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<i>L’enfant est mort</i>

    Martin Amis, em Paris, em 1979: uma iconografia mais próxima de roqueiro do que de escritor CRÉDITO: ANGELA GORGAS_1979

despedida

L’enfant est mort

Martin Amis nunca amadureceu, e assim irá ao panteão dos grandes romancistas ingleses

Alejandro Chacoff | Edição 201, Junho 2023

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Recentemente, após muitos anos de procrastinação, li The Light Years (Os anos da inocência), o primeiro volume da Cazalet Chronicles, uma saga de cinco volumes da romancista inglesa Elizabeth Jane Howard. A história, publicada em 1990, segue diversas gerações de uma mesma família – o clã Cazalet, cujo patriarca se fez no ramo de comércio de madeira – e é um exemplo singular de poderes observacionais dedicados à forma polifônica do romance. Crianças, adolescentes, pais e mães (alguns vaidosos e adúlteros, outros mais humildes e reprimidos), governantas, empregadas, babás: todos ganham voz no livro, sob uma narração onisciente que flutua e invade cada consciência com sutileza. “Nunca senti que Kingsley fosse um escritor melhor que eu”, disse Howard certa vez, numa entrevista ao jornal The Guardian, comparando-se ao ex-marido, o famoso romancista inglês Kingsley Amis. Difícil discordar. Lucky Jim é hilário, mas seria covardia colocar as peripécias de um professor iniciante ressentido e seu chefe de departamento avoado no mesmo ringue de uma saga que constrói a melancolia da passagem do tempo, o medo e a esperança que antecedem e perpassam uma grande guerra (no caso, a Segunda Guerra Mundial). Que Howard tenha escolhido retratar o período da guerra e que Kingsley tenha escrito o melhor livro cômico do pós-guerra (nada de bombas ou sofrimento aqui) talvez resuma a diferença entre os dois.

Lendo na biografia de marido e mulher as origens de seus talentos, é fácil entender por que Kingsley ficava com as piadas e Howard com a multiplicidade observacional. Martin Amis – filho de Kingsley, enteado de Howard – dizia que seu pai era gentil, mas distante, limitando-se a dar um oi de longe para as crianças enquanto fechava a porta do estúdio para escrever. Já Howard ficava com a carga doméstica: era responsável pelo funcionamento de uma casa que tinha de 8 a 12 pessoas, em diferentes momentos. Entre suas incumbências estavam as crianças. Foi ela, e não Kingsley, que deu início à educação literária de Martin Amis. O menino, meio alienado, ia mal na escola, quando a madrasta decidiu que era o momento de lhe apresentar alguma literatura que prestasse. Deu-lhe uma cópia de Orgulho e Preconceito. Martin se trancou no quarto. Uma hora depois saiu, ansioso. “Preciso saber: a Elizabeth se casa com o Darcy?”

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