A epigrafista: estar com ela num sítio arqueológico era como entrar em outra dimensão temporal CRÉDITO: ACERVO PESSOAL
Em busca do elo perdido
Maricela Ayala Falcón e a saga para resgatar a história dos maias
Felipe Botelho Corrêa | Edição 205, Outubro 2023
Conheci Maricela Ayala Falcón quando ela acabava de se mudar para Cancún, território historicamente maia, após uma longa carreira como professora e pesquisadora da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). A conversa me marcou, pois foi um tanto quanto desconcertante: eu era um estudante de doutorado; ela, um dos baluartes da história da civilização maia. Vestida com um tradicional huipil e com um tom professoral que mantinha mesmo em ambiente fora da universidade, quis logo saber sobre a minha pesquisa. “E você sabe por que os seres humanos inventaram a escrita?” Ainda que eu estivesse pesquisando a obra de um escritor, nunca tinha parado para pensar nisso. E a pergunta, com a voz de Maricela, ficou na minha cabeça.
Considerada a primeira epigrafista[1] do México, Maricela é figura central nos estudos da escrita maia, cujo processo de decifração inquietou pesquisadores por séculos. Em 1549, durante a Inquisição, o missionário espanhol Diego de Landa Calderón foi enviado a Yucatán, no atual sudeste mexicano. Lá, mandou queimar, num auto de fé, milhares de imagens e um número indeterminado de códices maias (Landa admite 27, embora outras fontes estimem um número maior). Acusado de conduzir uma Inquisição para além dos limites “adequados”, Landa retornou a seu país, mas acabou absolvido e voltou a Yucatán para virar bispo. Poucos registros impressos sobraram das atrocidades: quatro códices maias (Dresden, Madri, Paris e México)[2] e um manuscrito que o próprio Landa escreveu em 1566 para ajudar futuros missionários – Relación de las cosas de Yucatán. O ato de Landa criou uma desconexão entre a escrita antiga (e a história que registrava) e as línguas maias faladas até hoje na Mesoamérica, que engloba regiões do México, Guatemala, Honduras, Belize, El Salvador e Nicarágua.[3]
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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