Luciana, cerca de 19 anos, na casa das primas na Penha: “Não me recordo de ver minha mãe com alguma expressão de tranquilidade no rosto. Ela estava sempre tensa com as faturas do banco” CRÉDITO: ACERVO PESSOAL
Nosso mundo
Eu, Édouard Louis, a homofobia e a mobilidade social
Thallys Braga | Edição 217, Outubro 2024
Desde o dia em que nasci, havia duas expectativas sobre mim: eu deveria emular o comportamento moral da minha mãe e me distanciar de qualquer semelhança com o meu pai. Cresci sem tê-lo por perto, sem compreender muito bem quem ele era. Minha mãe o conheceu quando tinha 20 anos, na festa de uma amiga do bairro, no subúrbio carioca. Engravidou antes de oficializar um namoro e conhecer a história de vida dele: proveniente de uma família desestruturada, meu pai se envolveu com drogas na adolescência e nunca conseguiu superar o vício. Ao saber da gravidez, ele sumiu e apareceu apenas na véspera do meu nascimento. Acompanhou o meu primeiro ano de vida, mas, numa certa noite, minha mãe encontrou pacotinhos de cocaína escondidos embaixo do meu berço. Ela o colocou para fora de casa, dizendo para não voltar nunca mais. Ele não voltou.
Um dia, aos 10 anos, cheguei da escola e soube que o meu pai fora assassinado a tiros na esquina de sua casa, na Vila da Penha. O motivo de sua execução nunca foi esclarecido, mas a minha mãe, que havia anos tinha apenas contatos esporádicos com ele, suspeitava que o crime poderia ter sido cometido por traficantes de drogas, com os quais meu pai teria dívidas. O fim da vida dele fez com que todos ao meu redor me olhassem com dó e medo. Posso imaginar o que os meus familiares pediram em suas preces: que aquele menino rechonchudo se tornasse um sujeito decente, trabalhador e sóbrio, o oposto do pai. Daí em diante, eles me disseram para ser Homem.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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