Shogun é reconhecido nas ruas em qualquer capital. No Norte e no Nordeste, é uma celebridade. Uma breve estada do atleta em Manaus quase parou o Centro da cidade FOTO: ROGÉRIO REIS
General samurai
Mauricio Shogun, o brasileiro pacato das Artes Marciais Mistas, tenta retomar o cinturão
Fábio Fujita | Edição 59, Agosto 2011
Nos minutos que antecedem o início de uma luta, quando os lutadores se postam frente a frente para ouvir as instruções do árbitro, alguns dos adversários de Mike Tyson tentavam manter um olhar de mau, no olho a olho com o campeão. Numa fração de segundo, no entanto, sucumbiam e desviavam quase que imperceptivelmente a vista, mas o suficiente para Tyson, como contou num documentário, ter a certeza de ter intimidado o oponente.
Nas Artes Marciais Mistas, a encarada antes de o sangue esguichar é ainda mais pontiaguda. Com a sigla inglesa MMA, as Artes Marciais Mistas são a atual encarnação do velho vale-tudo. A modalidade tem base no boxe e permite o uso de chutes, joelhadas, cotoveladas e outros golpes com origem no jiu-jítsu, na luta greco-romana, no caratê e no muay thay, a pancadaria tailandesa.
Quinton “Rampage” Jackson, figura das mais amedrontadoras do MMA, é dos que recorrem à intimidação pelo olhar. Tem a seu favor o physique du rôle de brutamontes de caricatura: o seu amontoado de músculos e a carantonha lhe renderam a oportunidade de reviver na televisão o personagem B. A. – outrora feito por Mr. T – na nova versão da série Esquadrão Classe A. Rampage fica a milímetros do focinho do adversário, bufando como um pit bull ao avistar um gatinho.
Mauricio “Shogun” Rua jamais olha o adversário no olho. Segundo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, o atleta que faz isso se recusa a correr o risco de dar força – e dar trela – ao adversário. Shogun evita os arroubos teatrais mesmo no ritual da pesagem, no qual empresários e agentes incentivam caras feias, ameaças e promessas de destruição. Na pesagem oficial para o embate entre Anderson Silva e Vitor Belfort, tida como “a luta do século”, o primeiro apareceu vestindo uma máscara – em resposta a uma provocação de Belfort, que dissera que o oponente escondia-se sob um personagem. Quase trocaram socos ali mesmo, para gáudio da galera.
Com Shogun, a tensão espetaculosa não prospera. A única ocasião em que se meteu nesse tipo de show foi com o americano Mark Coleman. Foi em 2009, na revanche de uma luta ocorrida três anos antes, quando a falta de fair-play do americano ensandeceu a equipe de Shogun. Com cinquenta segundos de combate, Coleman conseguira um giro sobre o oponente para levá-lo ao solo. Mas Shogun caiu sobre o próprio braço e teve uma fratura instantânea. Mesmo com o brasileiro urrando de dor e tendo o juiz anunciado o fim do combate, Coleman continuou a socar o adversário caído.
A trupe nacional invadiu o ringue e trocou sopapos com a equipe do americano. Por isso, antes do segundo embate, Coleman provocou o antagonista a mais não poder. Não adiantou: Shogun o nocauteou no terceiro round. Horas depois, eles se encontraram no bar do hotel onde estavam hospedados. “Coleman estava bastante machucado”, contou Shogun, “mas me chamou e disse: ‘Tudo o que eu falei era para fazer barulho, para a mídia. Gosto de você.’”
A Mauricio Shogun já basta o barulho de fraturas e pancadas de verdade. Em maio do ano passado, ele enfrentou o nipo-baiano Lyoto Machida no quadro do Ultimate Fighting Championship, o UFC, o mais prestigiado torneio da modalidade. Com pouco mais de um minuto de luta, uma tentativa de Shogun em levar Machida ao solo deu um nó no seu joelho esquerdo. “Meu corpo foi e a perna ficou”, contou Shogun, lembrando ter ouvido um sonoro estalo.
Havia rompido o ligamento do joelho – contusão que, por duas vezes, interrompera longamente a carreira de Ronaldo Fenômeno no futebol. Shogun continuou na luta, apesar de intuir a gravidade da lesão. Dois minutos depois, com uma sequência formidável de socos, deixou Machida desacordado na lona. Só quando ouviu seu nome ser anunciado como o novo dono do cinturão dos meios-pesados (até 93 quilos), lembrou-se do joelho estourado.
