro, entre elas o índigo ou anil. (Foi Newton que escolheu as sete, um tanto arbitrariamente, por analogia com as sete notas da escala musical.) Mas poucas pessoas concordam quanto ao que seja o “índigo”.
Fazia tempo que eu desejava ver o “verdadeiro” índigo, e me pareceu que as drogas podiam ser o caminho. Assim, num sábado ensolarado de 1964, preparei uma plataforma de lançamento farmacológica que consistia numa base de anfetamina (para uma excitação generalizada), LSD (para a intensidade alucinógena) e um toque de cannabis (para acrescentar um pouco de delírio). Uns vinte minutos depois de consumir essa mistura, fiquei de frente para uma parede branca e exclamei: “Quero ver a cor índigo agora – agora!”
E então, como que criada por um pincel gigantesco, apareceu na parede uma mancha imensa e trêmula do mais puro índigo, em forma de pera. Luminosa, numinosa, ela me deixou arrebatado: era a cor do céu, a cor, pensei, que Giotto tinha passado a vida inteira tentando obter sem jamais conseguir – talvez porque a cor do céu não possa ser vista da Terra. Mas ela existiu no passado, eu achava – era a cor do mar paleozoico, a cor que o oceano já teve. Curvei-me na direção dela numa espécie de êxtase. E então ela sumiu de um momento para outro, deixando-me com uma sensação quase insuportável de perda e tristeza. Mas eu me consolei: sim, o índigo existe, e pode ser conjurado no cérebro.
Continuei à procura do índigo por vários meses depois disso. Revirava pedras e rochas maiores perto da minha casa. Examinei amostras de azurita no museu de história natural – mas mesmo elas estavam infinitamente distantes da cor que eu tinha visto. E então, em 1965, depois que me mudei para Nova York, fui a um concerto no Metropolitan Museum. Na primeira parte, executaram uma peça de Monteverdi, e me senti numa viagem. Não tinha tomado droga alguma, mas sentia um glorioso rio de música, com centenas de anos de comprimento, correndo da mente de Monteverdi para desaguar na minha. Nesse estado de êxtase, saí caminhando durante o intervalo e corri os olhos pelos objetos exibidos nas galerias egípcias – amuletos de lápis-lazúli, joias. Fiquei encantado ao perceber vislumbres de índigo. E pensei: Graças a Deus, o índigo existe mesmo!
Durante a segunda metade do concerto, fiquei um pouco entediado e inquieto, mas me consolei pensando que em seguida podia sair e tomar uma “dose” de índigo. Ainda estaria no mesmo lugar, à minha espera. Mas, quando saí para olhar as galerias depois do concerto, só consegui ver azul, roxo, malva e marrom-arroxeado – nada de índigo. Faz 47 anos, e nunca mais tornei a ver a cor índigo.
Quando uma amiga e colega dos meus pais – Augusta Bonnard, uma psicanalista – veio passar seu ano sabático em Los Angeles em 1964, era natural que nos encontrássemos. Convidei-a para vir à minha casinha no Topanga Canyon, e tivemos um jantar maravilhoso. Com o café e os cigarros (Augusta fumava sem parar; eu me perguntava se não fumaria inclusive durante as sessões), seu tom mudou, e ela me disse, com sua voz engrossada pelo fumo: “Você precisa de ajuda, Oliver. Você está com problemas.”
“Que bobagem”, respondi. “Eu gosto da vida. Não tenho queixas. Vai tudo bem no trabalho e no amor.” Augusta deixou escapar um grunhido de ceticismo, mas não insistiu mais.
A essa altura eu tinha começado a tomar LSD, e quando não encontrava consumia sementes de ipomeia em seu lugar. (Antes de as sementes de ipomeia começarem a ser tratadas com pesticidas, como são hoje, para evitar seu consumo.) As manhãs de domingo eram geralmente meu horário de tomar drogas, e deve ter sido dois ou três meses depois do meu encontro com Augusta que tomei uma dose substancial das sementes de ipomeia conhecidas como Heavenly Blue (azul celestial). As sementes eram negras e tinham uma dureza de ágata, de modo que as pulverizei num pilão e depois misturei o pó com sorvete de baunilha. Uns vinte minutos depois de ingerir a mistura, sofri uma náusea intensa, mas, quando ela passou, me senti num lugar de calma e beleza paradisíacas, um território fora do tempo, que foi rudemente invadido por um táxi que subia com dificuldade o íngreme caminho de acesso à minha casa, emitindo petardos pelo escapamento. Uma mulher idosa desceu do táxi e, num ímpeto, saí correndo na direção dela, gritando: “Eu sei quem a senhora é – uma réplica de Augusta Bonnard! Tem a aparência dela, a postura e os movimentos dela, mas não é ela. Não me engana nem por um momento!” Augusta levou as mãos às têmporas e disse: “Nossa! Está pior do que eu pensava.” Entrou de volta no seu táxi e partiu sem dizer mais nada.
