ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
La escucha
Um atendimento psicológico no metrô de Medellín, na Colômbia
Tiago Coelho | Edição 185, Fevereiro 2022
A imponente estação de metrô San Antonio, na região central de Medellín, fica convulsionada entre o fim de tarde e o início da noite. Como faz conexão entre diferentes linhas que cruzam a segunda maior cidade da Colômbia, é a estação mais movimentada de todo o sistema de metrô, que transporta mais de 800 mil passageiros por dia.
As pessoas seguem apressadas pelos corredores da San Antonio e poucas reparam em uma salinha de parede de vidro, revestida de adesivo lilás, estampado com flores coloridas e uma frase em letras grandes: ¿Cómo va la vida?
Por volta de 18 horas do dia 7 de dezembro passado, um homem que levava uma mochila infantil às costas e puxava um menino pela mão esquerda se deteve diante de outra mensagem, na porta de entrada da saleta: “Bem-vindo. Este é um espaço de atendimento com profissionais de psicologia. Aqui você poderá compartilhar qualquer dificuldade emocional que esteja passando.” Uma composição do metrô se aproximou da plataforma, o homem olhou as horas no relógio e desembestou com a criança para dentro do vagão.
Cerca de meia hora depois, uma mulher e um homem entraram na salinha de 10 m2, cuja decoração consistia apenas em duas mesas, com três cadeiras cada. Eles eram irmãos e foram recebidos pela psicóloga Daniela Arias, de 23 anos, que pediu para que se sentassem. Logo em seguida, um rapaz de estatura mediana, vestido de jeans, camiseta e tênis, parou diante da porta de vidro. Viu que o posto de atendimento estava ocupado e resolveu esperar por sua vez.
O rapaz era Andres Gomez, de 28 anos, olhos castanhos atentos e fala eloquente. Do lado de fora da sala, ele contou à piauí que pouco antes da pandemia vinha se sentindo muito angustiado. Havia aberto uma loja de bijuterias e as pressões para obter resultados positivos no empreendimento só aumentavam. Além disso, estava prestes a se casar. E, como primogênito, era o principal responsável por cuidar do pai, da mãe e do irmão. “Eram muitas responsabilidades. Fui ficando deprimido”, disse. “Num momento de desespero, pensei em acabar com tudo. Botar um ponto final nos problemas.”
Em setembro de 2019, Gomez procurou um dos centros de saúde de Medellín que oferecem atendimento psicológico. “Conversando com os psicólogos, percebi que meus problemas não eram o fim da linha e que eu não precisava morrer para me ver livre deles. Eu tinha apenas que entendê-los e aprender a lidar melhor com tudo.”
Quando a pandemia ainda se alastrava, em setembro de 2020, a Prefeitura de Medellín resolveu ampliar o serviço de apoio psicológico, levando-o até lugares de grande movimentação, como praças e metrô. O projeto ganhou um nome: Escuchaderos (Escutadores). Seu objetivo é oferecer um espaço de escuta psicológica gratuita, para que as pessoas exprimam abertamente seus sentimentos e angústias.
Gomez e sua família pegaram Covid. “Me vi, mais uma vez, sobrecarregado e preocupado em cuidar de minha família. Eu sempre fui assim, superprotetor com todos.” Ele decidiu adiar o casamento e passou a frequentar a salinha da estação de San Antonio pelo menos duas vezes por mês durante a pandemia. Às vezes, se questionava sobre o que as pessoas no metrô estariam pensando ao vê-lo entrar ali. “Será que acham que sou louco? Hoje, vejo que sou é corajoso. Antes, eu achava que era melhor carregar sozinho meus problemas. Não queria demonstrar fraqueza. Até que, um dia, eu desmoronei.” Os escuchaderos sugeriram que Gomez pensasse primeiro em si mesmo, na sua própria saúde mental. “Eles me ensinaram que estar bem comigo me deixará mais forte para ajudar os outros.”
Quando a conversa da psicóloga com os dois irmãos terminou, uma hora depois, Gomez foi convidado a entrar na salinha. Ele sentou-se em uma das cadeiras e se pôs a desabafar, gesticulando com as mãos.
A psicóloga Daniela Arias faz um atendimento primário na saleta da estação San Antonio. Dependendo da gravidade do caso, a pessoa é encaminhada a um centro de saúde. “Aqui é um espaço onde ela expõe seus problemas no trabalho, com a família, na vida social”, disse. “Nas conversas, fornecemos ferramentas para que possa lidar com situações que geram desconforto emocional. Temos também uma estratégia de prevenção ao suicídio.” As salas ficam abertas das 8 às 20 horas, mas os escuchaderos fazem atendimento telefônico 24 horas por dia.
Alguns vão lá apenas uma vez, para botar para fora algo que os angustia. Outros voltam com frequência, como Gomez. Há também os que param do lado de fora, refletindo se devem ou não entrar, e acabam indo embora. “A saúde mental é estigmatizada e existe muito desconhecimento sobre o que é o tratamento psicológico”, afirmou Arias. “Muitos acham que não precisam de ajuda profissional porque não estão loucos. Não entendem que podemos oferecer uma orientação para que a vida seja mais leve.”
A psicóloga definiu o choque da pandemia sobre a saúde mental das pessoas como “aquela gota d’água que cai no copo cheio e faz transbordar tudo”. Muita gente teve que enfrentar o luto de forma intensa, com a perda súbita de familiares e amigos, sem falar nos problemas com dinheiro. “A pandemia aumentou bastante a responsabilidade familiar e financeira. Quantas pessoas não perderam o emprego? Além disso, se viram impossibilitadas de se encontrar com quem gostam, de fazer as coisas que davam prazer. Elas têm a sensação de que a vida está parada.”
Faltavam poucos minutos para as 20 horas, e a movimentação na Estação San Antonio diminuía. Um homem alto e magro se aproximou da salinha. “Sabe se ainda dá tempo de pegar uma consulta?”, perguntou José Inostroza, de 52 anos. Ele trabalha como motorista de caminhão, mas estava desempregado havia quatro meses.
“Sempre fui muito trabalhador”, disse. “Mas, hoje, sem emprego, eu sinto muito medo. Medo de não conseguir pagar as contas, de não poder sustentar minha família, medo do futuro. Tenho muitas coisas na minha cabeça. Parece que ela vai…”, afirmou, fazendo um gesto com os dedos, como se sua cabeça fosse explodir.
Andres Gomez deixou a sala no horário de encerramento das atividades do local, e a psicóloga pediu que Inostroza retornasse no dia seguinte. Gomez se despediu: “Daqui uns dias volto para continuar curando as coisas em mim. Diminuir o fardo nas minhas costas.”