O boom do MMA, que alcança dezenas de países, deve muito à presença brasileira. Junto a nomes como Anderson Silva, José Aldo, Lyoto Machida e Junior dos Santos, Shogun está na elite mundial da luta. Antes confinada aos canais por assinatura, desde 2009 a modalidade aparece na Rede TV!, aos sábados de madrugada. Apesar do horário, o UFC Sem Limites é o programa com a segunda maior audiência da emissora, perdendo somente para Pânico na TV.
Mauricio Shogun é reconhecido nas ruas em qualquer capital brasileira. No Norte e no Nordeste é uma celebridade de primeiro plano. Em abril, uma breve estada do atleta em Manaus quase parou o Centro da cidade. “O que eu vi ali só é parecido com o que a gente vê no Canadá ou nos Estados Unidos em véspera de luta: não dava para andar nas ruas”, recordou Eduardo Alonso, o empresário de Shogun, que o acompanha a todo canto. Em outros países, a popularidade dos lutadores é ainda maior. “Até brinco com a equipe quando vou lutar nos Estados Unidos ou no Japão. Digo: ‘Preparem-se, porque vamos passar uma semana de pop stars’”, disse Shogun.
O mundo das artes marciais foi apresentado a Mauricio Shogun pelo irmão mais velho, Murilo, praticante de muay thay, o boxe tailandês, esporte disseminado pelas academias de Curitiba, onde mora a família Rua. Chutar e dar socos combinava, por assim dizer, com a personalidade de Murilo, que desde pequeno sempre foi muito agitado. O patriarca dos Rua, Antônio, no entanto, não gostava nada daquilo. “Para mim, o pessoal de academia era gente sem emprego e sem instrução”, recordou o pai.
A mãe, Clementina, admite que teve de acobertar algumas situações em favor do rebento. A família tinha uma loja de esportes e Murilo pedia para sair antes do expediente, para treinar – mas que a mãe não contasse ao pai. Apesar da personalidade bem mais pacata que a do irmão, Mauricio Shogun também foi tomando gosto pelas lutas.
O pai, que era representante comercial de uma marca de calçados, ensinou o ofício ao filho. Como era uma atividade itinerante, a cada cidade em que aportavam, Shogun tratava logo de descobrir os locais onde se treinava muay thay ou jiu-jítsu. Antônio reconheceu que o filho não tinha vocação para vendedor ambulante. E se resignou a que seguisse, durante algum tempo, a carreira de lutador. “Não vai dar em nada”, apostava Antônio. Não foi bem assim.
O vale-tudo tem berço brasileiro. Começou com o desenvolvimento, a partir dos anos 30, de uma nova versão de jiu-jítsu pela família Gracie. Desenvolvida pelo clã dos irmãos Carlos e Hélio Gracie, a nova modalidade de jiu-jítsu – luta criada na época dos samurais – incorpora um leque mais complexo de técnicas de solo, adaptadas do judô.
Um dos filhos de Hélio Gracie, Rorion, quis provar que a modalidade reinventada pela família era a mais eficiente entre todos os tipos de arte marcial. Foi então aos Estados Unidos, a fim de criar um torneio que confrontasse lutadores de outras modalidades. Em 1993, em sociedade com uma dupla de americanos, Rorion criou o Ultimate Fighting Championship, o UFC.
O primeiro atrativo era o ringue da luta, que não era quadrado como no boxe. Octogonal, lembrava uma gaiola gigante. Com isso, os seus criadores queriam insinuar que os dois contendores duelariam ali até um só sobrar de pé.
E as principais dificuldades eram a ausência de divisão por categorias e a quase inexistência de regras – valia até puxar cabelo e morder. O espetáculo era por demais bizarro, além de violento. A primeira luta da história do UFC foi sintomática. Ela reuniu o holandês Gerard Gordeau, especialista em savate, uma espécie de kickboxing, e o superobeso Teila Tuli, lutador havaiano de sumô. Um chute de Gordeau no rosto de Tuli fez voar um dente deste e decretou o fim do combate em 26 segundos.
A tese da superioridade do jiu-jítsu dos Gracie, de certa forma, veio a se comprovar. Um irmão de Rorion, Royce Gracie, venceu sem grandes sustos três das quatro primeiras edições do torneio. Mas, sem a menor preocupação com a integridade dos atletas, ou em atenuar a violência, o UFC assustava os grandes investidores e as televisões. Sem rounds, as lutas só terminavam com nocaute ou desistência, e podiam se estender por mais de meia hora. E, para ser campeão, o lutador chegava a fazer três ou quatro lutas na mesma noite. Com tudo isso, nos primeiros anos o UFC foi se marginalizando como uma rinha humana, ao estilo do filme Clube da Luta.
