A avó kadiwéu pediu a um missionário um prato de comida para o neto e depois partiu. Os dois índios foram fotografados por Don McCullin, que fez em 1968 as imagens que ilustraram a reportagem de Norman Lewis publicada na Sunday Times Magazine, em 23 de fevereiro do ano seguinte FOTO_© DON MCCULLIN_CONTACT PRESS IMAGES
Genocídio
Em reportagem de 1969, o extermínio sem fim dos índios no Brasil
Norman Lewis | Edição 148, Janeiro 2019
Texto originalmente publicado na Sunday Times Magazine em 1969, e depois publicado no livro A View of the World, pela editora Eland. A repercussão do artigo estimulou a criação da Survival International, uma organização que trabalha pelos direitos dos povos indígenas no mundo inteiro.
Tradução de Renato Marques de Oliveira
Se por acaso você é uma daquelas pessoas que sentem afeição pelas civilizações gentis e atrasadas – nagas, papuas, miaos do Vietnã, remanescentes polinésios e melanésios –, pelos tímidos povos primitivos, amedrontados e ofuscados pelo avassalador avanço de nossa era implacável, então o ano passado [1968] foi um ano ruim para você.
A julgar pelas descrições de todos os que os viram, não havia no planeta seres humanos mais inofensivos e encantadores do que os indígenas silvícolas do Brasil, e de chofre fomos informados de que eles haviam sido impelidos para a beira da extinção. A tragédia dos nativos nos Estados Unidos no século XIX estava sendo repetida, mas em um intervalo de tempo mais curto. Onde uma década antes viviam centenas de índios, agora havia dezenas. Uma revista norte-americana publicou uma nostálgica reportagem sobre uma tribo da qual tinham sobrevivido apenas 135 membros… um tanto delicados demais para praticar a caça. Eles viviam nus, como Adão e Eva, no crepúsculo de uma história de inocência, pescando, colhendo amendoim, tocando flauta, fazendo amor… esperando pela morte. Ficamos sabendo que era somente por obra e graça da solicitude paterna do Serviço de Proteção aos Índios [SPI], órgão do governo brasileiro, que eles haviam sobrevivido até então.
Em todos esses relatos monitórios – e foram muitos – havia um ponto cego, uma falta de sinceridade, uma falha de responsabilidade social, uma evidente aversão em apontar a direção de onde a desgraça se aproximava. Ao que tudo indicava, esperava-se que supuséssemos que os índios estavam simplesmente desaparecendo, dizimados pelo clima rigoroso da época, e fomos convidados a não perguntar mais nada nem investigar mais a fundo. Coube ao próprio governo brasileiro solucionar o mistério, e, em março de 1968, ele o fez com brutal franqueza e sem se esforçar muito na sua autodefesa. As tribos haviam sido praticamente exterminadas, não a despeito dos esforços do Serviço de Proteção aos Índios, mas com sua conivência – amiúde com sua veemente cooperação.
O SPI, admitiu o general Afonso Augusto de Albuquerque Lima, ministro do Interior, havia sido convertido em um instrumento para a opressão dos índios e, portanto, fora dissolvido. Haveria uma investigação judicial acerca da conduta de 134 funcionários. Uma página de jornal inteira, em letras miúdas, foi necessária para listar os crimes dos quais esses homens eram acusados. Em conversa informal, o procurador federal, Jáder de Figueiredo Correia, afirmou duvidar que dez funcionários do SPI, de um total de mais de mil, poderiam ser totalmente eximidos de culpa e inocentados pela Justiça.
O relatório oficial tinha um tom sereno – fleumático, quase –, razão ainda maior da eficácia de seu conteúdo, que revelava e denunciava atrocidades. Desbravadores, latifundiários e garimpeiros mancomunados com políticos corruptos vinham continuamente usurpando terras indígenas, e destruíram tribos inteiras em uma luta cruel na qual se empregou guerra bacteriológica, com a doação de roupas impregnadas com o vírus da varíola e de suprimentos de comida envenenados. Crianças foram raptadas, e o assassinato em massa ficou impune. O próprio governo foi culpado, em certa medida, pela progressiva inanição de recursos do SPI durante um período de trinta anos. O SPI também teve que enfrentar “o impacto desastroso da atividade missionária”.
No dia seguinte, o procurador federal convocou a imprensa e estava preparado para fornecer todos os detalhes. Uma Comissão de Inquérito resultou em uma expedição que havia passado 58 dias visitando postos do Serviço de Proteção aos Índios de uma ponta a outra do país, coletando indícios de abusos, maus-tratos e crueldades.
As enormes perdas sofridas pelas tribos indígenas nessa trágica década foram catalogadas em parte. Dos 19 mil mundurucus que se acreditava terem existido nos anos 30, restavam apenas 1 200. A população de guaranis foi reduzida de 5 mil para trezentas pessoas. Restavam quatrocentos carajás dos 4 mil de outrora. Dos cintas-largas, que haviam sofrido um ataque aéreo e foram expulsos para as montanhas, possivelmente quinhentos sobreviveram de um total de 10 mil. A orgulhosa e nobre nação Kadiwéu – “os cavaleiros índios” – encolhera para um lamentável grupo de cerca de duzentos indivíduos que agora mendigavam ou vasculhavam o lixo em busca de comida. Restavam apenas poucas centenas dos formidáveis xavantes que espreitavam no pano de fundo a expedição de Peter Fleming no Brasil,[1] mas eles haviam sido reduzidos a uma ralé, matéria-prima para a atividade missionária – o mesmo destino melancólico que se abateu sobre os bororos, que ajudaram a modificar as ideias de Claude Lévi-Strauss a respeito da natureza da evolução humana. Muitas tribos eram agora representadas por uma única família, outras por um ou dois indivíduos. Algumas desapareceram por completo, como os tapaiunas – nesse caso, em decorrência de um presente na forma da doação de um carregamento de açúcar misturado com arsênico. Estima-se que apenas algo entre 50 mil e 100 mil indígenas sobrevivam hoje.[2]
Em seu relatório, Figueiredo calculou que propriedades no valor de 62 milhões de dólares haviam sido roubadas dos indígenas nos últimos dez anos.
E acrescentou: “Não é apenas pela malversação de fundos, mas pela admissão de perversões sexuais, assassinatos e todos os outros crimes enumerados no Código Penal contra os índios e suas propriedades, que se pode ver que o Serviço de Proteção aos Índios foi, durante anos, um antro de corrupção e assassinatos indiscriminados.” O diretor do SPI, o major Luís Neves, foi acusado de 42 crimes, incluindo conluio em vários assassinatos, a venda ilegal de terras e o desvio de 300 mil dólares. Os documentos que continham as provas coletadas pelo procurador federal pesavam 103 quilos, ele informou aos jornalistas, e totalizavam 5 115 páginas.
Nos dias seguintes, apareceram mais manchetes e vieram a público novas declarações do ministério:
“Latifundiários ricos do município de Pedro Alfonso [então no estado de Goiás, agora no Tocantins] atacaram a tribo dos craôs e mataram cerca de cem pessoas.”
“O pior massacre ocorreu em Aripuanã [Mato Grosso], onde os índios cintas-largas foram atacados com o bombardeio de bastões de dinamite atirados de aviões.”
“Os maxacalis ganharam aguardente dos proprietários de terra, que empregaram jagunços armados para matá-los a tiros quando estivessem bêbados.”
“Proprietários de terras contrataram um famoso pistoleiro e seu bando para massacrar os índios canelas.”
“Os índios nambiquaras foram dizimados com disparos de metralhadoras.”
“Duas tribos pataxós foram exterminadas por meio de injeções com o vírus da varíola.”
“No Ministério do Interior, declarou-se ontem que chegam a mais de mil os crimes cometidos por certos ex-funcionários do SPI, desde arrancar as unhas dos índios até deixá-los morrer sem nenhum tipo de assistência.”
“Com o intuito de exterminar a tribo dos beiços de pau, explicou Ramis Bucair, chefe da 6ª Inspetoria Regional do SPI, formou-se uma expedição que subiu o rio Arinos levando presentes e uma grande quantidade de alimentos para os índios. Aos víveres foram misturados arsênico e formicidas […] No dia seguinte, um grande número de índios morreu, e os brancos espalharam o boato de que isso era resultado de uma epidemia.”
Como sempre, as fronteiras com a Colômbia e o Peru (cenário das aventuras piráticas da antiga Companhia Amazônica Peruana da Borracha, de registro britânico), causaram problemas. Um breve surto de prosperidade na extração de borracha silvestre provocado pela última guerra [1939-45], povoou essa área com uma nova geração de homens com corações de pedra. Na década de 40, uma empresa seringalista punia os escravos indígenas que ficassem aquém da sua devida cota de produção diária arrancando-lhes uma orelha pelo primeiro desacato; os reincidentes perdiam a segunda orelha; por fim, quem não atingia a meta pagava com a vida. Quando perseguida por soldados brasileiros, a empresa simplesmente se mudou com toda a sua mão de obra para o outro lado da fronteira, estabelecendo-se no Peru. Hoje, a maioria dos proprietários de terras locais é um pouco menos espetaculosa em suas modalidades de opressão. Diz-se que um latifundiário acorrentava leprosos a postes, abandonando-os à própria sorte durante uma semana, sem comida e sem água, forçados a urinar e defecar ali mesmo. Ele era um mau exemplo, mas seu método para manter os índios ticunas em estado de escravidão era o mais usado. Os índios recebiam 50 centavos de cruzeiro pelo trabalho de um dia e depois tinham que pagar 3 cruzeiros por um pedaço de sabão. Os que tentavam fugir eram detidos (pela força policial privada dos latifundiários) e encarcerados como ladrões.
Neves da Costa Vale, delegada da Polícia Federal que investigou o caso e as condições locais em geral, constatou que pouca coisa havia mudado desde os velhos e maus tempos. Ela observou que centenas de indígenas estavam sendo escravizados por proprietários de terras em ambos os lados da fronteira, e que colombianos e peruanos avançavam pelos rios brasileiros para caçar os ticunas. Índios semicivilizados, disse ela, estavam sendo aliciados e recrutados para agir como bandidos na Colômbia. A área é conhecida como Solimões, e a delegada Costa Vale ficou chocada com a desesperadora condição física dos índios. Os leprosos eram abundantes, e ela confirmou a existência de uma ilha chamada Armaça, onde se confinavam indígenas velhos ou doentes para que lá aguardassem a morte. Disse que eles não contavam com nenhum tipo de assistência.
Todas as informações, não importa de que fonte provinham, traçavam o relato da catástrofe. Ninguém sabia exatamente quantos índios tinham sobrevivido, porque não havia como contá-los em seus derradeiros baluartes nas montanhas e florestas. A estimativa mais otimista colocava o número na casa dos 100 mil, mas outros consideravam que o total de sobreviventes era a metade disso. Tampouco seria possível fazer algo além do mais grosseiro cálculo quanto à velocidade dos processos de extermínio. A opinião consensual sugere que, quando os europeus entraram em cena pela primeira vez, quatro séculos atrás, encontraram uma população densa e vigorosa. Frei Gaspar de Carvajal, cronista responsável pelos diários e registros da expedição capitaneada por Francisco de Orellana, afirma que certa feita o navio espanhol em que viajavam foi atacado por um contingente de 50 mil nativos. À época, acreditam os especialistas, a população indígena pode ter girado em torno de 3 a 6 milhões. Em 1900, calculam as mesmas autoridades, talvez restasse 1 milhão. Mas na realidade é tudo uma questão de conjectura.
Os primeiros europeus que puseram os olhos nos índios do Brasil desembarcaram da frota de Pedro Álvares Cabral no ano de 1500 e tiveram uma recepção que os encantou; quando os navios zarparam novamente, foi com relutância que os portugueses partiram.
