ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2015
Fada madrinha
Sexo para judias ortodoxas
Audrey Furlaneto | Edição 105, Junho 2015
A cena não é rara. A terapeuta sexual Bat Sheva Marcus recebe uma mulher com 30 e poucos anos, a quem acomoda numa sala decorada com quadros de natureza-morta e móveis de escritório. Convida a paciente a explorar o conteúdo de uma caixa de papelão que está sobre a mesa. Foi assim que procedeu certo dia do ano passado, ao atender uma jovem que, casada havia sete anos, ainda não consumara a união com o marido. Bat Sheva abriu a caixa e pediu à paciente que escolhesse quantos objetos quisesse. Havia vinte modelos de vibradores à disposição dela.
“Para resolver esse caso foram necessárias oito semanas”, disse a terapeuta. Além de recomendar o vibrador, ela recebeu a paciente para consultas semanais em que aplicava dilatadores de tamanhos diversos. “A cada sessão testávamos um modelo, do menor ao maior calibre. É como aproximar um objeto pontiagudo de um olho. No caso, um olho que nunca viu um objeto pontiagudo”, esclareceu. O casal transou, afinal, dois meses depois da primeira consulta. O sucesso foi para a conta de Bat Sheva, mais uma vez celebrada como a guru sexual das judias ortodoxas.
A terapeuta é a fundadora do Centro Médico para a Sexualidade Feminina, uma clínica sediada em Westchester, nas proximidades de Nova York. Atende todas as mulheres que passam por lá – a média de pacientes judias é de até cinco por semana. No início, a clínica tinha outro nome e atendia apenas pacientes homens, mas com o advento do Viagra ela se viu forçada a mudar de foco. Bat Sheva contou que, por volta de 1998, o negócio da disfunção sexual masculina encolheu. “Muitos urologistas ganhavam montanhas de dinheiro para propiciar uma ereção. De repente, o sujeito estava curado com uma pílula.” Diante da nova configuração do mercado, ocorreu-lhe a ideia de oferecer tratamento também para mulheres.
Bat Sheva caiu nas graças do rabinato nova-iorquino sete anos atrás, quando um líder hassídico – segmento dos mais ortodoxos – lhe enviou sua nora, uma jovem que evitava as relações sexuais e que, portanto, não podia lhe dar o sonhado neto. O rabino já havia tentado dezenas de ginecologistas quando decidiu recorrer a Bat Sheva. A terapeuta resolveu o caso prontamente, angariando a admiração do líder religioso, que a indicou a colegas da organização que financia tratamentos de fertilidade da qual é membro. “A verdade é que os ultraortodoxos não sabem fazer sexo”, declarou a terapeuta. “Conto sempre uma piada: é muito mais barato ensinar a transar que pagar tratamento de fertilidade. Isso basta para convencer um judeu”, emendou, às gargalhadas.
Aos 53 anos, Bat Sheva Marcus é mestre em estudos judaicos e tem Ph.D. em sexualidade humana. Fala rápido e dá longas risadas, chacoalhando a papada sob as bijuterias grandes de que é fã. Define-se como ortodoxa moderna, por não seguir à risca as leis da modéstia – ela não usa peruca, não cobre o colo ou os braços e, vez ou outra, permite-se vestir uma calça comprida, heresia entre os hassídicos, segmento que representa 20% de sua clientela. Ainda assim, observa as leis judaicas e frequenta uma sinagoga em que uma parede de madeira delimita os setores masculino e feminino.
Até a menopausa, a terapeuta obedecia religiosamente ao niddah, afastando-se do marido durante o período da menstruação, quando então dormia num quarto anexo e jamais tocava o cônjuge – ato permitido só depois de um ritual de purificação. “Se uma mulher contar isso a um terapeuta normal, ele dirá que ela está maluca. Comigo, elas ficam confortáveis, sabem que não vou julgá-las. Eu entendo, eu sei do que elas estão falando”, afirmou.
O roteiro das clientes que procuram o consultório de Bat Sheva é quase sempre o mesmo: o marido se queixa com o rabino, que encaminha a mulher à terapeuta. “Elas querem muito um bebê, e querem rápido”, afirmou. A terapeuta explicou que a comunidade espera que elas tenham filhos e começa a questionar o motivo da demora. “A pressão é grande.”
A depender do caso, Bat Sheva volta a falar com o rabino, para que ele libere a leitura de livros eróticos, sessões de filmes calientes, o uso de vibradores e afins. Temendo incorrer na impureza se acatarem recomendações da terapeuta, são as próprias mulheres que costumam lhe pedir para consultar o rabino. Recentemente, uma paciente lhe disse que seu rabino “não se sentia à vontade” com a ideia de masturbação – ato vedado para os homens, mas cujas leis não são tão claras quando se trata de mulheres. Bat Sheva telefonou ao rabino e disse que era muito importante que a paciente se conhecesse. “Expliquei que o único jeito de isso acontecer seria se ela tocasse o próprio corpo e soubesse do que gosta. Não usei a palavra masturbação. Ele aceitou”, contou. Mas a reação depende de como a questão for colocada. “Se você fizer a mesma pergunta a dez rabinos, terá dez respostas diferentes.”
Há alguns consensos, porém. Ler pornografia, por exemplo, é melhor do que ver pornografia. A equipe de Bat Sheva elaborou uma vasta bibliografia erótica, que vai de O Amante de Lady Chatterley e Delta de Vênus ao inevitável Cinquenta Tons de Cinza. Se estiver em dúvida, a paciente pode recorrer ao índice temático e escolher livros que tratam de “posições”, “dificuldades com orgasmo” ou “baixa libido”.
Em sua cruzada pela alfabetização sexual, Bat Sheva criou um podcast mensal sobre sexo e judaísmo ortodoxo, em que ela e um rabino debatem o Kama Sutra e a aplicação do léxico pornográfico entre quatro paredes. Certa vez, chegaram a entrevistar o líder de uma associação LGBT de judeus ortodoxos.
Na prática da clínica, porém, ela lida com problemas mais básicos. É comum a cena da paciente que interrompe o preenchimento da ficha de cadastro e pergunta à recepcionista: “O que é um orgasmo?”