CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
Luxo escasso
Relógios de mais de 100 mil reais estão em falta nas lojas de São Paulo
João Batista Jr. | Edição 193, Outubro 2022
A vitrine da joalheria Dryzun do Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo, mostra três modelos de Rolex para homens, entre eles o Oyster Perpetual Datejust, cujo preço é 102 377 reais. Quem se interessar pela compra de algum desses relógios terá um problema pela frente, como avisa uma plaquinha verde-oliva com letras em dourado: “Produtos apenas para exibição – Não disponíveis para venda.” A Dryzun tem recebido da fábrica da Rolex na Suíça cerca de oito novos relógios por mês, entre modelos masculinos e femininos. Nenhum deles passa mais de um dia na loja. Todos vão diretamente para os pulsos de seus donos.
Por causa da escassez, foi criada uma lista de espera, com o nome do cliente e o modelo que ele deseja. Mas os modelos mais cobiçados, como o Perpetual Datejust e o Submariner (também a partir de 100 mil reais), só podem ser adquiridos por clientes antigos do estabelecimento. Os novos clientes têm que se conformar com modelos mais simples, da chamada “linha inicial”, como o Air King, a partir de 50 mil reais, que também não estão disponíveis no momento nem têm data para chegar.
Na loja Frattina, do Shopping Iguatemi, em São Paulo, desembarcam todo mês cerca de quarenta novos relógios importados. Como na concorrente Dryzun, os produtos vão para os clientes que colocaram seus nomes na lista de espera. Mas nem sempre a lista é uma garantia de que a compra vai se efetivar.
Além de serem itens de distinção social, ou fetiche de colecionadores, os relógios funcionam como investimento: a média de valorização anual de um Rolex está em torno de 6%. Os modelos mais raros ou cuja fabricação foi encerrada podem valorizar até 40% no mercado de segunda mão.
O apagão de itens de luxo não é uma exclusividade da Rolex nem do Brasil. Também a Audemars Piguet e a Patek Philippe, outras marcas de alta relojoaria, atravessam uma crise de abastecimento com a alta demanda em todo o mundo. Durante a pandemia, as duas grifes mudaram a forma de venda e adotaram o comércio eletrônico, deixando de ser representadas por lojas parceiras (como faz a Rolex, em sete capitais do país). Mas nem uma nem outra marca têm peças disponíveis para pronta entrega. O tempo de espera na fila dessas relojoarias pode demorar três anos.
“Essa demanda altíssima se deu por razões ligadas à pandemia: as pessoas ficaram em casa e, então, descobriram novas paixões e hobbies, como colecionar relógios”, diz o jornalista Raphael Calles, especializado em mercado de luxo e life-style. “Também teve o fato de essas pessoas ficarem sem viajar, então houve uma corrida aos vendedores locais.”
O funcionário de uma revendedora de relógios de luxo tem outra visão da escassez. “O motivo de a Rolex não produzir mais relógios é porque tem mais gente querendo comprar. E a empresa sabe que essa alta demanda valoriza seu produto. Então, ela cobra cada vez mais caro, porque as pessoas estão dispostas a pagar”, diz o funcionário, que pediu anonimato por não ter autorização para falar sobre a empresa. É conhecida a teoria de que o luxo só é luxo porque é escasso e para poucos.
De acordo com a consultoria GlobalData, o mercado de luxo prevê faturar 149,2 bilhões de dólares em 2022, um aumento de 8,4% em relação ao ano passado. Isso, apesar de a China ter adotado um confinamento rigoroso, impedindo seus cidadãos de viajar – e gastar – ao redor do mundo. Depois, a guerra na Ucrânia fez com que muitas marcas fechassem seus negócios na Rússia, como ocorreu com a francesa Hermès. A despeito disso, as vendas dessa grife atingiram 2,7 bilhões de euros no primeiro semestre deste ano em todo o mundo, um aumento de 33% em relação ao mesmo período de 2021.
A Hermès não revela os números específicos do Brasil, mas o mercado de luxo em geral, e não apenas os da alta relojoaria, está aquecido no país, apesar da grave crise econômica. Até a exclusivíssima bolsa Birkin Himalaya Niloticus Crocodile Diamond, no valor de 2 milhões de reais, encontrou compradora no Brasil (a Hermès não revela a identidade da cliente). O nome da peça tem uma explicação. A bolsa original foi criada no início dos anos 1980 com a participação da atriz e cantora Jane Birkin. O “Himalaya” se deve à gradação de cor da bolsa, que vai do cinza esfumado ao branco perolado, uma referência à cordilheira coberta de neve. “Crocodilo nilótico” porque o couro provém de anfíbios que vivem às margens do Rio Nilo. E o “diamante” é em razão de todas as ferragens da peça serem cravejadas de pedras preciosas.
Durante muito tempo, os clientes brasileiros só podiam encontrar os últimos lançamentos das maiores grifes estrangeiras no exterior. Isso mudou depois que algumas marcas abriram lojas no país. Na Chanel de São Paulo, o casaco de lã bordô e rosa na vitrine, vendido por 37 740 reais, é o mesmo encontrado neste momento em Paris e Nova York. Assim como a recente bolsa de couro da Gucci em parceria com a Adidas, ao preço de 16 420 reais.
A demanda é grande, mas as grifes de luxo precisam se esforçar. Algumas chegam a convidar compradoras de grande poder aquisitivo de diferentes partes do país para vir a São Paulo, com tudo pago, a fim de ver de perto as novas coleções (e comprarem, é claro).
Em abril, a Louis Vuitton levou mais de cinquenta pessoas para uma curta temporada no hotel Fasano Boa Vista, localizado num condomínio de luxo no interior de São Paulo. Do café da manhã ao jantar, o evento Savoir-Faire 2022 mostrou as novas roupas, joias e artigos de couro da grife. Entre os convidados estavam Virginia Mendes – mulher do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil) – e Andressa Salomone, herdeira do grupo imobiliário Savoy. As frequentadoras desse tipo de evento não costumam postar nenhuma imagem ou menção a ele em suas redes sociais.
Não foram apenas os relógios que sumiram das vitrines em São Paulo. Na Cartier, os itens de relojoaria estão disponíveis para pronta entrega, mas estão em falta alguns tamanhos de joias. Não é possível, por exemplo, encontrar determinados modelos da pulseira. Como outras marcas de luxo, a Cartier já se aclimatou aos hábitos brasileiros e adotou a venda a prestação. Mesmo os olhos dos milionários faíscam de alegria quando descobrem que podem parcelar tudo em dez vezes no cartão – sem juros.
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