Pero Vaz de Caminha, escrivão oficial da expedição cabralina, enviou ao rei uma carta plena de entusiasmo. Era o relato de um homem que se livrara da monotonia dos mares e encarava com olhos frescos experiências novas e miraculosas, descritas como se dirigisse a um amigo do peito em sua cidade natal. Índias nuas tinham desfilado praia afora, esplendidamente indiferentes aos olhares fitos dos marinheiros portugueses – e Caminha conduz o olhar do rei pelos encantos das nativas com extraordinária minúcia e sem pressa. As moças índias, recém-saídas do refrescante banho no rio, eram “limpas das cabeleiras”, sem pelos no corpo. O escrivão descreve com simpatia e nos mínimos pormenores os atrativos sexuais das nativas, acrescentando que a genitália delas era tão graciosa que a muitas mulheres portuguesas causaria vergonha. Naquela época, os europeus raramente tomavam banho (um tratado sobre maneiras de evitar a infestação por piolhos era um best-seller), de modo que se supõe que os portugueses eram o mais das vezes repugnantes nas partes pudendas. Para Caminha foi inevitável voltar ao tema antes de se fixar em detalhes prosaicos do clima e das riquezas naturais da terra recém-descoberta. As “moças bem novinhas e gentis”, diz ele, “são como aves, ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e tão formosos que não pode mais ser”.
Os europeus também ficaram impressionados com a magnificência dos costumes dos índios. Se manifestassem admiração por qualquer um de seus colares ou adornos pessoais feitos de penas ou conchas, instantaneamente eram presenteados com esses objetos pelos nativos. Em outros encontros, o mesmo ocorria com as bugigangas de ouro, e sempre havia esposas temporárias à disposição para quem quisesse. As mulheres mais ousadas vinham e se esfregavam nas pernas dos marinheiros, mostrando seu fascínio pela resposta sexual instantânea e inequívoca dos homens brancos.
Tamanha generosidade era deslumbrante para esses representantes de uma sociedade inibida, mas gananciosa ao extremo. O escrivão preencheu página após página com um catálogo de virtudes indígenas. Para completar essa imagem da sociedade humana perfeita faltava apenas o conhecimento do verdadeiro Deus. E como aqueles homens não eram circuncidados, por conseguinte não eram muçulmanos nem judeus, e nada havia que impedisse sua conversão. Quando a primeira missa foi celebrada, os indígenas, com polidez e tato característicos, ajoelharam-se ao lado dos portugueses e, imitando seus convidados, beijaram, sorridentes, os crucifixos que lhes foram entregues. Como as conversas se limitavam a gestos, os portugueses desconfiaram de que sua faina missionária estava incompleta e, quando a esquadra levantou âncora, dois degredados foram deixados para trás de modo a cuidar da conversão dos nativos.
Foi a carta de Caminha que incentivou Voltaire a formular sua teoria do Bom Selvagem.[3] Aqui estava a inocência – aqui estava a aparente liberdade, até mesmo com relação à maldição do pecado original. Os índios, disseram os primeiros relatos, nada conheciam de crimes ou punições. Não havia carrascos ou torturadores entre eles; não havia pobres. Eles tratavam um ao outro, seus filhos – até mesmo seus animais – com afeto constante. Eles seriam sacrificados por um processo que estava além do controle desses admirados visitantes. Espanha e Portugal tornaram-se nações parasitárias, incapazes de produzir sua própria alimentação.
As terras férteis na Península Ibérica haviam sido abandonadas, os sistemas de irrigação deixados pelos mouros estavam em decadência, os camponeses foram arrastados para combater em guerras intermináveis das quais nunca voltaram. Forças econômicas que os recém-chegados na América jamais conseguiriam entender estavam prestes a transformá-los em assassinos e traficantes de escravos. Os nativos cediam graciosamente, e os invasores agarravam com mãos ávidas o que eles lhes ofereciam, e quando não havia mais nada para dar, tiveram início a escravidão e a matança. O continente americano estava na iminência de ser dominado pelo que Lévi-Strauss descreveu, quatrocentos anos depois, como “aquele monstruoso e incompreensível cataclismo que o desenvolvimento da civilização ocidental significou para uma fração da humanidade tão vasta e tão inocente”.
Caminha e seus companheiros desembarcaram em Porto Seguro, a cerca de 1 mil quilômetros costa acima do atual Rio de Janeiro, e não é mais do que uma coincidência que um punhado de índios tenha conseguido sobreviver até hoje em Itabuna, mais ao norte. A presença ininterrupta desses pataxós é em certa medida um mistério, porque durante quatro séculos a área foi devastada por negociantes de escravos, colonos beligerantes e toda sorte de bandidos e bandoleiros. Os sobreviventes são encontrados em uma paisagem trigueira e austera, composta por rochas nuas interligadas, nas fendas das quais eles desenvolveram uma aptidão para a auto-ocultação; criaturas furtivas em farrapos tropicais, correm para se esconder quando alguém se aproxima. Eles são vistos em trechos de terras improdutivas à beira das estradas ou linhas férreas, que eles fertilizam com seus próprios excrementos para cultivar alguns legumes e verduras antes de seguir em frente. Ou então ganham a vida a duras penas em uma miserável subexistência, vendendo magia e remédios feitos de ervas para os brancos neuróticos que os visitam em segredo, e também recorrendo à esporádica prostituição e a roubos de pequena monta. Sofrem de tuberculose, doenças venéreas, doenças oculares, e de epidemias de sarampo e gripe, as duas últimas em formas particularmente letais.
Duas das tribos mantiveram-se aferradas, firmes e fortes, mesmo nos momentos mais difíceis, a um naco de sua terra original até dez anos atrás, quando um médico – que agora se supõe enviado pelo Serviço de Proteção aos Índios da época –, em vez de vaciná-los, inoculou-os com o vírus da varíola. Essa operação teve êxito pleno, e as terras devolutas foram imediatamente absorvidas pelas propriedades vizinhas de latifundiários brancos.
Há uma dúzia desses deprimentes acampamentos ao longo de quase 5 mil quilômetros de litoral, e eles são os últimos índios habitantes da costa, como os que foram vistos por Caminha, e que outrora apareciam, às centenas, para espiar por entre as árvores sempre que um navio ancorava a pouca distância da praia. Os pataxós são oficialmente classificados como integrados. É o pior rótulo que pode ser associado a qualquer indígena, já que a extinção está sempre nos calcanhares da integração.
As atrocidades dos conquistadores espanhóis descritas pelo bispo Bartolomeu de Las Casas, que foi testemunha ocular do que deve ter sido a maior de todas as guerras de extermínio, resistem à imaginação. Há algo de remoto e sombrio no horror em escala tão vasta. Os números começam a não significar nada à medida que lemos, com uma espécie de credulidade distraída e desfocada, os relatos de esfolações, eviscerações, mutilações e assassinatos em massa em fogueiras.
Doze milhões foram mortos, diz Las Casas, a maioria deles de maneira atroz. “O Todo-Poderoso parece ter inspirado essas pessoas com uma mansidão e brandura de humor como as dos cordeiros; e os conquistadores que se arremessaram no mesmo instante em que os conheceram parecem lobos, leões e tigres crudelíssimos […]. Vi os espanhóis lançarem seus ferozes e famintos cães sobre os índios para rasgá-los em pedaços e devorá-los […]. Atearam fogo a tantas cidades e aldeias que me é impossível lembrar do número exato delas […]. Essas coisas todas as fizeram sem a menor provocação, puramente pelo gosto de praticar o mal.” Onde quer que fossem alcançados, nas ilhas do Caribe e nas planícies costeiras, os índios estavam fadados ao extermínio. Os do Brasil foram salvos da extinção por uma floresta tropical do tamanho da Europa, e ao sul dela, 1,3 milhão de quilômetros quadrados de matagal e pantanais – em Mato Grosso – que continuaram suficientemente misteriosos até nossos dias para que exploradores como o coronel Percy Harrison Fawcett, à procura de cidades cobertas de ouro, perdessem ali a vida.
Para aqueles que perseguiam os índios nas entranhas da floresta, havia perigos piores do que flechas com as pontas embebidas em veneno. Bichos-de-pé depositavam seus ovos sob a pele; uma espécie de mosca se alimentava da superfície do olho e podia levar à cegueira; abelhas enxameavam-se para se agarrar aos vestígios de muco nas narinas e nos cantos da boca; formigas-de-fogo (ou lava-pés) podiam causar paralisia temporária e, o pior de tudo, um pequeno besouro por vezes encontrado nos telhados de cabanas abandonadas costumava cair sobre a pessoa adormecida para administrar uma única e fatal picada.
De mais a mais, havia os perigos comuns de cobras venenosas, miríades de aranhas e escorpiões, e os rios continham não apenas piranhas, enguias elétricas e arraias, mas também um pequeno bagre com barbatanas espinhosas que se contorcia nos orifícios humanos e não podia ser removido sem uma operação que mutilava a vítima. Acima de tudo, os mosquitos transmitiam não apenas a malária, mas também a febre amarela, endêmica no sangue de muitos macacos. Os únicos não índios a penetrar nos recessos finais da floresta foram mais tarde os negros, que escapavam em grande número dos engenhos de açúcar e das minas para formar os quilombos, povoações de escravos fugidos do cativeiro. Mas estes, além de se servirem à vontade das mulheres índias onde quer que as encontrassem, seguiam a regra de viver e deixar viver, fundiram-se com as tribos vizinhas e perderam sua identidade.
Os assassinatos e a escravidão dos índios diminuíram durante os três séculos seguintes, mas isso ocorreu porque havia menos deles para assassinar e escravizar. Expedições de grande envergadura com o intuito de arrebanhar mão de obra para as lavouras do Maranhão e do Pará despovoaram todas as aldeias de fácil acesso próximas às principais vias navegáveis da Amazônia, e comenta-se que a perda de vidas humanas teria sido maior do que a mortandade envolvida no comércio de escravos com a África. Os que escapavam do trabalho nas fazendas terminavam frequentemente nas reservas dos jesuítas – campos de concentração religiosos onde as condições de vida quase nunca eram menos severas, e os mais insignificantes pecados e infrações eram punidos com terríveis flagelos ou aprisionamento: “Não há melhor pregação do que a espada e a vara de ferro”, definiu o jesuíta missionário José de Anchieta.
No século XIX, chegou-se a uma espécie de impasse melancólico. Estava mais difícil obter escravos indígenas, e com a crescente racionalização da oferta e a consequente queda no custo dos negros da África Ocidental – que em todo caso suportavam melhor as duras condições do trabalho –, o preço do produto local foi reduzido. À medida que os índios tornaram-se menos valiosos como mercadoria, passou a ser possível vê-los por meio de um olhar vitoriano enevoado de lágrimas, e pelo menos um romance sobre eles foi escrito, embrulhado em sentimentalismo e no clima de O Último dos Moicanos. Um ponto de vista mais prático foi adotado na época do grande boom da borracha, na virada do século, quando se descobriu que os índios inofensivos e pitorescos estavam mais bem equipados do que os negros para vasculhar florestas à cata de seringueiras. Enquanto se evitava os olhos do mundo, todos os excessos e torturas conhecidos foram renovados, até que, com o fim do surto da borracha e o reavivamento da consciência, criou-se o Serviço de Proteção aos Índios.
Na crua e bruta vulgaridade que demonstrava em seu consumo da riqueza fácil, o boom da borracha brasileira ultrapassou tudo o que se tinha visto antes no mundo ocidental desde os tempos da corrida do ouro em Klondike.[4] Seu centro foi Manaus, construída na confluência de dois grandes rios navegáveis, o Amazonas e o Negro, dada a facilidade para lançar a partir dali expedições escravistas, que viviam decadência similar à da cidade.
