ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
Letras e tretas
A disputa por causa de um letreiro no Distrito Federal
Marcos Amorozo | Edição 186, Março 2022
Na manhã de 23 de janeiro, domingo, uma dezena de moradores do Setor de Mansões Park Way, a cerca de 20 km da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, se reuniu pela segunda vez em uma rotatória que dá acesso ao bairro. O objetivo do grupo era tapar as letras garrafais de concreto que indicam aos motoristas na Estrada Parque Vicente Pires que, ao passar por ali, eles já se encontram no bairro Arniqueira.
“A comunidade de Park Way, quando viu aquilo, ficou muito indignada, e nossos grupos passaram a bombardear fotos do local”, conta José Joffre Nascimento, presidente da associação comunitária do bairro. Ele disse que os moradores procuraram as autoridades para pedir a retirada do letreiro de cerca de 10 metros de largura e 1,70 metro de altura. Como não obtiveram resposta, resolveram fazer o protesto. “A área onde está o letreiro não faz parte de Arniqueira. O Park Way é uma área regularizada, e Arniqueira foi um parcelamento irregular que ainda está em processo de regularização”, diz Nascimento.
No primeiro protesto, os parkwayanos cobriram a palavra “Arniqueira” com uma faixa branca na qual estava escrito, também em letras garrafais: “Aqui é Park Way.” Como não adiantou, eles voltaram à rotatória e colocaram uma faixa preta, onde pintaram apenas “Park Way.”
O Distrito Federal tem 33 regiões administrativas – entre elas Park Way e Arniqueira –, que são como as subprefeituras de grandes cidades. O objetivo da divisão é descentralizar a administração e facilitar o trabalho de coordenação dos serviços públicos.
O Setor de Mansões Park Way (SMPW) foi incluído no plano urbanístico original de Brasília e lançado em 1961 como um loteamento exclusivamente residencial para casas construídas em terrenos de, no mínimo, 2,5 mil m², nos quais a construção de prédios é proibida. Desde 2003, o local tornou-se uma região administrativa autônoma, e hoje suas 29 quadras abrigam cerca de 20 mil pessoas, a maioria de classe média alta e alta. Nesse bairro fica o Catetinho, a primeira residência oficial da capital, uma construção de madeira erguida em 1956 para hospedar o presidente Juscelino Kubitschek durante suas visitas à Brasília no período da construção da cidade.
Arniqueira é a mais nova região administrativa do Distrito Federal, status que conquistou em 2019. O nome se deve ao córrego homônimo que passa pelo local e à abundância de arnica na região. Originalmente era um setor de chácaras, que ao longo das décadas foram fracionadas em lotes menores, multiplicando-se desordenadamente e nos quais podem ser construídos prédios de até quatro andares. Hoje, o bairro abriga cerca de 46 mil moradores, a maioria de classe média. Em Arniqueira, um terreno de 2,5 mil m2 custa cerca de 430 mil reais. Em Park Way, um lote do mesmo tamanho custa entre 1,2 milhão e 2,2 milhão de reais.
Para Telma Rufino, administradora regional de Arniqueira, a construção do letreiro teve o objetivo de identificar a região. “Arniqueira fica bem escondida. Além disso, é um bairro novo, sem planejamento e em processo de regularização, o que dificulta a identificação de endereços”, afirma. Ela contou ter ficado surpresa com a reação dos moradores de Park Way. “Ninguém procurou a gente para conversar. Só botaram a faixa em cima e pronto. Me senti discriminada e dentro de uma polêmica que, para mim, não faz sentido algum.”
Nascimento nega que as manifestações dos moradores de Park Way sejam motivadas por preconceito. “Não existe discriminação. As duas comunidades são muito unidas, as pessoas frequentam os mesmos ambientes e convivem bem. O que a gente não quer é que haja confusão sobre onde fica Park Way e onde fica Arniqueira. Só isso”, diz.
A Associação Comunitária do Park Way protocolou um pedido de retirada do letreiro de concreto no Ministério Público. A justificativa dada é que não se trata de um marco de sinalização, mas de localização, e por isso precisa estar dentro da área de Arniqueira e não nos limites do Park Way. O documento também diz que já existem na Estrada Parque Vicente Pires placas avisando da proximidade e da entrada de Arniqueira. Para Rufino, a rotatória foi escolhida apenas para indicar “que a entrada do bairro estava próxima”, como ocorrem em outras regiões administrativas.
O governo do Distrito Federal afirma que a construção do letreiro – que custou 20,3 mil reais – foi autorizada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal, responsável pela área da rotatória. Mais dois no mesmo molde estão previstos, em entradas do bairro.
Mas o imbróglio não se limita ao letreiro – há ainda questões relacionadas ao avanço da ocupação urbana e da grilagem de áreas ambientais. Algumas extensões verdes de Park Way foram ocupadas irregularmente no início dos anos 2000 e nomeadas como “Áreas Intersticiais Arniqueira”, devido à proximidade com a região vizinha. Esse histórico faz com que os moradores de Park Way temam novas ocupações. Além disso, como as normas de uso do solo de Arniqueira permitem maior adensamento populacional, há o risco de ocupação da Área de Proteção Ambiental Gama Cabeça do Veado, que abrange parte das extensões verdes de Park Way e de onde provém um terço da água responsável pelo suprimento que chega ao Lago Paranoá.
O letreiro na rotatória desagradou também quem vive em Arniqueira. A associação de moradores dessa região administrativa endossou o pedido de investigação das obras feito ao Tribunal de Contas do Distrito Federal pela comunidade do Park Way. “Não é que a gente esteja defendendo o Park Way, mas não podemos concordar com uma atitude equivocada, com o mau uso do dinheiro público”, diz Dataniel Duarte, presidente da associação de moradores de Arniqueira. “Se a instalação tivesse sido na entrada real da cidade, a população apoiaria totalmente.”
A entrada fica a cerca de 400 metros da rotatória onde o marco foi instalado. Essa distância foi percorrida a pé por alguns moradores de Arniqueira, em 29 de janeiro, que carregavam faixas pedindo a mudança do letreiro. “Essa é uma briga que não nos interessa e só serviu de motivo de chacota e exposição para nós”, conta Duarte.
De fato, a polêmica gerou uma onda de memes nas redes sociais. Em um deles, o letreiro de Arniqueira foi colocado no topo do Congresso Nacional. Em outro, aparece no alto do Monte Lee, em Los Angeles, no lugar da palavra “Hollywood”.