Ao fundo, Rosaria Schifani, viúva do guarda-costas Vito Schifani, morto com o juiz de Palermo Giovanni Falcone e outros colegas em 1992
Guerra civil em Palermo
Com a máquina fotográfica a tiracolo, me tornei testemunha de todo o mal
Letizia Battaglia | Edição 43, Abril 2010
Trabalhei como fotógrafa do jornal L’Ora, de Palermo, de 1974 a 1992. Fui a primeira repórter fotográfica da Itália a cobrir notícias policiais. Dia e noite, inclusive feriados. Eu era uma bela mulher de 40 anos, transgressiva, mãe de três filhas, e dirigia um grupo de jovens fotógrafos. Entre eles, meu companheiro Franco Zecchin, dezoito anos mais jovem que eu, e minha filha Shobha.
Foram anos de tomada de consciência. Com a máquina fotográfica a tiracolo, me tornei testemunha de todo o mal que estava ocorrendo. Foram anos de guerra civil: sicilianos contra sicilianos. Foram assassinados os melhores juízes, os jornalistas mais corajosos, os policiais preparados, os políticos avessos à corrupção. E mulheres e até crianças. Por incúria política, os edifícios do centro histórico de Palermo desmoronavam. Por corrupção política, não havia trabalho. O desemprego levava ao desespero, ao tráfico, ao uso de drogas pesadas. Foram anos muito complicados para mim e para tantos outros.
Em meu estúdio, que por muito tempo foi também minha casa, conviviam amor e indignação. Nas paredes, fotos de crimes e de poesia se alternavam obsessivamente. Queríamos documentar tudo, queríamos dizer ao mundo o que estava ocorrendo e, simultaneamente, queríamos ser pessoas que amavam e aproveitavam a vida.
Enquanto a guerra da Máfia recrudescia, dávamos cursos para jovens fotógrafos, Franco e eu abrimos a primeira galeria fotográfica siciliana, levamos para casa pacientes saídos de hospitais psiquiátricos, fundamos uma revista chamada Grande Vu, divertida e politicamente corajosa. Com nossas fotografias de mafiosos e de vítimas, fazíamos exposições onde fosse possível, inclusive nas ruas.
Em 1986, inesperadamente, chegou de Nova York a notícia de que eu tinha recebido o prêmio Eugene Smith. Foi a virada. Entendi que deveria fazer mais. Não bastava apenas fotografar.
Filiei-me ao Partido Verde e participei de suas batalhas. Tornei-me conselheira municipal. Juntei-me ao trabalho de um prefeito jovem e corajoso, Leoluca Orlando, católico e antimafioso, e me tornei funcionária pública de Palermo. Durante quatro anos me dediquei à cidade. E dela recebi amor e gratidão. Foram os melhores anos de minha vida. Eu tinha finalmente o poder de “fazer as coisas”, plantar milhares de árvores e flores, ajudar os pobres, trabalhar pelas mulheres e pelos desfavorecidos, demonstrar que era possível existir uma classe política honesta.
Depois de quatro anos, fui eleita deputada para a Assembleia siciliana. Uma das experiências mais inúteis de minha vida. Conseguia um monte de verba e não podia fazer mais nada pela cidade nem pela Sicília. Na oposição, eu era apenas um número. Tudo era decidido em segredo nos gabinetes políticos, e qualquer luta estava perdida de antemão.
Depois, em 1992, vieram os grandes massacres: assassinaram o juiz Giovanni Falcone, a mulher e três agentes da escolta. Sessenta dias depois, um outro juiz, Paolo Borsellino, e mais cinco agentes saltaram pelos ares. Em seguida, também mataram um padre excelente, dom Pino Puglisi, que queria educar os jovens. Não fotografei: ao lado dos sicilianos honestos, chorando, me juntei às passeatas contra a Máfia.
Tínhamos perdido. Nosso sonho estava aos pedaços. A Máfia seguia cada vez mais forte, cada vez mais associada à polícia. Fundei uma pequena editora, Edizioni della Battaglia, gastei todo o dinheiro que tinha para publicar textos contra a Máfia, lancei 150 títulos. Depois de algum tempo, fui embora. Estava mal. Por um ano e meio me refugiei em Paris.
Hoje, passados dezoito anos, vivo em Palermo. Não fotografo mais para jornal. Não teria forças para isso. As novas fotografias estão ligadas à minha intimidade. E também ligadas ao passado.
Minha cidade está suja e cheia de armadilhas, a nova Máfia quase não mata mais. Não é mais necessário. Muitos dos mafiosos já estão no poder, no comando da economia ou da política.
Tradução de Maurício Santana Dias