Com a invenção do automóvel e do pneu de borracha, e o reconhecimento de que a Hevea brasiliensis – a seringueira ou árvore-da-borracha – da Amazônia produzia sem sombra de comparação a melhor matéria-prima, Manaus estava de volta aos negócios, instantaneamente convertida em uma Gomorra tropical. Enrico Caruso recusou um inacreditável cachê para apresentar-se na casa de ópera local, mas Adelina Patti aceitou. Nesse período, grassavam orgias babilônicas em que as cortesãs tomavam banhos semipúblicos de champanhe, bebida que também era servida, em baldes, aos cavalos que venciam as corridas de turfe. Homens afeitos à moda enviavam suas roupas sujas – as de cama e as de baixo – para serem lavadas na Europa. Mulheres mandavam incrustar de diamantes suas dentaduras, e entre as importações exóticas incluía-se um carregamento regular de virgens da Polônia. Essas meninas cuja média de idade era de 13 anos podiam custar até 100 libras [cerca de 8 mil libras em valores atuais, ou aproximadamente 38 mil reais] na primeira noite, porque a relação sexual com uma virgem era tida como uma cura certeira para doenças venéreas. Depois disso, o preço cairia para um vigésimo desse valor.
A mais dinâmica das grandes firmas de borracha da época era a Companhia Amazônica Peruana da Borracha, que operava na imprecisa fronteira noroeste do Brasil, onde podia colocar os governos da Colômbia, Peru e Brasil uns contra os outros, o que era melhor para estabelecer seu vasto e horripilante império de exploração e morte.
Um jovem engenheiro norte-americano, Walter Hardenburg, desejoso de correr o mundo, deixou-se levar pela inadvertida curiosidade de conhecer além dos limites dos seringais da companhia; foi imediatamente detido por jagunços e encarcerado por alguns dias, período durante o qual teve a oportunidade de testemunhar o tipo de coisa que acontecia. Vários milhares de índios uitotos tinham sido escravizados, e no posto fortificado onde Hardenburg foi aprisionado, El Encanto, ele via os indígenas seringueiros trazendo de volta sua coleta de látex no fim do dia. Os corpos dos homens estavam cobertos de imensos vergões descarnados, obra dos chicotes de couro de anta dos capatazes, e Hardenburg notou que os índios que conseguiam cumprir sua cota diária dançavam de alegria, ao passo que os que fracassavam pareciam aterrorizados, embora ele não tenha presenciado sua punição. Mais tarde, soube que repetidas falhas na coleta podiam significar uma sentença de cem vergastadas, das quais os supliciados levavam seis meses para se recuperar.
Um elemento de competição estava presente quando se tratava de matar índios. De uma feita, 150 trabalhadores irremediavelmente ineficientes foram capturados, reunidos e cortados em pedaços, empregando-se uma pavorosa habilidade local que incluía o “corte do bananeiro”, em que a lâmina do facão era brandida para trás e para a frente decepando duas cabeças de uma só vez, e o “corte maior”, em que um corpo era fatiado em duas ou mais partes antes que pudesse tocar no chão. Dias de grandes festejos também eram celebrados com eventos esportivos, quando alguns dos coletores de látex mais ativos – e, portanto, mais valiosos – podiam ser sacrificados para tornar a ocasião especial. Eles eram vendados e encorajados a fazer o melhor que podiam para fugir enquanto os capatazes e seus convidados, de espingarda em punho, disparavam contra eles.
Súditos britânicos de Barbados foram recrutados pela Companhia Amazônica Peruana como caçadores de indígenas selvagens e despachados em um sem-número de expedições para áreas onde a empresa planejava estabelecer novas trilhas de exploração de borracha. Esses mercenários recebiam sua paga por empreitada e eram obrigados a recolher a cabeça de suas vítimas e retornar com elas como prova para suas reivindicações de pagamento. Fazendas de garanhões existiam na área onde meninas índias selecionadas dariam à luz a mão de obra escrava do futuro, quando os índios selvagens tivessem sido exterminados. Também havia suspeitas de que algumas companhias de extração de borracha não tinham dado um basta imediato ao canibalismo, e circulavam fortes rumores sobre a existência de acampamentos nos quais trabalhadores adoentados e insatisfatórios eram usados para abastecer a provisão de carne dos seringueiros.
O escândalo de repercussão mundial da Companhia Amazônica Peruana, exposto por sir Roger Casement,[5] coincidiu com o colapso do ciclo da borracha causado pela concorrência das novas plantações na Malásia, e a crise de consciência acentuou-se com a ameaça do desastre econômico. A falência instantânea de Manaus foi acompanhada por acontecimentos espetaculares. As fontes de dinheiro secaram de súbito, e a população excedente de trapaceiros, aventureiros e prostitutas abarrotou os barcos a vapor em desenfreada fuga rumo à costa, pagando suas passagens com bens como abotoaduras de diamante e anéis solitários. Comerciantes ricos e influentes, cujas fortunas estavam investidas na borracha invendível, cometeram suicídio. Os célebres bondes elétricos – os primeiros do seu tipo na América Latina – pararam quando o fornecimento de energia foi cortado e acabaram incendiados por passageiros enfurecidos. Alguns cavalos de corrida foram parar na canga dos carros de boi. A casa de ópera fechou, para nunca mais abrir.[6]
Quando os brasileiros acostumaram-se à ideia de que a renda proveniente da borracha havia realmente chegado ao fim, começaram a examinar a questão do custo em vidas humanas daquela empreitada, à luz do fato, agora muito conhecido, de que só a Companhia Amazônica Peruana tinha assassinado quase 30 mil índios. O Brasil, mais uma vez, caía em si a respeito dos indígenas, e seus legisladores lembraram-se dos princípios tão nobres enunciados por José Bonifácio de Andrada e Silva em 1823 e incorporados à Constituição. “Nunca devemos nos esquecer”, disse ele, “de que somos os usurpadores nesta terra, e que também nos consideramos cristãos.”
Um novo estado de ânimo surgiu da determinação de que nada daquilo deveria acontecer outra vez, e um Serviço de Proteção aos Índios – de altruísmo singular e extraordinário na América – foi fundado em 1910, sob a liderança do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, ele próprio um índio e, portanto, em tese, excepcionalmente qualificado para interpretar as necessidades do indígena.
A solução de Rondon consistia em integrar o índio ao modo de vida preponderante no Brasil – educá-lo, mudar seu credo religioso, romper com seu hábito de nomadismo, mudar a cor de sua pele por meio do casamento inter-racial, afastá-lo das florestas e atraí-lo para as cidades, a fim de transformá-lo em um assalariado e um eleitor. Rondon passou os últimos anos de sua vida tentando fazer isso, mas pouco antes de sua morte ocorreu-lhe uma grande mudança. Ele deixou de acreditar que a integração fosse desejável. Tudo tinha sido um erro trágico, ele disse.
A conclusão de todos aqueles que viveram com o indígena e o estudaram além do âmbito da civilização é a de que ele é o perfeito produto humano de seu ambiente – donde se segue, portanto, que não pode ser removido sem resultados calamitosos. Abrigado na floresta em que seus ancestrais viveram por milhares de anos, o indígena é parte dela, como a anta e a onça: autossuficiente, artífice de todas as suas necessidades, em concórdia com seu entorno e profundamente consciente de seu lugar na vida do universo visível e invisível.
Admite-se agora que o funcionário médio do Serviço de Proteção aos Índios recrutado para lidar com esse ser humano complexo e respeitável era por demais venal, ignorante e insensato, e que naturalmente chamaria em seu auxílio os missionários que havia no Brasil aos milhares, respaldados por recursos de que ele próprio não dispunha. Mas o missionário histórico não impressionava em termos de realizações, e mesmo aqueles incomparáveis colonizadores da fé, os jesuítas, tinham pouco a mostrar além do fracasso.
Nos primeiros tempos, eles vestiram seus desafortunados convertidos com longas túnicas brancas, segregaram os sexos e os puseram para realizar “trabalhos piedosos”, mitigados pela entoação de salmos em latim, exercícios de desenvolvimento mental em mnemônica e discussões especulativas sobre tópicos tais como o número de anjos capazes de empoleirar-se na cabeça de um alfinete. Isso era oferecido como amostra e antegozo das delícias do paraíso cristão, inclusive sem que houvesse a chance de casar e dar alguém em casamento, e muitos dos convertidos morreram de melancolia. Depois de algum tempo, a desmoralização se espalhou entre os próprios padres, e alguns deles saíram dos trilhos e chegaram ao ponto de se envolver no tráfico de escravos. Quando esses assentamentos religiosos foram finalmente invadidos pelos sanguinários bandeirantes de São Paulo, a morte não significava muito mais que uma feliz libertação para o rebanho indígena abatido e desnorteado.
Ao ser instituído o Serviço de Proteção aos Índios, os missionários das várias ordens católicas estavam sendo rapidamente sobrepujados em número pelos não conformistas,[7] vindos principalmente dos Estados Unidos. Estes eram um tipo muito diferente de ser humano, armados não apenas do fogo do inferno e da danação, mas de atualizadas técnicas de vendas para tratar dos problemas da conversão. Em 1968, o Jornal do Brasil chegou a afirmar: “Na realidade, quem está no comando desses postos de proteção aos indígenas são missionários norte-americanos – presentes em todos os postos –, que desfiguram a cultura indígena original e impingem a aceitação do protestantismo.”
Os católicos, malgrado todos os seus erros desastrosos, levavam, em geral, uma vida simples, muitas vezes austera, mas os não conformistas pareciam se ver como representantes de um tipo de fé mais exuberante e materialista. Faziam questão de se instalar, aonde quer que fossem, em casas de pedra, grandes e bem construídas, inevitavelmente equipadas com um gerador elétrico e todos os dispositivos modernos que poupassem trabalho braçal. Alguns deles tinham até mesmo seus próprios aviões. Se havia estradas, dispunham de um ou dois automóveis, e quando viajavam pelo rio preferiam uma lancha com um motor de popa à canoa nativa habitualmente usada pelos padres católicos.
Tão logo os indígenas eram atraídos para as imediações, um comércio missionário poderia ser aberto, e o primeiro pequeno passo rumo ao objetivo final da conversão seria dado por meio da explicação do valor e dos usos do dinheiro, e de como, munido dele, o indígena poderia obter todos aqueles bens que, esperava-se, viriam a se tornar necessários para ele. Os missionários são absolutamente sinceros e até autocongratulatórios com relação a seus métodos. Para cativar e reter o índio, é preciso criar desejos e depois expandi-los continuamente – desejos que em áreas tão remotas somente o missionário poderia suprir. Uma cobiça por ninharias desimportantes e não essenciais deve ser incutida e fomentada.
O verbo em português empregado para descrever esse processo é “conquistar”, e é aplicado sem distinção para designar seja a sujeição pela força, seja a sujeição pela astúcia. O que normalmente acontece é que os presentes – alimentos, em geral – são deixados onde os indígenas incivilizados possam encontrá-los. Isso exige um bocado de paciência. Pode levar anos até que os membros da tribo sejam conquistados por esses repetidos prólogos, mas, quando isso acontece, o fim é iminente. Tudo o que resta é incentivar os índios a deslocar sua aldeia para a área da missão e deixar que as coisas sigam seu curso natural.
Quase sempre, o proprietário de terras local espera que os índios façam esse movimento – talvez tenha sido alertado pelo próprio missionário –, e, assim que acontece, está pronto para ocupar a terra da tribo. Os índios estão agora enredados em uma armadilha. Não podem voltar atrás, mas no momento isso parece desimportante, porque o missionário continua a alimentá-los por mais algum tempo, embora a questão da conversão agora venha à baila. Isso geralmente apresenta uma ligeira dificuldade, e a natural polidez indígena – e, nesse caso, a gratidão – leva a efeito o resto. Se o indígena entende do que se trata, é outra questão. A ele se pedirá que passe por algo que talvez considere, com grande simpatia, uma cerimônia de invocação da chuva, uma vez que há aspersão de água e fórmulas repetidas em uma língua desconhecida. Além disso, talvez seja o caso de deixar as coisas como estão. Qualquer missionário dirá que um índio não tem capacidade para pensamentos abstratos. Como pode ele compreender o mistério e a universalidade de Deus quando o mais próximo de uma divindade que suas próprias tradições têm a oferecer talvez seja um ancestral tribal comum visto como um jaguar ou um jacaré?