Em 1997, no outro lado do globo, empresários japoneses tiveram a ideia de organizar um confronto experimental. De um lado, lutaria o ídolo do wrestling local, Nobuhiko Takada. Do outro, mais um Gracie, irmão de Rorion e Royce: Rickson. O brasileiro venceu e o público japonês delirou. O “Gracie jiu-jítsu” começava a ser reconhecido.
Os organizadores perceberam que havia demanda por aquele tipo de espetáculo. E o que era para ser uma única luta desdobrou-se num torneio de vale-tudo com edições recorrentes, batizado com o nome de Pride. Como a competição nipônica teve uma divisão por categorias e rounds, o Pride logo suplantou o UFC.
Mauricio Shogun estreou no Pride, em outubro de 2003, contra um japonês, Akira Shoji, que nocauteou em três minutos e meio. Das suas 24 lutas, treze foram no Pride, que fizeram dele um ídolo no Japão. Colabora para isso a alcunha de guerra, Shogun, que Mauricio adotou por sugestão de um antigo professor de jiu-jítsu, que simplesmente reproduziu o nome da marca do quimono que o pupilo usava.
No MMA, tal como no boxe, é comum os atletas incorporarem um apelido pop ao nome. Vitor Belfort é The Phenom, Anderson Silva é The Spider, Lyoto Machida é The Dragon. Mauricio Rua virou Shogun, que significa “general”.
O seu segundo adversário no Pride, o também japonês Akihiro Gono, achou que a patente militar era imponente demais para o jovem curitibano, então com 21 anos de idade. Durante a promoção da luta, Gono afirmou que venceria o brasileiro para acabar com essa história de Shogun. “Ele disse que ‘Shogun’ era demais para mim”, lembrou Mauricio. “Mas o nocauteei no primeiro round, graças a Deus.”
A reconfiguração do circuito mundial de vale-tudo começou a tomar forma no início do século XXI. Até então, ele era proibido por comissões atléticas de 36 estados americanos, e não aparecia nem em estações de tevê a cabo. Até que um empresário americano do boxe, Dana White, juntou-se a uma dupla de irmãos que eram donos de cassino em Las Vegas – Frank e Lorenzo Fertitta – e comprou o torneio.
Um ano antes, com a percepção de que a modalidade precisaria mudar para virar de fato um esporte, dera-se um passo decisivo com a criação de 32 regras. Entre elas estava a proibição dos “tiros de meta” (os chutes no rosto do adversário caído) e da cotovelada “doze às seis horas” (golpe vertical com a ponta do cotovelo na cabeça do antagonista no solo), permitidos no Pride. Também se consolidou a padronização do tempo dos combates: três rounds de cinco minutos, em lutas comuns, e cinco rounds de cinco minutos, em disputas de cinturão.
Mas não foram as regras que popularizaram o UFC. Foi a derrocada do Pride. Em 2003, o presidente do Pride, Naoto Morishita, foi encontrado morto. As circunstâncias indicavam uma possível ligação do empresário com a Yakuza, a máfia japonesa. A partir daí, a fuga de patrocinadores foi rápida, quase tão rápida quanto a fuga dos competidores, que migraram em levas para o UFC.
É Dana White quem demite e escolhe as estrelas do torneio. “White não manda embora pelo resultado das lutas, mas conforme o cara agrada ou não o público”, explicou Shogun, cooptado pelo UFC em 2006, depois de ter sido campeão do Pride no ano anterior.
Em 2007, o Pride acabou comprado pelo próprio UFC. Entre os brasileiros, só Shogun e Rodrigo Minotauro foram campeões nos dois torneios. A estreia de Shogun na competição americana, no entanto, não foi das mais felizes: uma chave de pescoço “mata-leão” do americano Forrest Griffin encerrou o combate.
A possibilidade da revanche acontece agora, no dia 27 de agosto, quando o Brasil voltará a sediar uma edição do UFC – o primeiro e último havia sido em 1998, em São Paulo. Desta vez, será no Rio de Janeiro. E Griffin será de novo o adversário de Shogun.
Prosseguem os esforços para que os campeonatos de MMA não sejam associados a uma sequência de brigas. Mas os próprios atletas, muitas vezes, admitem que o que fazem, mesmo, é brigar. Na véspera da luta entre Anderson Silva e Vitor Belfort, em vista das provocações de parte a parte, o primeiro reconheceu, simplesmente: “Não tem muito segredo: vamos sair na porrada amanhã.”