Tivemos muito que conversar no nosso encontro seguinte. O fato de eu não tê-la reconhecido, e de vê-la como uma “réplica”, achava ela, era uma forma complexa de defesa, uma dissociação que só podia ser classificada como psicótica. Discordei, e continuei a afirmar que o fato de considerá-la uma duplicata, ou uma impostora, tinha origem neurológica, era uma desconexão entre a percepção e os sentimentos. A capacidade de identificar (que estava intacta) não era acompanhada pela sensação apropriada de calor e familiaridade, e foi essa contradição que levou à conclusão lógica, embora absurda, de que ela era uma “duplicata”. (Essa condição, que pode ocorrer na esquizofrenia, mas também com a demência ou o delírio, é conhecida como síndrome de Capgras.) Augusta disse que, qualquer que fosse a explicação correta, o consumo de drogas que alteravam a mente todo fim de semana, sozinho e em altas doses, indicava necessidades ou conflitos interiores de grande intensidade, e que eu devia falar daquilo com um terapeuta. Em retrospecto, não tenho dúvida de que ela estava certa, e comecei a frequentar um analista um ano mais tarde.
O verão de 1965 foi uma espécie de intervalo: eu havia completado minha residência na Ucla e deixado a Califórnia, mas tinha três meses pela frente antes de começar uma bolsa de pesquisa em Nova York. Deveria ter sido um período de deliciosa liberdade, férias maravilhosas e muito necessárias depois das semanas de sessenta e até oitenta horas de trabalho que eu tinha vivido na Ucla. Mas eu não me sentia livre. Quando não estou trabalhando, sinto-me sem amarras, tenho uma sensação de vazio e falta de estrutura. Quando eu morava na Califórnia, os fins de semana eram os momentos mais perigosos, a hora das drogas – e agora um verão inteiro na minha cidade natal, Londres, estendia-se à minha frente como um fim de semana com três meses de duração.
Foi durante esse período de ócio traiçoeiro que entrei fundo no consumo de drogas, não mais confinado aos fins de semana. Experimentei injeções intravenosas, o que nunca tinha feito. Meus pais, ambos médicos, estavam fora, e decidi explorar o armário de remédios em seu consultório, no andar térreo da nossa casa, à procura de alguma coisa especial para comemorar meu 32º aniversário. Nunca antes eu tinha tomado morfina ou qualquer outro opiáceo. Usei uma seringa grande – por que me contentar com doses insignificantes? E, depois de me instalar comodamente na cama, reuni o conteúdo de vários frascos, mergulhei a agulha numa veia e injetei a morfina bem devagar.
Dali a mais ou menos um minuto, minha atenção foi atraída por uma espécie de comoção na manga do meu robe, pendurado na porta. Concentrei meu olhar ali, e o movimento se definiu como uma cena de batalha em miniatura, mas microscopicamente detalhada. Vi tendas de seda de várias cores, a maior das quais ostentava um pavilhão real. Havia cavalos alegremente enfeitados, soldados a cavalo, com suas armaduras reluzindo ao sol, e homens armados de arco. Vi flautistas com longas flautas prateadas, e depois, muito ao longe, escutei a música que tocavam. Vi centenas, milhares de homens – dois exércitos, duas nações – se preparando para o combate. Perdi toda a noção de que se tratava de um trecho da manga do meu robe, ou de que eu estava deitado na cama, em Londres, e era 1965. Antes de me aplicar a morfina eu vinha lendo as Crônicas de Froissart e Henrique V, e agora essas leituras se misturavam à minha alucinação. Percebi que estava em Agincourt, no final de 1415, vendo os exércitos da Inglaterra e da França avançarem, em fileiras cerradas, para a batalha. E na tenda maior com o pavilhão, eu sabia, estava o próprio Henrique V. Nada me indicava que eu estivesse imaginando aquilo; o que eu via era concreto, real.
