Loucos do Surf
A vida em alta velocidade
Victor Moriyama | Edição 171, Dezembro 2020
Em julho de 2017, Marlon da Silva Santos cruzou minha timeline fazendo um vídeo-selfie do teto de um ônibus em alta velocidade. Andava gingando e sorria com sarcasmo para o motorista, enquanto revelava no canto da tela o letreiro “Xambá”. Aquele vídeo me atropelou. Duas horas depois, comprei minha passagem para Olinda, em Pernambuco, onde passei sete dias documentando a rotina da Família LDS – Loucos do Surf –, um grupo de jovens das periferias do entorno do Terminal Integrado Xambá, cujas únicas formas de lazer eram a praia e o bigu, a gíria usada para o surf no ônibus.
O surf no trem ficou conhecido no Rio de Janeiro e em São Paulo no fim da década de 1980, por meio das imagens do fotógrafo Rogério Reis, que denunciavam a superlotação e a precariedade do sistema de transporte público. Surf em cima do ônibus eu nunca tinha visto.
“Me sinto melhor aqui [em cima] do que na escola”, me dizia Marlon, gritando, enquanto o vento cortava nossos rostos a 50 km/h na Avenida Presidente Kennedy, no bairro de Peixinhos em Olinda, e eu clicava me agarrando no respirador do teto. Marlon – que aparece em pé sobre o ônibus, de bermuda azul, na foto da parte superior da página ao lado – era o líder nato do grupo, levava a vida com uma alegria fugaz que só hoje consigo entender. Antes de nos despedirmos naquele domingo de agosto de 2017, ele me mostrou sua tatuagem que rasgava o peito de um lado a outro com os dizeres: “Há Há Há Há.” Zombava da vida.
Escapou da morte iminente nos coletivos suburbanos, mas foi atropelado pela violência que impera no Brasil contra jovens negros de periferia. Aos 16 anos, Marlon foi assassinado com quatro tiros à queima-roupa, a poucos metros de sua casa, em março de 2018. A notícia me arremessou para fora do meu eixo. “Depois que ele morreu, o grupo se desfez, todos perderam a alegria, o bigu acabou”, me contou Gabriela Silva, a Gaby, numa conversa pelo Facebook. “Mas se tu voltar para fotografar talvez eles se animem de novo.”
Marlon queria mais da vida e do poder público.
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