De agora em diante, as ordens e as proibições jorrarão aos borbotões. A inocência da nudez é a primeira a ser destruída, e o índio, que nunca vestiu nada além de uma bainha de pênis lindamente adornada para sufocar ereções inesperadas, deve agora vestir-se com o estoque de refugos da missão, em detrimento imediato a sua saúde. Ele fica sujeito a doenças de pele e, como na prática as roupas nunca mais são retiradas e se permite que elas sequem no próprio corpo depois de uma tempestade, a pneumonia é um resultado frequente.
O homem que até então viveu praticando as habilidades de caçador e horticultor – os índios são dedicados e incomparáveis jardineiros – agora se vê, vassoura ou pá na mão, como alguém que faz biscates e presta serviços ocasionais na missão e em suas dependências. Dentro de suas roupas deploráveis e imundas, ele encolhe a olhos vistos, seu rosto fica enrugado e emurchecido, seu corpo está mais assolado por doenças, sua mente mais apática. Há um terrível testemunho desse processo no manual do Ministério da Agricultura brasileiro sobre os indígenas: a fotografia de um deles todo sorridente e simpático no primeiro dia de sua chegada da selva e em seguida uma imagem do mesmo homem dez anos depois, quando ele parece ter enlouquecido de tristeza. “Sua expressão torna o comentário desnecessário”, lê-se na legenda. “Noventa por cento do seu povo morreu de gripe e sarampo. Mal imaginava ele o destino que os esperava quando procuraram ter seu primeiro contato com os brancos.”
Há nessas histórias de aliciamento que levam à extinção algo do cruel conto de fadas sobre as crianças presas pela bruxa em uma casa feita de doces. Mas a lenta decadência, a morte em vida que é o confinamento nas missões, não era o pior que poderia acontecer. Muito mais terrível podia ser a decisão do fazendeiro – como tantas vezes acontecia – de recrutar o trabalho dos índios cujas terras ele havia invadido e que eram abandonados para morrer de fome.
Um trecho do relatório da comissão sobre atrocidades: “Em seu depoimento, o sr. Jordão Aires disse que oito anos antes os (seiscentos) índios ticunas tinham sido trazidos pelo frade Jeremias para sua propriedade. O missionário conseguiu convencê-los de que o fim do mundo estava prestes a acontecer e Belém era o único lugar em que eles estariam seguros […]. O sr. Aires confirmou que, quando os índios desobedeciam às ordens, sua polícia privada os acorrentava. A delegada Costa Vale, da Polícia Federal, afirmou que alguns dos índios acorrentados eram leprosos e tinham perdido os dedos.”
Oficialmente é o Serviço de Proteção aos Índios e 134 de seus agentes que estão sendo julgados, mas de todos esses relatos surgem logo os traços característicos de uma personalidade mais sinistra, o fazendeiro – o grande latifundiário –, e à sua sombra o agente do SPI se reduz a uma figura subserviente, invariavelmente corrompida por subornos.
Para os padrões europeus, o fazendeiro dispõe de um imenso poder anacrônico, dono que é, na maioria das vezes, de um feudo tropical do tamanho de um condado inglês, protegido da interferência da autoridade central pelas vastas distâncias, pelas tradições de submissão e pelo absoluto silêncio de seus vassalos. Todas as terras que possui – boa parte das quais pode nem ter sido explorada – foram tomadas dos índios por ele ou seus ancestrais, ou foram compradas de outros que as obtiveram dessa maneira. Na maioria dos casos, sua grande casa-fortaleza, a fazenda, foi construída pelo trabalho árduo dos escravos indígenas, que quando necessário eram aprisionados em masmorras. No passado, um fazendeiro só conseguiria sobreviver se dominasse um ambiente feroz e, embora hoje em dia provavelmente tenha educação universitária, talvez ainda durma com uma espingarda carregada ao lado da cama. Fazendas isoladas ainda são ocasionalmente atacadas por índios selvagens (isto é, índios com algum agravo contra os brancos), por garimpeiros que se tornaram bandidos, por bandidos francamente profissionais ou por seus próprios escravos amotinados. O fazendeiro se defende com guarda-costas arregimentados entre seus empregados mais violentos – muitos deles nos rincões, foragidos da Justiça.
É raro encontrar, pelos padrões cristãos comuns, o fazendeiro que seja um homem bom, tão fácil é ele degenerar em um Gilles de Rais[8] ou em um Ivan, o Terrível das florestas amazônicas, assassino e imprevisível. Pode ser o Que Viva México!, de Eisenstein, com cavalos galopando por cima de homens enterrados até o pescoço – ou pior. Algumas das histórias contadas sobre as casas-grandes do Brasil do século passado em seus dias de respeitável escravidão e licenciosidade romana desafiam a imaginação: um escravo acusado de algum crime de ínfima gravidade é castrado e queimado vivo; por ordem de uma senhora enciumada, os dentes de uma bela jovem são arrancados e seus seios amputados, apenas por garantia; outra moça, que descobrem estar grávida, é jogada viva dentro do forno.
Um trecho do relatório do presidente da Comissão de Inquérito do ano passado [1968] sobre atrocidades contra os índios corrige o ponto de vista complacente de que vivemos em dias mais amenos: “Na 7ª Inspetoria paranaense, os índios foram torturados, esmagando-se os ossos de seus pés no ângulo de duas estacas de madeira, empurradas para o chão. As esposas se revezaram com seus maridos na aplicação dessa tortura.”
Também se alega, nessa investigação, que houve casos em que o corpo nu de um indígena foi lambuzado com mel antes de ser exposto, até a morte, às mordidas de formigas.
Por que toda essa crueldade sem sentido? O que é que faz com que homens e mulheres, provavelmente de extrema respeitabilidade em sua vida cotidiana, torturem pelo mero prazer da tortura? Montaigne acreditava que a crueldade é a vingança do homem fraco por sua fraqueza; uma espécie de paródia doentia da bravura. “A matança após uma vitória é geralmente perpetrada pela ralé e pela criadagem que carrega a bagagem.”
É o início da estação chuvosa, e de uma altitude de 600 metros a floresta esfumaça aqui e ali como se estivesse sob um bombardeio esporádico, enquanto o sol suga o vapor de um aguaceiro.
Supostamente Mato Grosso visto de cima deveria propiciar um monótono cenário verde, mas nem sempre é assim. Neste momento, por exemplo, vê-se um pântano preto como carvão cingido por areias cor de marfim. A área é obscurecida por plumas cambiantes de nuvens, que se abrem novamente para mostrar um desfiladeiro, uma Garganta de Cheddar[9] de vermelhos lúgubres. A floresta retorna, salpicada de lagos que parecem conter não água, mas soluções químicas reluzentes: sulfato de cobre, violeta de genciana. O táxi-aéreo aterrissa, sacolejante, ao longo de um minguado trecho de terra batida, e os urubus passam feito trapos negros.
Todas essas cidadezinhas nessa terra onde falta tudo são idênticas. Um impronunciável nome guarani para uma rua de casebres de ripas, afunilando-se nas duas extremidades em choupanas colmadas de sapé ou folhas de palmeiras; um armazém, um hotel estilo Laramie,[10] com homens dormindo na varanda; um cavalo-espantalho, os ossos prestes a irromper pele afora, amarrado em 1 metro quadrado de sombra; porcos peludos; poeira aromática que a brisa quente levanta.
A vida passa em câmera lenta e em pequena escala. A loja vende cigarros – se for preciso, divididos meticulosamente com uma lâmina de barbear –, conchadas de farinha de mandioca, pequenas pilhas de vísceras para sopa, comprimidos de purgante de 1,2 centímetro de diâmetro e coldres lindamente trabalhados. Os fregueses entram não para comprar, mas para estar lá, perambulando pelas fieiras de peixes secos empoeirados, pendurados no teto. São índios, mas tão desracializados pelo tédio e com roupas de algodão tão molambentas que poderiam ser esquimós ou vietnamitas. Eles têm a expressão de homens que fitam com olhos estreitos e escrutinadores o interior de bolas de cristal, e falam em voz infantil de grande doçura. Como ocorre com os índios de toda parte, a menor ingestão de álcool produz uma mudança instantânea e mortífera.
A única distração que a cidade oferece é um cartomante, que trabalha basicamente em sistema de escambo. Ele prediz o futuro de um modo negativo, mas realista, preocupado não tanto com a boa sorte, mas com a evitação do azar. Os cantos dos olhos de todas as crianças estão repletos de moscas entorpecidas e que mal se movem. A fazenda, a alguns quilômetros de distância, absorveu tudo, é dona da cidade inteira, até mesmo da rua principal.
Esse é um lugar onde se supõe que a crueldade tenha acontecido, mas a superfície das coisas foi remendada e renovada, e o aroma da atrocidade se dispersou. Tudo pode ser explicado agora em termos de extremo exagero, ou das más intenções dos inimigos políticos, e todas as testemunhas da defesa foram arroladas. Por fim, as violências cotidianas de um país violento são citadas para nos fazer lembrar de que isso aqui não é a Europa.
O senhor Fulano mora com a família em três cômodos de uma das poucas edificações de alvenaria. Sua postura é ambígua. Ex-agente do Serviço de Proteção aos Índios, ele foi inocentado de práticas financeiras ilícitas e espera para breve um emprego na nova fundação. Tem um rosto abissínio com olhos melancólicos, levemente desdenhosos, uma testa alta e nilótica e um delicado nariz semita. Orgulha-se do fato de seu pai ser meio negro, meio judeu, um negociante que capturou em casamento uma moça robusta de uma das tribos indígenas.
“Nem todos os fazendeiros são ruins”, diz Fulano. “Longe disso. Pelo contrário, a maioria é de homens bons. As pessoas sentem inveja do sucesso deles e estão de olho em uma maneira de prejudicá-los.”
“No caso que você mencionou”, ele continua, “o homem era um ladrão e um encrenqueiro. Como punição, foi trancado em um galpão, mais nada. Estava bêbado, entende?, e ele mesmo ateou fogo ao galpão. Morreu no incêndio, sim, mas o médico atestou morte acidental. Não houve necessidade nenhuma de um inquérito policial. Em trinta anos de SPI, vi um único caso de violência – se você quiser chamar isto de violência. Os índios estavam bêbados de cachaça mais uma vez, e atacaram o posto. Eles tiveram uma chance de parar, quando os homens atiraram por cima da cabeça deles, mas isso não os conteve. Estavam loucos de bebida. O que poderíamos fazer? Não tenho sangue nas minhas mãos.” Ele levanta as mãos, como que em confirmação. São pequenas e bem cuidadas, com palmas pálidas e rosadas. Quase fora do campo de visão, sua esposa ocupa-se com alguma tarefa barulhenta na copa da minúscula casa. Há um retrato do presidente na parede, outro de sua filhinha vestida para a primeira comunhão, e nada comprova, no mobiliário barato e feio, que o senhor Fulano tenha conseguido enfeitar o seu ninho com sucesso.
Ele conta que ingressou no SPI por vocação. “Éramos todos jovens e idealistas. O salário era menor do que o que se pagava a um carteiro, mas ninguém pensava nisso. Dedicaríamos nossa vida para trabalhar em prol dos nossos semelhantes menos afortunados. Se alguém por acaso morasse no Rio de Janeiro, assim que saía sua nomeação para o posto era recebido pelo ministro em pessoa, que o cumprimentava e desejava boa sorte. Eu era um rapaz do interior, mas meus amigos contrataram uma banda para a minha despedida na estação. Todo mundo insistiu em me dar um presente. Eu tinha tantos lenços de renda que poderia abrir uma loja. Trazia muito prestígio trabalhar no SPI naqueles dias.”