Depois de algum tempo, a cena começou a perder nitidez, e tornou a emergir em mim uma consciência tênue de que estava em Londres, drogado, delirando a batalha de Agincourt na manga do meu robe. Foi uma experiência deliciosa e arrebatadora, mas agora tinha passado. O efeito da droga se dissipava depressa; agora mal se via Agincourt. Olhei para o meu relógio. Eu tinha injetado a morfina às nove e meia, e agora eram dez. Tive uma sensação de estranheza – já era noite escura quando eu tomei a morfina, e agora devia estar mais escuro ainda. Não era o caso. Estava clareando, e não escurecendo, do lado de fora. E então eu percebi que eram dez horas, sim, mas dez da manhã. Eu tinha ficado imóvel, contemplando a minha Agincourt, por mais de doze horas. Isso me causou um choque e me fez recobrar alguma sobriedade, fazendo-me ver como era possível alguém passar dias inteiros, noites, semanas, até mesmo anos de sua vida no estupor do ópio. E decidi que minha primeira experiência com o ópio seria também a última.
No fim daquele verão de 1965, mudei-me para Nova York a fim de começar uma bolsa de pós-graduação em neuropatologia e neuroquímica. Dezembro de 1966 foi um mau momento: tive dificuldades para me ajustar a Nova York depois de meus anos na Califórnia; um caso amoroso tinha dado errado; minha pesquisa ia mal; e eu estava descobrindo que não tinha vocação para a ciência de laboratório. Deprimido e insone, eu tomava doses cada vez maiores de hidrato de cloral para dormir. Chegava a consumir doses quinze vezes maiores do que o normal. E, embora tenha conseguido fazer um grande estoque da droga – assaltando os suprimentos do laboratório em que trabalhava –, ele acabou esgotado numa triste terça-feira pouco antes do Natal. Pela primeira vez em vários meses, fui dormir sem ser apagado pela minha dose habitual. Meu sono foi ruim, interrompido por pesadelos e sonhos bizarros, e ao acordar me descobri intensamente sensível aos sons. Havia sempre caminhões trovejando pelas ruas de paralelepípedos do West Village; naquela manhã, pareciam triturar os paralelepípedos e reduzi-los a pó com sua passagem.
Sentindo-me um pouco debilitado, não fui de motocicleta para o trabalho, como costumava, mas peguei o metrô e um ônibus. Quarta-feira era dia de dissecção de cérebro no departamento de neuropatologia, e era a minha vez de cortar o cérebro em fatias horizontais bem definidas, identificando as estruturas principais durante o processo e observando se havia algum desvio da normalidade. Em geral eu era bom nessa tarefa, mas naquele dia minha mão tremia visivelmente, o que me deixou constrangido, e a nomenclatura anatômica tardava a vir à minha memória.
Quando a sessão terminou, atravessei a rua, como tantas vezes antes, para um sanduíche e um café. Enquanto eu mexia o café, ele de repente ficou verde, e depois roxo. Levantei os olhos, espantado, e vi que o freguês que pagava sua conta na caixa tinha uma imensa cabeça proboscídea, como a de um elefante-marinho. Fui tomado pelo pânico; deixei uma nota de 5 dólares na mesa e atravessei correndo a rua para tomar o ônibus. Mas todos os passageiros pareciam ter cabeças brancas e lisas como ovos gigantescos, com olhos imensos e cintilantes que lembravam os olhos multifacetados de insetos – e pareciam se mover em espasmos repentinos, o que aumentava a sensação de estranheza e o medo que me causavam. Percebi que eu estava alucinando ou experimentando algum bizarro distúrbio da percepção, que não tinha como parar o que estava acontecendo no meu cérebro e que precisava manter pelo menos alguma aparência de controle e não entrar em pânico, não gritar, nem ficar catatônico diante dos monstros de olhos de inseto ao meu redor. A melhor coisa a fazer, descobri, era escrever, descrever aquela alucinação com toda a clareza e em pormenores quase clínicos, e, ao fazê-lo, transformar-me num observador, até mesmo num estudioso, em vez de vítima indefesa, da loucura dentro de mim. Nunca ando sem caneta e caderno, e agora eu escrevia como se a minha vida dependesse disso, enquanto ondas de alucinação passavam por mim.
Escrever, descrever, sempre foi minha maneira de lidar com situações complexas ou assustadoras – embora eu nunca tivesse testado esse recurso numa situação tão apavorante. Mas funcionou. Ao descrever no meu caderno de laboratório o que acontecia, consegui manter um simulacro de controle, embora as alucinações continuassem, em mutação constante.
