Com a precisão de uma troca de guarda, o macaco-prego espera os turistas saírem do parque para cruzar a trilha das cataratas e jantar na uvaia antes do anoitecer FOTO: MARCOS SÁ CORRÊA
Iguaçu
O rio nunca é muito azul, a vegetação está longe de ser esmeralda, nem todo arco-íris tem cores berrantes
Marcos Sá Corrêa | Edição 45, Junho 2010
As Cataratas do Iguaçu parecem mais novas de perto do que nos cartazes turísticos. Sem a maquiagem pesada da propaganda, o rio nunca é muito azul, a vegetação está longe de ser esmeralda, nem todo arco-íris tem as cores berrantes dos livros infantis e a espuma das quedas custa a ficar imaculadamente branca. Em compensação, a mata não se encolhe atrás das cachoeiras, como um mirrado pano de fundo. Planta-se na frente, como uma moldura desalinhada de galhos, cipós e lianas que tapam o conjunto, mas realçam os detalhes e mostram as cataratas como de fato elas são – quase 300 quedas d’água, enfileiradas em paredes a prumo, com a desordem natural das coisas.
Foi a mania de tirar a mata da reta que consagrou o panorama oficial feito de helicóptero, uma espécie de tripé aéreo que virou um acessório indispensável no Iguaçu. Vistas assim do alto, os saltos de quase 90 metros se achatam num rio que passa lá embaixo do estado líquido ao gasoso. A floresta em primeiro plano nos obriga a olhar como os pintores e aquarelistas de um Brasil do século XIX. Era assim, pela mata, que se ia às cataratas até meados do século passado.
Em 1889, quando o governo imperial resolveu fincar pé naquela fronteira com a Argentina e o Paraguai, despachou para Foz do Iguaçu um tenente chamado José Joaquim Firmino. O vilarejo ao qual o tenente chegou tinha 324 moradores, e apenas nove deles eram brasileiros. Firmino levou tanto tempo abrindo picadas e cruzando rios que, ao declarar cumprida sua missão, em 23 de novembro de 1889, proclamando na “Ordem do Dia nº 1” que a cidade tinha enfim “autoridade constituída para todos os efeitos legais”, a República já se instalara no Rio de Janeiro.
A mata que atrasou Firmino providenciou o cortejo de “papagaios, tucanos, pombas, jacus, patos silvestres, araras, garças, andorinhas” para Alberto Santos Dumont, quando o pai da aviação andou por lá a cavalo, em abril de 1916. “Macacos saltavam de uma árvore para outra, quatis, iraras, lagartos, lebres, veados fugiam assustados ao ver a presença da gente”, relatou o pioneiro Nunes Rio em 1973, reconstituindo a crucial visita de Santos Dumont, que convenceu o governo do Paraná a tirar as Cataratas das mãos do proprietário Jesus de Val, um espanhol residente no Paraguai.
Em 1928, o deputado paranaense Jayme Ballão chegou aos “lindos saltos” por “uma rua na floresta virgem”, através do “imenso sertão”, ouvindo “o urro das feras”. Curitiba, a 650 quilômetros de distância, estava separada da fronteira por uma estrada de terra “intransitável” durante as longas estações de chuva.
Tudo aquilo fazia parte dos 73 mil quilômetros quadrados de floresta estacional semidecídua, que vem a ser um tipo de mata tropical que amarela parcialmente no outono e perde folhas no inverno. Ela cobria uma faixa de 80 quilômetros que, costeando o rio Paraná, ligava o estado a São Paulo e Mato Grosso. Foi toda derrubada a partir de 1950. Na década de 60, o Paraná deu cabo de 60,5% da floresta remanescente. Em 1975, um quarto da madeira nativa comercializada no Brasil ainda saía de lá.
Sobraram 3,5% da tal floresta. Mais da metade do saldo está, graças às cataratas, nos 185 mil hectares do Parque Nacional do Iguaçu. Mas isso o 1,1 milhão de pessoas que todo ano visitam as cataratas mal chegam a perceber. O roteiro turístico cabe em 3% do parque. Com pressa para fazer compras no Paraguai, ou comer carne na Argentina, a visita é espremida em cinquenta minutos, durante os quais pouco se vê do que o Iguaçu esconde.
Leia Mais