O psicólogo do esporte João Cozac acha que “o MMA remete àquelas brigas mais antigas de defesa de território, de sobreposição de força, ao mito do herói. Cai até numa leitura mais antiga, da seleção natural que Charles Darwin propôs como teoria, em que os mais fortes sobrevivem. E também na teoria da seleção sexual: de procriação, de estar ao lado dos mais capacitados, dos mais fortes, dos mais belos”.
O assédio feminino sobre os lutadores é forte. Certa vez, num Dia dos Namorados no Japão, Shogun ganhou centenas de bombons e presentinhos de admiradoras. Quando soube disso, a mãe o alertou: “Pelo amor de Deus, não coma nenhum: podem estar envenenados.” Não estavam.
Embora a organização do UFC não divulgue cifras econômicas, a engrenagem na qual ela se sustenta é milionária. Segundo reportagem do jornalista Fellipe Awi, do SporTV, uma única edição do evento gera, em média, 70 milhões de reais em receitas. Comprada em 2001 por White e os irmãos Fertitta pela bagatela de 2 milhões de dólares, hoje a marca valeria – segundo a revista Fortune – 1 bilhão de dólares. As bilheterias trazem boa parte da receita. Os 14 mil ingressos para o UFC Rio, por exemplo, se esgotaram em uma hora e catorze minutos – e eles custam, cada um, entre 275 reais e 1,6 mil reais.
Mas a principal fonte de arrecadação do UFC está nas transmissões de televisão. Jornadas que trazem disputas de título são confinadas ao pay-per-view no mercado americano. Uma única edição, em 2009, contou com 1,6 milhão de pacotes vendidos. No Brasil, em fevereiro, o número de assinantes do canal pago Première Combate, especializado em lutas, chegou a 100 mil. Entre dezembro de 2010 e junho passado, o crescimento geral de serviços pay-per-view foi de 11%, enquanto só o aumento de assinantes do Première Combate foi de 47%.
Numa entrevista no início do ano, o próprio Dana White assegurou: “Estamos em 500 milhões de lares de 175 países.” Para os lutadores da estirpe de Shogun, as bolsas das lutas variam, em média, entre 200 mil e 1 milhão de dólares, mais bônus por vitória. Os iniciantes faturam ao menos 100 mil dólares anuais. Os grandes ídolos ainda recebem pelo licenciamento de itens de vestuário, videogames e bonequinhos, fora os patrocínios. Shogun conta com quatro, sendo o principal deles a Bad Boy, grife esportiva.
Mauricio Shogun está com 29 anos. Tem 1,83 metro de altura, 1,93 metro de envergadura e pesa 93 quilos. Seu rosto não traz nenhuma marca da profissão. Tem três tatuagens: uma de um shogun samurai, outra de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e a terceira com a expressão muay thay, sua arte marcial favorita, em caracteres tailandeses. É um sujeito calmo e de poucas palavras, talvez um pouco em função de um leve problema de dicção, que o faz atropelar algumas frases. Na infância, fez fonoaudiologia por dois anos para tratar do distúrbio.
Há um ano e meio, filmou o nascimento de sua única filha, Maria Eduarda. Se vier a ter um menino, espera que a paixão por MMA seja genética. “Não vou obrigá-lo, mas sim incentivá-lo a lutar”, disse. Quando está à toa, gosta de passear com Sakao, um pit bull tão manso que, assegura, “acha que é poodle”. Nos dias seguintes a uma luta, Shogun deixa a cargo de Renata Ribeiro, sua mulher, a escolha do lugar para onde irão viajar. Um descanso para ele, um prêmio para ela. “Não é fácil aguentar um atleta em casa: tem que comer certinho, dormir certinho”, ele disse. “A família sofre porque o estresse pega em quem está perto.”
Shogun costuma subir ao ringue uma vez a cada quatro meses. No dia da luta, chega ao ginásio com quatro horas de antecedência. Se muitos atletas só faltam bater a cabeça nas paredes do vestiário para lidar com a adrenalina pré-luta, Shogun demonstra uma tranquilidade incomum: chega a tirar um bom cochilo momentos antes de subir ao octógono. “Isso é muito mais um traço de personalidade do Shogun do que uma regra na modalidade”, analisou Cozac, apontando que em esportes de grande explosão física, como o MMA, a ativação psicológica para um alto rendimento tende a ser detonada pela ansiedade, não pelo relaxamento.
Quando Shogun desperta da cochilada, faz um aquecimento de quarenta minutos, à base de alongamentos e de socos e chutes em colchonete. “O atleta tem que entrar já suando no ringue, com o batimento cardíaco bem alto”, explicou o técnico de Shogun, Rafael Cordeiro. “Não pode esperar começar a luta para subir o batimento, porque muitas vezes isso até baixa a pressão do atleta.” Por superstição, o lutador sempre usa sunga e calção na cor branca. Faz uma última prece junto com a equipe e encaminha-se para a boca do túnel que o leva ao octógono. É o momento de maior expectativa para Shogun.