No declive de ambas as maçãs do rosto dele, sob os tristes olhos amáricos, há três marcas esbranquiçadas e reluzentes, cavidades deixadas pela varíola, e é difícil não prestar atenção nelas. Ele sacode a cabeça. “Ninguém acreditaria nas condições em que nós vivíamos. Eles costumavam mostrar fotos do lugar onde os funcionários iriam trabalhar: uma casa com varanda, a escola e o posto de saúde. Quando cheguei para ocupar meu cargo, chorei feito criança ao ver o lugar. A viagem demorou um mês e o homem com quem eu deveria estar trabalhando morreu de varíola. Lembro que a primeira coisa que vi foi um índio morto na beira do rio onde amarraram o barco. Cheguei no meio de uma epidemia de sarampo. Metade do telhado da casa tinha desmoronado. No lugar nunca teve escola, nem aspirina. Quando o sol se punha, era tanto mosquito que eles cobriam o nosso corpo feito uma segunda pele.”
Ele encontra um álbum de recortes de jornal em que são registradas as escassas ocasiões importantes de sua vida. Em uma fotografia, está de terno escuro e colarinho engomado, recebendo um diploma e os cumprimentos de um político pelo seu trabalho como civilizador. Em outra, posa ao lado da Miss Pernambuco 1952, e em mais uma foto aparece paternal em uma cerimônia na qual uma tribo recém-pacificada está prestes a vestir roupas pela primeira vez. Há imagens de “antes” e “depois” das mulheres tribais, primeiro nuas e em seguida usando jardineiras e saias, não apenas mudadas, mas irreconhecíveis de um minuto para o outro, como se algum feitiço maligno tivesse sido lançado sobre elas enquanto se contorciam nas roupas mal-ajambradas e informes. Os poucos recortes pelos quais o visitante passa os olhos por polidez falam do senhor Fulano como um modelo de abnegação e altruísmo, e as palavras “serviço” e “devoção” reaparecem constantemente. “Meu salário era de 100 cruzeiros novos (12 libras) por mês”, diz ele, “e às vezes o pagamento demorava até seis meses para chegar. Só no primeiro ano, tive sarampo, icterícia e malária três vezes. Se não fosse pelo fazendeiro eu teria morrido. Ele cuidou de mim como um pai. Era um homem dos mais elevados princípios morais possíveis, e fez muita caridade, como doar 100 mil cruzeiros para uma igreja em Salvador. Agora eu vejo que o filho dele foi formalmente acusado de invadir terras indígenas. Tudo o que posso dizer é o seguinte: o que os índios fariam sem ele, eu não sei.”
Fulano é um sujeito leal, nada mais nada menos. “Os fazendeiros não são diferentes de ninguém”, diz ele. “Hoje em dia tentam insinuar que eles são monstros. Você não deve acreditar em tudo o que lê.”
Seguramente, não seria possível encontrar vivalma nesta cidade capaz de contradizê-lo.
Ao longo de meio século, o grande aniquilador do índio foi a borracha, e, de repente, passou a ser a especulação com terras. Espalharam-se rumores de vastíssimos recursos minerais à espera de exploração em 2,6 milhões de quilômetros quadrados até recentemente inacessíveis – e teve início a grande corrida especulativa. Nenhum recanto, nenhum cafundó, por mais remoto, por mais impreciso que fosse seu mapeamento, estava a salvo dos agrimensores enviados pelos fazendeiros, por políticos e por empresas imobiliárias e incorporadoras para mensurar o tamanho de suas demandas. Em São Paulo, a sede do boom da especulação do comércio com terras, o grileiro – especialista em negócios suspeitos e obscuros envolvendo a ocupação e a apropriação de terras – fez parcerias secretas com seu amigo no governo que estava em posição de garantir que os negócios seriam aprovados e levados adiante. Uma grande porção dessa terra aparentemente vazia estava vazia apenas na medida em que não continha nenhum assentamento de brancos e que os cartógrafos ainda não haviam colocado os rios e as montanhas nos mapas. Talvez houvesse índios lá – ninguém estaria certo disso até que as terras tivessem sido exploradas –, mas essa possibilidade apresentava apenas uma pequena inconveniência. Em teoria, a Constituição brasileira garante aos índios a posse inviolável de todas as terras por eles ocupadas, mas uma vez provado que a terra indígena foi abandonada, ela será revertida para o governo, após o que poderá ser vendida da maneira habitual. A tarefa do grileiro é descobrir áreas sem ocupantes ou forjar provas de que determinada extensão de terras não está mais ocupada – um problema que, se enfrentado com honestidade, torna-se mais complicado pelo fato de que a maioria dos indígenas é seminômade, cultivando lavouras em uma área durante o período de chuvas de verão, em seguida deslocando-se para outras plagas a fim de caçar e pescar durante o inverno seco.
Um atalho para a resolução do problema é a expulsão dos índios. Outros grileiros simplesmente ignoram a existência dos indígenas, oferecendo terras para compradores ingênuos, que as adquirem a partir de mapas, e esperando poder resolver as pendências legais por meio de manipulações políticas em algum momento posterior.
O grileiro, com suas fraudulentas manobras nos bastidores, foi mantido sob algum controle enquanto o presidente João Goulart estava no poder, e por fim ficou claro para os especuladores de terras em grande escala que eles não chegariam a lugar algum até que tivessem um outro presidente. Embora fosse ele próprio um abastado proprietário de terras, Goulart sustentava que o Brasil jamais ocuparia no hemisfério ocidental o lugar a que tinha direito por suas dimensões continentais e seus imensos recursos naturais enquanto seguisse claudicando em seus modos feudais, com um índice de analfabetismo de 86% e a terra concentrada nas mãos de uma minoria infinitesimalmente pequena, boa parte da qual não empreendia nenhum esforço para desenvolver o país de qualquer forma. O remédio que Goulart propôs foi redistribuir 3% das terras de propriedade privada, mas também – o que era muito mais sério – ressuscitar uma antiga lei que permitia ao governo nacionalizar até 10 quilômetros das faixas de terras ao lado das vias de transporte nacionais – estradas, ferrovias e canais.
Isso teria sido um golpe de morte para os especuladores, cuja expectativa era revender suas terras por valores muitas vezes mais altos do que o preço que pagaram, tão logo elas se tornassem acessíveis graças à construção de estradas. Uma dessas empresas havia anunciado na imprensa britânica 40 mil hectares de terras à venda, oferecidos em lotes mínimos de 40 hectares, a 5 libras o hectare. Uma fatia inicial de terras já havia sido vendida, anunciou a empresa, “principalmente para firmas e fundos de investimento, seguradoras e vários sindicatos”. Um voo fretado seria disponibilizado para compradores de Manchester, Birmingham, Glasgow, Edimburgo, Liverpool e representantes de agricultores do Quênia que já haviam comprado 20 mil hectares. “Há pouca esperança”, dizia o material promocional, “de que a compra da terra dê algum retorno em poucos anos.”
Contudo, em 1964 as perspectivas especulativas se intensificaram enormemente quando um golpe de Estado foi deflagrado para depor o problemático Goulart, e a corrida pela terra pôde prosseguir. Um vigoroso ataque promocional foi lançado no mercado dos Estados Unidos, com a distribuição de folhetos de acabamento luxuoso e palavras astuciosas, que ofereciam encantos e lucros no poético estilo dos anúncios norte-americanos de carros. Propriedades foram colocadas à venda fazendo-se referências à “aventura amazônica”, com alusões a macacos e araras e ao brilho oculto de pedras preciosas nas margens de imensos rios navegados pelos navios de Orellana. A campanha obteve algum sucesso. Vários astros e estrelas do cinema apostaram em Mato Grosso. Em abril de 1968, de fato, um deputado, Haroldo Veloso, revelou que a maior parte da área da foz do Amazonas havia passado para as mãos de estrangeiros. Ele mencionou que o príncipe Rainier de Mônaco havia comprado em Mato Grosso extensões de terra equivalentes a doze vezes o tamanho do principado e que alguém, provavelmente fincando a ponta do lápis em um mapa, havia adquirido a montanha mais alta do Brasil, o pico da Neblina – pagou uma ninharia, mas para chegar lá qualquer expedição devidamente equipada levaria semanas.
Foi o dia do Juízo Final para as tribos que tinham sido pacificadas e assentadas em áreas onde era possível lidar de maneira conveniente com elas. Nas planícies das fronteiras com o Paraguai, foi o fim da linha para os kadiwéus. Em 1865, na guerra contra o Paraguai, eles pegaram suas lanças e, no lombo de cavalos desselados, cavalgaram nus em pelo, mas impecavelmente pintados – uma fantástica Carga da Brigada Ligeira,[11] à frente do Exército brasileiro –, para uma vitória esmagadora contra a cavalaria do psicopata ditador paraguaio Solano López. Por causa da ajuda na guerra, o imperador Pedro ii recebeu o cacique kadiwéu, paramentado com uma tanga decorada com pedras preciosas, e concedeu à sua nação a posse perpétua de 81 milhões de hectares na região fronteiriça. Ali, esses espartanos do Ocidente – poetas e artistas que praticavam o infanticídio, adotando as crianças de outras tribos quando elas tinham idade suficiente para montar cavalos – foram reduzidos a duzentos sobreviventes, trabalhando como vaqueiros para os fazendeiros que haviam tomado todas as suas terras.
Foi também o dia do Juízo Final para os bororos de Lévi-Strauss. O formidável antropólogo viveu vários anos entre eles na década de 30, e os bororos o levaram às conclusões da “antropologia estrutural”, incluindo a proposição de que “um povo primitivo não é um povo atrasado ou retardado; pode demonstrar um espírito de invenção e realização que deixa muito aquém os êxitos dos civilizados”. Acerca desses indígenas ele havia dito que “poucos povos são tão profundamente religiosos […], poucos têm um sistema metafísico de tamanha complexidade. Suas crenças espirituais e atividades cotidianas são inextricavelmente entremescladas”. Fazia alguns anos que os bororos viviam longe das complicadas aldeias onde Lévi-Strauss os estudou, na reserva de Tereza Cristina, no sul de Mato Grosso, terra a eles cedida em regime de “posse perpétua”, como sempre, em homenagem à memória do grande marechal Rondon, ele próprio de ascendência bororo.
A vida na reserva estava longe de ser feliz para os bororos. Eles viviam da caça, da pesca e, à sua maneira, eram excelentes agricultores, mas a reserva era pequena, não restava nenhum animal para caçar, e os rios da região estavam exauridos de peixes em consequência da pesca ilegal e predatória realizada por empresas comerciais que operavam em grande escala; lá não havia espaço para praticar o cultivo à moda antiga, de maneira seminômade. O governo tentara transformar os indígenas em criadores de gado, mas eles nada sabiam sobre rebanhos. Muitas de suas vacas foram sub-repticiamente vendidas por agentes do Serviço de Proteção aos Índios, que embolsaram o dinheiro. Outras – uma vez que os bororos não faziam ideia de que precisavam construir currais – perambulavam para fora da reserva e eram surrupiadas pelos fazendeiros das propriedades dos arredores. Antes que acabassem morrendo de doenças ou fome, os índios comeram as poucas vacas que restaram, e depois disso foram reduzidos à dieta normal dos tempos difíceis – lagartos, gafanhotos e cobras – além das esporádicas esmolas de comida de uma das missões.
Eles também sofreram com o grande vazio e a falta de propósitos dos índios cuja cultura tradicional foi destruída. Os missionários, dos quais eles eram desgraçadamente dependentes, proibiram a dança, a cantoria e o fumo, e embora os indígenas aceitassem com inato estoicismo esse ataque ao princípio do prazer, havia uma quarta proibição contra a qual continuamente se rebelavam, mas em vão.
Os índios são obcecados por sua relação com os mortos e pela condição das almas no além-túmulo – preocupação refletida, à maneira dos antigos egípcios, pelos mais elaborados ritos funerários: orgias de luto e embriaguez, que às vezes se prolongavam por dias a fio. Os bororos, aparentemente incapazes de se separar de seus mortos, os enterram duas vezes, e o costume está na base emocional de sua vida. No primeiro sepultamento – como que na esperança de algum renascimento milagroso –, o corpo é colocado em um túmulo temporário, no centro da aldeia, e coberto de galhos. Quando o processo de decomposição e desfiguração está avançado, a carne é removida dos ossos, que são limpos, pintados e amorosamente adornados com penas, após o que ocorre o enterro final nas profundezas da floresta.