Não sei dizer como eu desci do ônibus no ponto certo e peguei o metrô, apesar de tudo estar em movimento, rodopiando vertiginosamente, girando e até virando de cabeça para baixo. E consegui descer na estação certa, na região em que eu morava no Greenwich Village. Quando emergi das escadas do metrô, os prédios à minha volta balançavam de um lado para o outro e se agitavam como bandeiras em uma ventania. Senti um alívio imenso quando me vi de volta ao meu apartamento, sem ter sido atacado, preso ou morto pelo tráfego intenso do caminho. Assim que cheguei, achei que precisava entrar em contato com alguém – alguém que me conhecesse bem, que fosse médico e também meu amigo. A pediatra Carol Burnett era essa pessoa; tínhamos estudado juntos em San Francisco cinco anos antes, e retomamos a amizade depois de nos reencontrarmos em Nova York. Carol seria capaz de compreender, saberia o que fazer. Disquei o número dela com a mão agora muito trêmula. “Carol”, eu disse, assim que ela atendeu, “quero me despedir. Enlouqueci, fiquei psicótico, doido. Começou hoje de manhã, e o tempo todo só vem piorando.”
“Oliver!”, disse Carol. “O que você acabou de tomar?”
“Nada”, respondi. “É por isso que estou tão assustado.” Carol pensou alguns instantes, e depois perguntou: “O que você acabou de parar de tomar?”
“É isso!”, disse eu. “Eu vinha tomando doses imensas de hidrato de cloral, e tive de parar ontem à noite, porque acabou.”
“Oliver, seu tapado! Sempre exagerando nas coisas”, disse Carol. “Você está tendo um caso clássico de DT, delirium tremens.”
Foi um alívio imenso – muito melhor delirium tremens que uma psicose esquizofrênica. Mas eu conhecia bem os perigos do DT: confusão, desorientação, alucinação, delírio, desidratação, febre, taquicardia, exaustão, convulsões, morte. Eu aconselharia qualquer pessoa no meu caso a seguir imediatamente para um pronto-socorro, mas decidi aguentar firme e viver toda a experiência. Carol concordou em ficar ao meu lado no primeiro dia, e depois, se achasse que eu podia ficar sozinho em segurança, passaria na minha casa ou me ligaria a intervalos, recorrendo à ajuda externa se julgasse necessário. Com essa rede de segurança, perdi boa parte da ansiedade, e até consegui, de certo modo, apreciar as criações do delirium tremens (embora a infinidade de animaizinhos e insetos fosse tudo, menos agradável). As alucinações continuaram por quase 96 horas e, quando finalmente cessaram, eu caí num estupor de cansaço.
Quando menino, eu me deliciava com o estudo da química e adorei montar meu próprio laboratório. Esse deleite pareceu se extinguir mais ou menos aos 15 anos; nos meus anos de colégio, faculdade, formação médica e depois internato e residência, eu consegui um bom desempenho acadêmico, mas as matérias que eu estudava nunca provocaram em mim o entusiasmo que a química despertava nos meus tempos de garoto. Foi só quando cheguei a Nova York e comecei a ver os pacientes de uma clínica de enxaqueca, no verão de 1966, que passei a sentir um pouco do entusiasmo intelectual e do envolvimento emocional que tinha experimentado na minha juventude. Na esperança de promover uma intensificação desses sentimentos, recorri às anfetaminas.
Eu tomava a substância nas noites de sexta-feira, depois que voltava do trabalho, e passava o fim de semana inteiro tão enlouquecido que as imagens e os pensamentos se convertiam quase em alucinações controláveis. Muitas vezes eu dedicava esses fins de semana de barato a devaneios românticos, mas, numa sexta-feira de fevereiro de 1967, enquanto explorava a seção de livros raros da biblioteca médica, encontrei e peguei emprestado um livro raríssimo intitulado Sobre Enxaqueca, Dor de Cabeça e Algumas Desordens Correlatas: uma Contribuição para a Patologia das Tempestades Nervosas, escrito em 1873 por um certo dr. Edward Liveing.
Eu vinha trabalhando havia vários meses numa clínica de enxaqueca, e estava fascinado com a gama de sintomas e fenômenos que podem ocorrer nas crises da doença. Essas crises muitas vezes incluíam sintomas como alucinações. Eram inteiramente benignas e só duravam alguns minutos, mas esses poucos minutos proporcionavam uma janela para o funcionamento do cérebro e como ele era capaz de entrar em colapso e depois se recuperar. Desse modo, achava eu, cada crise de enxaqueca era uma abertura para uma verdadeira enciclopédia de neurologia.