No trajeto até o octógono, passando pelo meio do público, Mauricio Shogun já está um pouco mais relaxado. Gosta da energia da plateia. Procura mentalizar que “o pior já passou”, lembrando-se do longo período de treinamento e de privações – social, familiar, alimentar – a que se submeteu para estar ali. Garante não ter medo de se ferir – só de perder. “A maior cicatriz de uma luta é a derrota, não os machucados”, explicou.
Mas é claro que algumas situações no octógono o deixam inseguro. Estar por baixo do adversário, no solo, é o pior dos cenários. “Porque assim o cara está pontuando e você precisa reverter”, disse. E também porque sua especialidade é o muay thay, que se desenvolve em pé, combinando boxe e chutes. Shogun considera a joelhada o seu golpe mais contundente: com ela, quebrou três costelas de Rampage quando os dois se pegaram no Pride.
A luta também é psicológica: quando o lutador acusa uma pancada, o adversário tende a partir com tudo para cima. “Se eu sinto o golpe, tento mostrar que não senti. Às vezes a gente tem que ser meio que um ator ali”, revelou, rindo. Quando um atleta reclama de ter sido acertado abaixo da linha de cintura, Shogun garante que é encenação para ganhar tempo, uma vez que os lutadores são obrigados a usar uma proteção local, a coquilha: “Não tem como sentir um golpe ali.”
Desde junho, ele está em Los Angeles, treinando para o combate no UFC Rio. A esposa e a filha o acompanham, assim como a sogra, que cuida de sua alimentação. É a primeira vez que Shogun treina nos Estados Unidos, na academia de Rafael Cordeiro, a Kings MMA. Treinam ali lutadores de várias categorias, de modo que um faz as vezes de sparring do outro. Shogun se exercita de segunda a sábado, seis horas por dia. Nas duas horas pela manhã, faz musculação e condicionamento físico. De tarde, são duas horas de wrestling. À noite, são outras duas horas, agora de muay thay.
Cordeiro avalia que seus métodos são mais intensos do que os das escolas americanas. “Nosso treino é bem perto da realidade”, disse. “Se for dar uma cotovelada na cara do parceiro, você coloca proteção nos cotovelos e pode dar, sem problemas. A proteção é para não cortar, mas o atleta sente o impacto da pancada. É uma guerra.”
Voltar a treinar sob a batuta de Cordeiro, de quem estava afastado há quatro anos, foi uma decisão que Shogun tomou depois da sua luta mais recente, contra o americano Jon Jones, em março. Era a primeira vez que o brasileiro defendia o cinturão que tomara de Lyoto Machida. Dominado desde o início, Shogun perdeu por nocaute técnico no terceiro round, depois que, sem conseguir se defender de uma sequência de socos e joelhadas, o árbitro interrompeu a luta.
“Fiquei muito chateado com a minha performance, não tive chance”, disse ele. Acredita que perdeu por não ter se preparado direito, por ter se acomodado numa zona de conforto. “Como tive títulos no Pride e no UFC, eu não tinha algo maior para almejar”, explicou. Agora, ele tem: recuperar o título que foi seu por apenas um combate.
Depois de oito anos, será a primeira apresentação de Shogun numa arena brasileira. A última havia sido em agosto de 2003, no Meca World Vale Tudo, realizado em Curitiba. A expectativa é grande na família Rua, mas no evento carioca Shogun já sabe que não verá, na plateia, a mãe. Ao longo de toda a carreira dos dois filhos lutadores, Clementina só assistiu a uma luta, traumática: começou a passar mal quando viu o adversário se impor sobre Mauricio.
“Tive uma quedazinha de pressão, porque no começo o Mauricio apanhou um pouco”, recordou. Ela cumpre um ritual solitário nos dias em que Mauricio luta. As orações começam horas antes do início do combate, e duram até que alguém da família telefone para avisá-la do resultado.
O pai é presença certa no Rio. Antônio virou um entusiasta que vê na televisão mais MMA do que futebol. Na luta em que Shogun sucumbiu frente a Jon Jones, Antônio estava no ginásio, na fileira mais colada ao octógono. “Fiquei emocionado e chorei muito, mas ele não me viu chorar”, confidenciou. “É duro para um pai porque, quando os filhos eram crianças, se imaginasse alguém batendo neles, pulava em cima.”
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