A proibição desse costume por um missionário norte-americano reduziu os bororo ao desespero. Mas o missionário conseguiu persuadir a polícia local a fazer cumprir sua determinação de banir os ritos fúnebres, e o grupo de famintos membros da tribo que se arrastaram a pé por 320 quilômetros até a capital do estado e se apresentaram, aos prantos, ao comissário de polícia, foi ignorado.
A derradeira catástrofe veio na esteira da devolução, pelo governo federal, de alguns de seus poderes – particularmente os relativos à posse e venda de terras – à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Esta imediatamente invocou uma lei pela qual as terras que, após certo limite de tempo, não haviam sido legalmente medidas e demarcadas voltavam a ser de propriedade do governo. Era um dispositivo legal que sobrecarregava os índios, muitos dos quais nem sequer percebiam que estavam vivendo no Brasil e com a responsabilidade de contratar advogados para cuidar de seus interesses. A manobra já tinha sido empregada uma vez antes, e com refinamentos adicionais de velhacaria, numa tentativa de roubar os últimos quinhões de terra dos desafortunados kadiwéus. Na ocasião, parece que existiam apenas dois exemplares disponíveis da publicação oficial que registrava a promulgação da lei, um dos quais havia sido depositado nos arquivos do estado, e o outro, levado no mesmo dia à reserva pelas pessoas que propunham o compartilhamento das terras entre eles.
A mesma pressa ficou patente na ocupação da reserva de Tereza Cristina. Foi uma operação desordenada e confusa, aos trancos e barrancos, e no fim ficou claro que a quantidade de terras vendidas no papel era consideravelmente maior do que a área efetiva da reserva. Isso foi antes da desmoralização final e do colapso do Serviço de Proteção aos Índios, e as autoridades locais não apenas questionaram a legalidade da venda, mas solicitaram, em vão, que tropas estaduais fossem enviadas para rechaçar uma invasão de fazendeiros encabeçada por seus exércitos particulares munidos de submetralhadoras.
O estado de coisas em Tereza Cristina apenas cinco anos depois, em 1968, é retratado no testemunho de uma menina bororo:
“Havia duas fazendas, uma delas chamada Tereza, onde os índios trabalhavam como escravos. Eles me tiraram da minha mãe quando eu era criança. Depois ouvi dizer que enforcaram minha mãe durante a noite […]. Ela estava muito doente e eu queria vê-la antes de ela morrer […]. Quando voltei, eles me deram uma surra com um chicote de couro cru […]. Eles prostituíam as índias […]. Um dia o agente do SPI ligou para um velho carpinteiro e mandou construir um forno para a casa da fazenda. Quando o carpinteiro terminou, o agente perguntou o que ele queria como pagamento pelo trabalho. O carpinteiro disse que queria uma menina índia, e o agente o levou até a escola e pediu que ele escolhesse uma. Ninguém nunca mais a viu ou ouviu falar dela […]. Nem mesmo as crianças escapavam. A partir dos 2 anos de idade, elas eram postas para trabalhar debaixo de chicote […]. Havia um moinho para esmagar a cana, e para poupar os cavalos eles usavam quatro crianças para girar a mó. Eles obrigaram o índio Otaviano a bater na própria mãe […]. Os índios eram usados para prática de tiro ao alvo.”
Assim os índios foram desarmados, traídos e empurrados no caminho da extinção. No entanto, no coração das florestas de Mato Grosso e da Amazônia, havia tribos que ainda resistiam. Classificados pelo manual do governo como “isolados”, os índios dessas tribos são descritos como aqueles dotados do maior vigor físico. Ninguém sabe quantas dessas tribos existem. Pode haver trezentos ou mais, com uma população total de 50 mil, incluindo nações minúsculas, autônomas, autossuficientes e aparentemente indestrutíveis, que têm cada uma sua própria língua, organização e costumes completamente separados. Alguns desses indígenas são gigantes com braços e pernas hercúleos, armados com imensos arcos longos do tipo que um arqueiro poderia ter usado na Batalha de Crécy.[12] Alguns grupos são etnicamente misteriosos, com olhos azuis e cabelos alourados, instigando entre os viajantes da Amazônia desvairadas teorias sobre a existência de uma tribo que supostamente teria emigrado há cerca de 2 mil anos da ilha japonesa de Hokkaido para essas florestas. Um fator comum une todas essas tribos: uma brilhante aptidão para a sobrevivência – até agora. Por quatrocentos anos, eles evitaram os traficantes de escravos e sobreviveram às epidemias. Armaram-se com constante vigilância. Prepararam-se para adotar um novo nomadismo tático. Fizeram da desconfiança a maior de suas virtudes. Acima de tudo, seus caciques tiveram a inteligência e a força para rejeitar as mortíferas ofertas deixadas nas imediações de suas aldeias, por meio das quais os brancos buscam primeiro comprar sua amizade e depois tirar sua liberdade.
Os cintas-largas eram uma dessas tribos que viviam em um magnífico isolamento, embora precário, na cabeceira do rio Aripuanã. Havia cerca de quinhentos deles, ocupando várias aldeias.
Eles usavam machados de pedra, embebiam a ponta de suas flechas em curare, pegavam pequenos peixes envenenando a água, tocavam flautas de 2 metros de comprimento feitas de gigantescos bambus e celebravam duas grandes festas anuais: uma de iniciação de meninas na puberdade e outra em memória dos mortos. Em ambos os festejos, dizia-se que usavam uma mistura de ervas desconhecidas para produzir embriaguez durante o ritual. Eles estavam em uma região que ainda dependia da borracha para obter suas escassas receitas, e isso expunha os indígenas a rotineiros ataques de seringueiros, contra os quais eles haviam aprendido a se defender. Sua tragédia foi que depósitos de metais raros estavam sendo encontrados na área. Quais eram esses metais, não estava claro. Algum tipo de bloqueio de segurança havia sido imposto, rompido apenas de modo intermitente por vagas notícias das atividades de empresas norte-americanas e europeias, e do contrabando dos referidos metais raros em aviões de carga para os Estados Unidos.
David St. Clair, em seu livro The Mighty, Mighty Amazon [Poderosa, Poderosa Amazônia, 1968] menciona a existência de empresas que se especializaram em lidar com tribos quando a presença dos indígenas passava a ser considerada um incômodo, atacando suas aldeias com cães famintos e matando todos que tentavam escapar. O êxito dessas expedições dependia da ajuda de um rio navegável que propiciaria o fácil acesso do bando agressor instalado bem perto do povoado ou das aldeias a serem destruídas. Foi dessa maneira que os beiços de pau haviam sido alcançados, e a aproximação com eles se deu por meio da doação de alimentos misturados com venenos, mas os 5 centímetros que no mapa de pequena escala do Brasil separavam essas duas tribos vizinhas continham cordilheiras inexploradas, e o único rio corria na direção errada. Os cintas-largas, então, permaneceram, por ora, fora de alcance. Em 1962, um padre missionário, João Dornstauder, chegou até eles e fez uma tentativa de pacificá-los, mas concluiu que era impossível e não valia a pena, então desistiu.
Os planos para livrar-se dos cintas-largas foram definidos em Aripuanã. Essa pequena versão tropical de Dodge City[13] em 1860 tem o rosto e o físico de todos os infernais antros latino-americanos, povoados por homens desesperados que lá permanecem apenas porque, por um motivo ou outro, não podem ir embora. Uma fieira de choupanas de madeira sobre palafitas se estende rio abaixo, sob a forte luz do sol. Crianças de barriga inchada acocoram-se para tirar piolhos umas das outras; cachorros comem excremento; urubus mancam e se equilibram na borda de uma vala abarrotada de esgoto escuro; o condutor de um carro de boi incita os animais – carcaças de couro e ossos –, espetando um graveto sob sua cauda. Todo o mundo carrega uma arma. A cachaça oferece o esquecimento a 1 centavo a dose, mas o tédio apodrece a mente. Existem duas classes: os que impõem sofrimento e os que são totalmente servis. Neste caso, nove décimos da população trabalhadora são de seringueiros, a maioria foragidos da Justiça.
É barato e às vezes eficaz – além de ser procedimento bastante normal, onde as aldeias estão fora do alcance – subornar outros índios para atacá-las; e isso foi tentado em um primeiro momento com os cintas-largas. Os kaiabis ou caiabis, vizinhos dos cintas-largas e dos beiços de pau, haviam sido dispersados quando o governo de Mato Grosso vendeu as terras da tribo para vários empreendimentos comerciais – parte dos indígenas migrou para uma serra distante, enquanto um pequeno grupo permaneceu nessa área de Aripuanã, onde vivia em estado de indigência. Esse grupo pegou a comida e as armas que lhe foram oferecidas como pagamento inicial, depois levantou acampamento e, na surdina, fugiu na direção oposta, para nunca mais ser visto.
Mais tarde, um garimpo – um grupo organizado de exploradores de diamantes – apareceu na vizinhança. Os garimpeiros estavam todos em péssimo estado por causa de distúrbios ocasionados pela desnutrição. Tinham atacado uma aldeia indígena, foram espancados e depois emboscados, e vários deles ficaram feridos. A intenção tinha sido capturar pelo menos uma mulher, não apenas para uso sexual, mas como fonte de suprimento de urina feminina fresca, tida como um remédio certeiro para as feridas infectadas que fazem sofrer os garimpeiros em geral e são causadas pelas arraias que pululam nos rios em que eles trabalham.
Os garimpeiros são organizados sob as ordens de um capitão que lhes fornece alimentos e equipamentos, e a quem eles são obrigados a vender seus diamantes – sob pena de serem abandonados na floresta e morrerem de fome. Assim como os seringueiros – seus inimigos tradicionais –, eles são em sua maioria procurados pela polícia. A disputa entre esses dois tipos de foras da lei surge do hábito dos seringueiros de espreitar e atirar no garimpeiro solitário, na esperança de que ele possa ter consigo um ou dois diamantes. Nesse caso, emissários negociaram uma trégua, e os garimpeiros foram levados para a cidade e receberam comida; um médico da companhia fez curativos nos homens feridos. Propôs-se então uma ação conjunta contra os cintas-largas, e o capitão aceitou a sugestão e concordou em destacar seis homens para esse fim tão logo todos estivessem totalmente descansados. Na condição em que se encontravam, talvez estivessem dispostos a concordar com qualquer coisa, mas assim que os garimpeiros ganharam um pouco de peso e seus ferimentos sararam, houve um abrupto esfriamento no clima de amizade. Aripuanã não era uma cidade grande o suficiente para conter duas personalidades tão afeitas a conflitos armados como o capitão do garimpo e o capataz dos seringueiros. Durante algum tempo, os paupérrimos seringueiros toleraram a situação, enquanto os prósperos garimpeiros comportavam-se com arrogância nos bares, bancando os valentões e monopolizando as prostitutas da cidade. Por fim, inevitavelmente, a entente cordiale descambou em tiroteio.
Em 1963, uma série de expedições foi organizada sob a liderança de Francisco Amorim de Brito, encarregado-geral da empresa seringalista Arruda, Junqueira & Cia., de Juína-Mirim, perto de Aripuanã, no rio Juruena.
Brito era um monstro lendário que mantinha a ordem entre os rufiões que ele comandava graças a uma pistola automática calibre .45 e um chicote de couro de anta de 1,5 metro. Ele gostava de fazer troça dos índios, e quando um deles era capturado, levava-o para o que era conhecido como “a visita ao dentista”: o índio recebia ordens para “abrir bem a boca”, e, ato contínuo, Brito sacava uma pistola e atirava dentro. Havia entre os seringueiros uma ferrenha competição para saber quem era o maior assassino de índios, e, embora o título de campeão fosse ostentado por Brito, a opinião local era de que sua pontuação havia sido superada por um de seus subordinados, que se especializou em matar índios de forma aleatória, disparando das margens do rio como um franco-atirador.
