ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2009
Francamente, Dr. Pathaday!
Programa de ginástica por correspondência faz repórter crescer 1 centímetro
Vanessa Barbara | Edição 37, Outubro 2009
“Você mede menos de 168 centímetros? Acredite: Eu sei como você se sente!”, anuncia o folheto distribuído numa esquina do Itaim, bairro rico de São Paulo. E vai além: “Eu sei o que é estar apaixonado por alguém e ser trocado por outra pessoa – mais alta. Sei como é frustrante procurar emprego e ver que as melhores posições são sempre oferecidas para as pessoas mais altas.”
Segundo o panfleto, desde tempos imemoriais os indivíduos compridos são os mais valorizados e desejados, além de terem mais sucesso no amor e no sexo. Mas não se deve desanimar: mesmo depois dos 18 anos de idade, qualquer cristão pode aumentar sua estatura – é o que promete a publicação da Doutores Editora e Comércio de Livros Ltda.
“Sem mágica e nem truques, apenas ciência aplicada!”, afirma. Fortalecendo os músculos certos, o exclamativo manual garante ser possível dilatar a distância intervertebral e, assim, com apenas 2 milímetros a mais entre cada vértebra, ganhar 5 centímetros de altura. As promessas são notáveis: alguns leitores relataram um aumento de 7 centímetros, outros de 15, após cumprir o exclusivo programa do dr. John Pathaday, o que “depende da carga genética, da resposta biológica e da disciplina de cada pessoa”.
O anúncio também enumera motivos para querer crescer: “as pessoas mais altas são mais respeitadas”, “a estatura é uma forma mais fácil de se destacar num grupo”, “pessoas mais altas são mais atraentes”, e, por fim, “as mulheres sonham com homens altos, capazes de protegê-las”. Tudo isso por apenas 45,80 reais no boleto bancário – frete já incluído. (O folheto ignora que Pablo Picasso,1,63 metro, Charles Chaplin, 1,62, Getúlio Vargas, 1,60, e o patrono dos baixinhos, Napoleão Bonaparte, 1,68, parecem nunca ter tido problemas com a autoestima.)
Ainda assim, uma repórter de piauí, que desde os 13 anos mede 1,60 metro de altura, encomendou o livro e passou a se exercitar diariamente segundo os preceitos do bom dr. Pathaday. O programa de atividades começou em 17 de maio com a leitura do primeiro capítulo – no qual se condenam o conforto supérfluo e a lassidão da vida sedentária. A primeira série consistia em dois exercícios de alongamento com dez repetições cada, e um terceiro em que se ficava na ponta dos pés e com os braços bem estendidos para cima durante 100 longos segundos. Nada que um tampinha bem motivado não consiga executar com galhardia.
A cada quinze dias, incluiu-se uma série diferente à rotina de alongamentos. Na segunda rodada, acrescentou-se uma vassoura. Na terceira, um exercício deitado no chão. A essa altura, cerca de 45 dias após o início dos trabalhos, a repórter subiu na balança da Drogaria Nebraska, no bairro de Santa Cecília, e continuava com 1,60 metro de altura. Havia, porém, engordado. Tinhosa, não desistiu.
Um dos exercícios da terceira série se revelou absolutamente incompreensível: “De joelhos e com os braços erguidos, estique o corpo, barriga, estômago e cabeça até os dedos das mãos. Flexione o corpo com a cabeça erguida; as costas, completamente retas, e os braços esticados no mesmo nível das costas, até tocar o chão, sentando-se sobre os calcanhares.” Impossibilitada de esticar o estômago até os dedos da mão, optou por pular essa fase.
A quarta série trouxe como novidade um exercício de sustentação das cócoras durante 100 segundos, além de outros dois alongamentos. À época, a repórter já gastava meia hora diária de estica e puxa, e começava a se irritar. “Há pessoas doentes por uma série de ideias perturbadoras que não têm outra origem a não ser uma imaginação doentia, produto de um egocentrismo sem limites”, alertou o dr. Pathaday. Era um aviso. “Nestes casos, a ginástica influi beneficamente, sempre e quando o indivíduo puser empenho e esforço em dominar sua vontade e reduzir sua imaginação.”
Nesse ponto, dois meses após iniciar os trabalhos, a repórter foi medir a altura. Surpresa: havia diminuído 1 centímetro. Dois meses de exercícios diários, sem pausas para o fim de semana, e o resultado era um ultrajante encolhimento corporal. Francamente, dr. Pathaday.
Com base no pensamento positivo e nas promessas de “graça e elegância”, e já se imaginando uma sílfide à la Uma Thurman, deu prosseguimento ao programa. Quase no fim de julho, foi a vez da quinta série, que devolveu à cobaia o centímetro perdido e inaugurou certos exercícios que usavam como apoio os degraus de uma escada. “Quanta beleza se pode conseguir utilizando uma escada”, suspira o autor. À página 55, dr. Pathaday foi firme: “É chegado o momento de canalizar energias e vontade, se não queremos viver o resto da vida dependentes do vidro de comprimidos como recurso pouco aconselhável para controlar os nervos.” Então foi hora de partir para os “exercícios juvenis de ginástica”, a sexta série, quando a promessa era atingir um bom funcionamento orgânico – o que quer que isso significasse.
Foi quando tudo ruiu: no final do mês de agosto, surgiram os temíveis “exercícios completos de grande elasticidade”, a série sete, quando o autor passou a chamar o leitor de “ginasta”. Sim, ginasta. Mediante movimentos rápidos, dizia o livro, o ginasta devia cumprir metas vigorosas que só Rocky Balboa conseguiria transpor. Também devia aderir à ducha fria. “Deitado no chão, faça respiração profunda em dois tempos; com movimento juvenil e dinâmico, valha a expressão, sente-se abrindo ao mesmo tempo as pernas e fazendo com que estejam esticadas ao máximo, ou seja, que os joelhos não se flexionem ao abri-las. Em seguida, baixe o corpo até tocar o chão com o queixo.” Tocar o chão com o queixo?
Francamente, dr. Pathaday. Três meses de alongamento juvenil e dinâmico foram mais do que suficientes para encerrar prematuramente a experiência, faltando as duas últimas séries de respiração para completar o treinamento. Restou à repórter seguir os conselhos do livreto-bônus e aderir à auto-hipnose para aumentar a estatura. “Através da hipnose, podemos reativar os hormônios do crescimento mesmo se já tivermos passado da idade normal”, garante o dr. Pathaday, ressaltando, porém, que isso “pode não parecer muito convincente”. No livreto, ainda há truques para aparentar ser mais alto enquanto se aumenta a estatura. “Vista-se confortavelmente e use cores lisas. Isso não só melhorará sua bela aparência, mas fará de você o centro das atenções aonde quer que vá.”
Já era quase setembro na Drogaria Nebraska quando a repórter resolveu medir-se pela última vez, para encerrar a peripécia. O resultado: crescera 1 centímetro. Agora media glorioso 1,61 metro. Quase que imediatamente, ao sair da balança, os homens passaram a notá-la com mais interesse, o pote de arroz ficou acessível no armário e a repórter foi promovida no emprego, pois, como diz o dr. Pathaday, “um corpo sadio trabalha mais e reclama muitíssimo menos”.