Eu tinha lido dúzias de artigos sobre a enxaqueca e suas possíveis causas, mas nenhum deles parecia apresentar toda a riqueza de sua fenomenologia ou a gama e a profundidade do sofrimento que os pacientes podiam experimentar. Foi na esperança de encontrar uma abordagem mais ampla, profunda e humana da enxaqueca que peguei o livro de Liveing na biblioteca naquele fim de semana. Assim, depois de tomar minha amarga porção de anfetaminas – com muito açúcar, para torná-la mais palatável – comecei a ler. À medida que a intensidade do efeito da anfetamina tomava conta de mim, estimulando minhas emoções e a minha imaginação, o livro de Liveing me parecia adquirir ainda mais intensidade, profundidade e beleza. Eu não queria nada além de entrar na mente de Liveing e sugar aquela atmosfera em que ele trabalhou.
Numa espécie de concentração catatônica tão intensa que em dez horas mal movi um músculo ou umedeci meus lábios, li de uma enfiada as 500 páginas de Enxaqueca. Enquanto lia, eu quase tinha a impressão de me transformar no próprio Liveing, atendendo os pacientes que ele descrevia. Às vezes, eu não sabia ao certo se estava lendo o livro ou escrevendo o que ele dizia. Senti-me na Londres de Dickens, nas décadas de 1860 e 70. Amei a compaixão e a sensibilidade social de Liveing, sua afirmação categórica de que a enxaqueca não era um capricho dos ricos ociosos, mas podia afetar pessoas mal nutridas e que trabalhassem muitas horas em fábricas mal ventiladas. O livro me lembrava o grande estudo de Henry Mayhew de 1861, sobre as classes trabalhadoras de Londres, mas também era possível perceber como Liveing tinha sido bem treinado em biologia e nas ciências físicas, além de ser um mestre da observação clínica. E me vi pensando: isso representa o melhor da ciência e da medicina em meados da Era Vitoriana; trata-se de uma verdadeira obra-prima! O livro me apresentava o que eu tanto tinha querido encontrar por todos os meses em que examinei pacientes com enxaqueca, sentindo-me frustrado com os artigos sumários e pobres que pareciam constituir a “literatura” moderna sobre o tema. No auge dessa viagem, eu via a enxaqueca brilhando como um arquipélago de estrelas nos céus da neurologia.
Cerca de um século havia se passado desde o tempo em que Liveing trabalhou e escreveu em Londres. Ao despertar do devaneio em que eu era Liveing ou um dos seus contemporâneos, voltei a mim e pensei: “Estamos na década de 1960, não de 1860. Quem poderia ser o Liveing do nosso tempo?” Uma variedade dissimulada de nomes me veio à mente. Pensei no dr. A., no dr. B., no dr. C. e no dr. D., todos bons homens, mas nenhum dotado daquela combinação de ciência e humanismo que era tão poderosa em Liveing. E então uma voz interior muito alta disse: “Seu babaca idiota! É você!”
Em todas as ocasiões anteriores em que eu havia aterrissado depois de dois dias de euforia induzida pela anfetamina, eu experimentara uma violenta reação oposta, sentindo um cansaço e uma depressão quase narcolépticos. Tinha também uma sensação clara do despropósito que era pôr minha vida em risco em troca de nada – as anfetaminas, nas grandes doses que eu consumia, mantinham meus batimentos em torno de 200 por minuto e uma pressão sanguínea de nem sei quanto; várias pessoas que eu conhecia tinham morrido de overdose de anfetamina. Eu sentia que tinha feito uma ascensão louca até a estratosfera, mas voltava de mãos abanando, não tendo nenhum resultado daquilo para apresentar; sentia que a experiência tinha sido intensa, mas vazia. Dessa vez, porém, quando retornei, conservava uma sensação de clareza e descoberta; eu tivera uma espécie de revelação sobre a enxaqueca. E tinha a sensação de ter decidido, também, que estava de fato equipado para escrever um livro equivalente ao de Liveing, e que talvez eu pudesse ser o Liveing do nosso tempo.
No dia seguinte, antes de devolver o livro de Liveing à biblioteca, fotocopiei todas as suas páginas e então, pouco a pouco, comecei a escrever o meu próprio livro. A felicidade que isso me proporcionava era real – infinitamente mais substancial que a euforia vazia provocada pelas anfetaminas –, e nunca mais voltei a tomá-las.