As expedições montadas por Brito foram bem-sucedidas na eliminação dos cintas-largas de uma dada área, insignificante para os padrões brasileiros, embora equivalente a cerca de metade da área da Inglaterra ao sul do Tâmisa; mas restava uma grande aldeia considerada inacessível a pé ou de canoa, e decidiu-se atacá-la por meio de avião. Nesse ponto, fica evidente que um tipo melhor de cérebro começou a se interessar por essas operações, e quem quer que tenha planejado o ataque aéreo estava claramente empenhado em descobrir tudo o que podia sobre os costumes dos cintas-largas.
Era considerado essencial produzir o máximo de vítimas em uma investida devastadora, num momento em que o maior número possível de índios estivesse presente na aldeia. Um especialista aconselhou que a melhor ocasião para isso seria durante a festa anual do quarup. Essa grandiosa cerimônia ritualística dura um dia e uma noite, e sob um ou outro nome é realizada por quase todas as tribos indígenas cuja cultura não foi destruída. O quarup é uma representação teatral das lendas da criação entrelaçadas com as da própria tribo, tanto um mistério medieval quanto uma reunião de família de que participam não apenas os espíritos vivos, mas também os ancestrais. Estes aparecem como dançarinos mascarados, para serem consultados sobre problemas imediatos, consolar os enlutados e atestar que nem mesmo a morte é capaz de perturbar a unidade da tribo.
Um monomotor Cessna usado para serviços comerciais comuns foi alugado para o ataque, e seu piloto habitual foi substituído por um aventureiro de ascendência ítalo-nipônica. A aeronave foi carregada com bastões de dinamite – “bananas”, como são chamadas no Brasil – e decolou de uma pista de pouso na selva perto de Aripuanã. O Cessna chegou ao vilarejo por volta do meio-dia. Os índios haviam passado a noite inteira se preparando, orando e cantando, e agora estavam todos reunidos no espaço aberto no centro da vila. No primeiro sobrevoo, pacotes de açúcar foram jogados para aplacar os temores dos que haviam se espalhado e corrido para abrigos ao avistar o avião. Eles abriram os pacotes e estavam saboreando o açúcar dez minutos depois, quando a aeronave voltou e deu um rasante para desferir o ataque e dinamitar a aldeia. Ninguém jamais conseguiu descobrir quantos índios morreram, porque os corpos foram enterrados na margem do rio e a aldeia foi abandonada.
Mas mesmo essa solução não se mostrou definitiva. Do avião foram avistados sobreviventes, e houve relatos de que eles estavam construindo novos assentamentos na cabeceira do Aripuanã, e mais uma vez Brito arregimentou um contingente terrestre.
Os mateiros seriam conduzidos em canoas por um homem chamado Chico, um subalterno de Brito. A história completa do que aconteceu foi descrita por um dos participantes do grupo de ataque, o seringueiro Ataíde Pereira dos Santos, que, atormentado por sua consciência e também incomodado pelo fato de nunca ter recebido os 15 dólares que lhe prometeram por seus atos sangrentos, foi confessar tudo ao padre Edgar Schmidt, um sacerdote jesuíta, que registrou o depoimento em um gravador e entregou a fita ao Serviço de Proteção aos Índios.
“Nós fomos de lancha pelo Juruena”, diz Ataíde. “Éramos seis, homens experientes, comandados pelo Chico, que costumava enfiar a metralhadora na cara da pessoa sempre que dava uma ordem!” (Por fim, descobriu-se que Chico não era um mero sádico comum das terras baldias brasileiras. Para esse tipo de latino-americano – e eles têm sido os carrascos de tantas revoluções –, o suprassumo da empolgação está no uso maníaco do facão em suas vítimas, e foi para usar o facão que Chico partiu naquela expedição.) “Levamos muitos dias rio acima até a Serra do Norte. Depois disso, nos perdemos na floresta, apesar do Chico ter trazido uma bússola japonesa. No final, o avião nos encontrou. Era o mesmo avião que usaram para massacrar os índios, e eles nos jogaram comida e munição. Depois disso, continuamos. A nossa comida acabou de novo. Aí encontramos uma aldeia indígena que tinha sido destruída por um bando liderado por um atirador chamado Tenente, e desenterramos mandioca dos índios para comer e pegamos uns peixes pequenos. A essa altura, a gente estava de saco cheio e alguns já queriam voltar, mas o Chico disse que mataria qualquer um que tentasse desertar. Cinco dias depois, vimos uma fumaça. Mesmo assim, os cintas-largas estavam a uns dias de distância. Nós tínhamos muito medo uns dos outros. Nesse lugar, as pessoas atiram umas nas outras e tomam tiro sem nem saber por quê. Quando fazem um buraco em você, eles enfiam uma flecha na ferida, para botar a culpa nos índios.”
Essa expedição respirava o medo no ar. Ataíde relata que havia diamantes e ouro em todos os rios, e a sombra dos garimpeiros os espreitava de trás de cada pedra e árvore. A morte violenta levaria a maioria desses homens, mais cedo ou mais tarde. Por causa das febres sem fim, da desnutrição, exaustão, desesperança e bebedeira, a meia-idade tomava conta prematuramente dos seringueiros, aos 20 e poucos anos, eram raros os que viviam o suficiente para completar o trigésimo aniversário. Sua vida era ceifada por infecções que se convertiam em gangrena ou envenenamento do sangue; ou então sofriam uma morte horrenda, depois de ficarem paralíticos, ou cegos, ou loucos, devido a alguma doença tropical obscura; ou simplesmente se matavam uns aos outros em uma súbita explosão neurótica de ódio provocada por qualquer motivo, até o mais insignificante – uma aposta, ou uma briga por causa de alguma prostituta enfermiça durante um baile no povoado.
Abrindo caminho à base de picadas em recessos profundos da floresta, lá onde a luz do sol não chega nunca, ao longo de um mês ou mais de marcha a partir do pavoroso alojamento onde moravam, os homens dependiam do psicopata Chico e de sua bússola japonesa para sobreviver. Era o começo da estação das chuvas: depois de uma manhã de calor sufocante, chuvaradas torrenciais e repentinas os deixavam encharcados todas as tardes. Eles eram assolados por insetos que tinham acabado de ser chocados, como os piuns, os piores de todos e que, quase invisíveis, enterram-se na pele das pessoas para se empanturrar de sangue, e contra os quais a única defesa é esparramar uma camada de sujeira em todas as partes expostas do corpo. Alguns dos homens estavam empolados de pústulas causadas pela seiva ardente que escorria dos cipós que eles cortavam a golpes de facão.
“Fomos escolhidos a dedo para o trabalho”, diz Ataíde, numa medíocre tentativa de esprit de corps, “éramos tão silenciosos quanto qualquer índio quando se tratava de se deslocar furtivamente entre as árvores. Quando chegamos à maloca dos cintas-largas, ninguém mais conversou, e nem um cigarro foi fumado. Assim que vimos a aldeia deles, fizemos uma parada para passar a noite. Acordamos antes do amanhecer, depois nos arrastamos metro a metro pela vegetação rasteira até chegar ao alcance da linha de mira; depois disso, esperamos o sol nascer.”
“Assim que raiou o dia os índios saíram e começaram a trabalhar numas choupanas que estavam construindo. Chico me deu a tarefa de ir atrás do chefe e matá-lo. Eu notei que um dos índios estava isolado, sem fazer nenhum trabalho. Ele só ficava encostado numa pedra, fiscalizando e dando ordem pros outros, e por isso pensei que ele devia ser o homem que a gente procurava. Contei pro Chico e ele disse: ‘Cuida dele e deixa o resto comigo’, e eu o atingi no peito com o meu primeiro tiro. Eu era considerado o atirador de elite da equipe, e apesar de eu só ter uma carabina velha posso garantir que eu nunca erro. Chico disparou contra o chefe uma rajada de metralhadora, só para ter certeza, e depois disso abriram fuzilaria… Tudo o que os meus companheiros tinham que fazer era acabar com qualquer um que mostrasse sinal de vida.”
“O que eu vou relatar agora é brutal, e eu fui contra isso. Sobrou uma jovem índia em quem eles não atiraram; ela estava de pé segurando pela mão um menino de uns de 5 anos, que se esgoelava de tanto chorar e gritar. Chico foi para cima dela. Eu falei para ele não fazer isso, mas ele disse: ‘É preciso matar essas pragas.’ Eu disse: ‘Olha, você não pode fazer isso – o que os padres vão dizer quando você voltar?’ Ele não deu a mínima. Atirou com a .45 na cabeça do menino, e depois agarrou a mulher – que aliás era muito bonita. ‘Seja sensato’, insisti. ‘Por que você precisa matar a moça?’ A meu ver aquilo era, além de tudo o mais, um desperdício. ‘Por que a gente não entrega ela pros rapazes? Faz seis semanas que eles não botam os olhos em mulher. Se isso não der certo, a gente pode levar a moça de volta com a gente e dar de presente pro Brito. Não faz mal nenhum ficar numa boa com ele.’ Tudo o que ele respondeu foi: ‘Quem quiser mulher que vá buscar no mato.’”
“Todos nós achamos que ele tinha ficado louco, e sentimos muito medo dele. Ele arrastou a mulher e pendurou com uma corda em uma árvore, de cabeça para baixo, as pernas bem abertas e com um só golpe do facão abriu o corpo dela ao meio. A aldeia parecia um matadouro. Ele só se acalmou depois que esquartejou o corpo da mulher, e mandou que tocássemos fogo na maloca e jogássemos os corpos no rio. Depois disso, pegamos nossas coisas e fizemos o caminho de volta. Continuamos até o anoitecer e tomamos o cuidado de apagar o nosso rastro. Se os índios tivessem nos encontrado, não adiantava tentar enganar dizendo que a gente era só uns sertanejos comuns. Levamos seis semanas para encontrar os cintas-largas e uma semana para voltar. Eu quero dizer agora que pessoalmente eu não tenho nada contra os índios. O Chico encontrou alguns minerais e levou de volta para deixar a companhia satisfeita. O fato é que os índios estão montados em cima de terras valiosas e não fazem nada com elas. Eles têm uma maneira de encontrar a melhor terra para o plantio e todos esses minerais valiosos também. Eles têm que ser convencidos a ir embora, mas se tudo o mais falhar, bom, então tem que ser pela força.”
Brito, o homem que organizou a expedição, morreria um ano depois em circunstâncias terríveis. Quando ele tinha alguma queixa contra um de seus companheiros, normalmente o amarrava e o espancava até o sangue escorrer e molhar as botinas do homem, mas em casos graves obrigava um de seus capangas a usar o chicote enquanto estuprava a esposa do culpado. Um italiano chamado Cavalcanti, que tentou atacar o capataz depois de receber uma severa punição, foi logo morto a tiros e teve seu corpo incinerado. Seguiu-se uma revolta dos seringueiros, na qual nove foram mortos. Não foi fácil matar Brito, que, encurralado, absorveu como Rasputin várias balas, além de uma estocada de facão no estômago, antes de tombar. Depois disso, foi estripado, teve as entranhas recolocadas e cobertas com um tampão de palha, foi arrastado ainda vivo para um descampado e deixado ali para as formigas.
Quantas caçadas a índios como a que se organizou contra os cintas-largas devem ter passado despercebidas no passado, censuradas, na pior das hipóteses, como um mal necessário? Ataíde fala delas como se fossem um lugar-comum, e a probabilidade é confirmada pelo depoimento de certo padre Waldemar Weber ao inspetor de polícia Salgado, da 3ª Área Divisional de Cuiabá, que investigou o caso. O padre declarou: “Não é a primeira vez que a firma Arruda, Junqueira & Cia. comete crimes contra os índios. Várias expedições foram organizadas no passado. Essa firma atua como fachada para outros empreendimentos que estão interessados em adquirir terras ou que pretendem explorar os ricos depósitos minerais existentes nessa área.”
