Louise Glück, em foto de 2020, quando ganhou o Nobel: uma vida dedicada à escrita do poema CRÉDITO: DANIEL EBERSOLE_FOTO DE DIVULGAÇÃO DO PRÊMIO NOBEL_2020
Infinito particular
A aventura de traduzir a poeta Louise Glück
Bruna Beber | Edição 206, Novembro 2023
A poesia de Louise Glück me incendiou em meados de 2019. Embora a memória seja também invenção, parte da imaginação de nossa presença sobre a Terra, lembro com nitidez: num sábado à tarde, em São Paulo, visitava um amigo e jogávamos conversa fora. Assuntos de sempre, aqueles que não se exaurem porque endossam nossa existência, uma intimidade fundada em poesia e música. De supetão, meu amigo se levantou para comprar gelo, sua festa começaria dali a pouco. Ele não quis companhia. Eu fiquei sob a claridade da conversa e alcancei, num cesto ao lado do sofá, um exemplar antigo da revista New Yorker. Edição de 11 de dezembro de 2017, a capa mostrando um engarrafamento de árvores de Natal no metrô (Tom Gauld assinava o desenho). Abri a revista: Life, my sister said,/is like a torch passed now/from the body to the mind./Sadly, she went on, the mind is not/there to receive it. (A vida, disse minha irmã,/é como uma tocha que agora passa/do corpo para a mente./Que triste, ela continuou, a mente não/estar ali para recebê-la.)
Perdão, João, mas eu arranquei a página e a guardei na bolsa. Precisava de um dia sem ressaca para traduzir o poema todo – Autumn (Outono), joia lapidada por uma mulher de quem eu nunca tinha ouvido falar, mas que parecia falar comigo. É assim, às vezes, na vida que forjamos a partir dos chamuscos provocados por alguns versos.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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