Quando se considera o clima miasmático de submissão em que esses remotos baronatos operam, no qual a voz que se levanta em protesto pode ser instantaneamente sufocada e tantas falsas testemunhas quantas forem necessárias surgem com o estalar de um dedo, parece extraordinário que uma ação policial pudesse um dia ser cogitada contra a Arruda, Junqueira & Cia. Ainda mais quando se examinam os escassos recursos judiciais existentes na área.
Denúncias como as feitas por Ataíde são esquecidas nos arquivos policiais às centenas, simplesmente porque a polícia aprendeu a não desperdiçar suas forças tentando o impossível. Nove crimes graves de cada dez provavelmente nunca vêm à tona. O problema do descarte do corpo – aspecto tão poderoso para impedir assassinatos – não existe nesses lugares em que o cadáver pode ser jogado no riacho mais próximo, onde, se um jacaré não der cabo dele, as piranhas podem reduzi-lo a um esqueleto limpo em poucos minutos.
No caso do descarado e desdenhoso décimo crime, quando um homem mata sua vítima em público e não toma a menor iniciativa de ocultar o homicídio, ele sabe que está sob a poderosa proteção da distância e da inacessibilidade. Aripuanã fica a 965 quilômetros de Cuiabá, a capital e sede da Justiça de Mato Grosso, e só é possível chegar lá por meio de voos irregulares. De mais a mais, na época em que o inspetor Job Maia Salgado iniciou sua investigação, cerca de mil processos criminais aguardavam julgamento em Cuiabá, onde, como a minúscula cadeia local só tem capacidade para cerca de cinquenta pessoas (detentos de todos os sexos e idades são mantidos juntos), a maioria dos criminosos permanece em liberdade aguardando julgamento, o que pode demorar e sofrer longos adiamentos.
A tarefa de Salgado imediatamente complicou-se em razão de fatores não relacionados às frustrações normais da geografia e das comunicações. Principal testemunha e assassino confesso, Ataíde era agora dono de uma barraca de doces nas ruas de Cuiabá e poderia ser capturado a qualquer momento, mas outras testemunhas essenciais começavam a desaparecer. Dois dos membros da expedição de Chico conseguiram morrer afogados “em viagens de pesca”. O piloto do avião usado no ataque aos cintas-largas teria morrido em um acidente aéreo. Brito tinha sido, claro, assassinado na revolta dos seringueiros, e até mesmo o padre Schmidt, que havia gravado a confissão de Ataíde, não pôde ser encontrado.
Apesar da série de contratempos, Salgado concluiu o inquérito policial contra Antônio Junqueira e Sebastião Arruda exatamente três anos após o início das investigações, e os documentos foram enviados ao juiz. De acordo com a legislação brasileira, no entanto, o procedimento seguinte é a acusação formal, a denúncia, que deve ser feita pelo promotor público, e agora está evidente que o caso jamais conseguirá superar esse obstáculo. Em países como o Brasil, onde a classe média está apenas emergindo, a aristocracia fundiária e os chefões de grandes firmas comerciais estão protegidos de maneira quase inexpugnável das consequências de seus delitos e contravenções, graças a casamentos dinásticos, interesses interligados e pactos de segurança mútua entre esses homens com poderosos amigos políticos. Não se trata, de forma alguma, de um fenômeno exclusivamente latino-americano, e predomina em igual medida na Europa mediterrânea.
Nesse caso, o promotor público, Luís Vidal da Fonseca, prontamente objetou que o crime não poderia ser julgado em Cuiabá porque Aripuanã estava sob a jurisdição, alegou ele, do município de Diamantino. Os documentos foram despachados para Diamantino, de onde o juiz imediatamente enviou-os de volta a Cuiabá. A questão foi encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, e determinou-se que o julgamento deveria ocorrer em Cuiabá. Até então, somente um mês havia sido perdido.
Fonseca então se declarou impedido de atuar no caso, alegando que era advogado da firma Arruda, Junqueira & Cia. Um segundo promotor público recusou o fardo desse embaraçoso encargo, e o juiz de Cuiabá concordou com ele e indeferiu o pedido de Fonseca. Para anular a decisão local, Fonseca recorreu novamente ao Supremo Tribunal Federal. O pedido foi recusado. Nove meses se passaram em manobras desse tipo, e já era abril de 1967.
Nesse ponto, empreendeu-se uma tentativa de solucionar as dificuldades, para a satisfação de todas as partes interessadas, nomeando-se um promotor substituto – que imediatamente declarou-se impedido de julgar o caso com base na relação um tanto remota de sua esposa com Sebastião Arruda. O pedido foi acatado, e em seguida nomeou-se outro promotor público, que se recusou a arbitrar, fundamentando sua recusa na invalidade legal da objeção de Fonseca. Toda a papelada do processo foi devolvida a Fonseca.
Em setembro de 1967, foi nomeado um quarto promotor substituto, que, em vez de agir, enviou os documentos ao procurador federal, que confirmou a decisão original de que Fonseca, que se mudara, era competente para atuar no caso. A isso seguiu-se um interminável vaivém jurídico em meio a pendengas sobre minúcias legais e à entrada e saída de uma série de promotores substitutos até março de 1968, quando o procurador federal foi instado a protestar: “Desde agosto de 1966, os documentos relativos a esse caso vêm sendo embaralhados e transferidos em um interminável jogo de desculpas e pretextos farsescos, em grave detrimento do prestígio da Justiça.” Com tal encorajamento, o oitavo ou nono procurador substituto tomou atitudes concretas e formalizou uma acusação contra os assassinos dos cintas-largas, quase todos agora, depois de cinco anos, mortos ou desaparecidos. Os nomes de Antônio Junqueira e Sebastião Arruda foram omitidos da denúncia, “posto que sua anuência ao massacre dos índios nunca foi estabelecida”. Com isso, a polícia tentou fazer justiça com as próprias mãos, ordenando a prisão preventiva dos dois homens. O que não pôde ser efetuado, pois eles estavam escondidos ou vivendo na clandestinidade.
Lemos a história dos quatro anos de batalha judicial contra a firma Arruda, Junqueira & Cia., e a imaginação titubeia ao vislumbrar o que o futuro reserva aos defensores da justiça para os índios – a hábil e metódica perda de tempo, as alegações de impedimento ou de suspeição, as demandas por novos julgamentos, os recursos e os contrarrecursos, à medida que os meses se convertem em anos e os anos em décadas, e o índio lentamente desaparece do planeta.
E se algum dia, depois de resolvidas todas as ações judiciais, uma pequena fatia de terra for arrancada dos grandes bancos, das corporações, dos fazendeiros, das concessionárias de exploração madeireira e de mineração que agora são donas de vastas áreas – o que ainda deve ser feito? Pode o índio que se tornou parasita da missão, miraculosamente reformado no corpo e no espírito, retornar à vida livre dos isolados? Existe algum remédio para o índio que, no grande dia da reintegração de posse de sua terra, encontrará a floresta extinta e, no lugar dela, uma planície arruinada, sufocada pela caatinga? Pode um povo feliz, viável e autossuficiente ser restaurado com alguns poucos grupos de seres humanos alquebrados?
O novo órgão de proteção, a Fundação Nacional do Índio (Funai), encontra algumas razões para a esperança no Parque Nacional do Xingu [atual Parque Indígena do Xingu]. Essa é a magnífica criação surgida quase que do esforço exclusivo de dois devotados indigenistas fundamentalistas, os irmãos Villas-Bôas – Orlando, Cláudio e Leonardo –, que acreditam que o parque permanecerá por toda a eternidade como um reduto imutável do antigo modo de vida indígena – uma convicção que é difícil encontrar quem dela compartilhe. Foi fundado há uma geração, quando as fazendas ainda estavam laboriosamente absorvendo territórios fronteiriços a centenas de quilômetros de distância, entretanto seus apetites voltaram a se aguçar agora.
O parque abriga talvez índios de uma dúzia de tribos, que lá vivem alegremente obcecados com seus rituais da Idade da Pedra, absortos pelo artesanato perfeccionista, pela pintura corporal, mantendo acesas preciosas fogueiras. Os irmãos Villas-Bôas acreditam que até mesmo a aspirina é prejudicial à autossuficiência do índio; eles excluem os missionários e não acolhem de bom grado visitantes de qualquer tipo. No mapa do parque afixado no escritório da Funai há linhas pontilhadas mostrando as extensões a que eles se propõem chegar, e que supostamente duplicarão sua área atual; e, lembrando-se do destino do presidente João Goulart, quando o idealismo e os interesses comerciais entraram em rota de colisão, só se pode imaginar e especular.
Na melhor das hipóteses, e se esse incremento na extensão territorial do parque vier a ocorrer, um total de 4 mil índios isolados estarão protegidos, além de algumas outras centenas em uma nova reserva recém-criada nas montanhas do Tumucumaque, no extremo norte, onde estarão resguardados como as raras aves de rapina das Terras Altas da Escócia. O futuro dos 50 mil ou 100 mil indígenas – seja lá qual for a cifra – deixados de fora dessas reservas parece, com efeito, incerto. No momento, eles estão até certo ponto protegidos por um sentimento nacional de autorrecriminação, que, quase certamente, há de arrefecer até a indiferença. Existem no Brasil, no máximo, 100 mil índios puros em uma população total de 80 milhões de pessoas, e é irrealista acreditar que o bem-estar deles possa um dia tornar-se uma obsessão para um país no qual multidões são jogadas juntas no fosso da penúria.
[1] O militar e escritor Peter Fleming (1907-71) esteve no Brasil em 1932, no encalço do explorador e coronel britânico Percy Fawcett, que desapareceu na Amazônia. Fleming contou a viagem no livro Uma Aventura no Brasil, publicado originalmente em 1933 e só lançado no Brasil em 2007. Ele era o irmão mais velho do escritor Ian Fleming, criador de James Bond.
[2] No censo de 2010 do IBGE, 897 mil pessoas se declararam indígenas. Dessas, 672,5 mil disseram o nome da etnia à qual pertencem. Em relação aos povos citados pelo autor, os dados indicam que em 2010 havia no país 13,1 mil munducurus; 7,5 mil guaranis; 4,3 mil carajás; 1,8 mil cintas-largas; 1,5 mil kadiwéus; 2,3 mil bororos; 19 mil xavantes; e 135 tapaiunas.
[3] O autor se refere provavelmente a Montaigne. Em geral é a ele e a Rousseau que se costuma atribuir a a figura do “bom selvagem”.
[4] O autor se refere à região na confluência dos rios Klondike e Yukon, no Canadá, onde se descobriu ouro em 1896.
[5] Roger Casement (1864-1916), diplomata e poeta britânico de origem irlandesa, denunciou os abusos da colonização no Congo e também os cometidos na Amazônia, para onde viajou duas vezes, em 1910 e 1911, como cônsul-geral britânico no Brasil.
[6] O Teatro Amazonas passou por reformas em 1929, 1974 e 1989, e está atualmente em funcionamento.
[7] “Não conformistas” é o termo usado no Reino Unido para designar todos os protestantes britânicos que não seguem a doutrina da Igreja Anglicana, como os batistas, congregacionistas e presbiterianos, entre outros.
[8] Gilles de Rais (1404-40), nobre e militar francês, foi condenado à forca, acusado de tortura e morte de centenas de crianças e adolescentes, entre outros crimes.
[9] Desfiladeiro no condado de Somerset, no sudoeste da Inglaterra.
[10] Cidade típica do Oeste dos Estados Unidos, localizada no estado de Wyoming.
[11] Carga de cavalaria britânica lançada contra os russos durante a Batalha de Balaclava (1854), na Guerra da Crimeia (1853-56). Alguns consideram-na desastrosa; outros, heroica. O episódio inspirou o poema “The charge of the light brigade”, de Alfred Tennyson.
[12] A Batalha de Crécy, travada na tarde de 26 de agosto de 1346, no norte da França, foi uma das principais da primeira década da Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Apesar de contar com muito menos homens, o Exército inglês impôs ao francês uma humilhante derrota.
[13] Dodge City, cidade no estado do Kansas, no oeste dos Estados Unidos.